Edição especial de Vitória ou Morte com Conferência de imprensa de Neto

Cota
0100.000.022
Tipologia
Conferência de imprensa
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Jan 1968
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
8
Acesso
Público
«Papel timbrado: Vitória ou Morte - Orgão de Informação do M.P.L.A.» EDIÇÃO ESPECIAL Janeiro de 1968 Na impossibilidade de publicar um exemplar para cada angolano, pedimos que leias e o passes a outro Camarada. Conferência de Imprensa do Camarada NETO realizada em Brazzaville em 3-Janeiro-68: O QUARTEL-GENERAL DO NOSSO MOVIMENTO DEIXOU DE FUNCIONAR NO EXTERIOR. PROSSEGUE A SUA TRANSFERÊNCIA PARA O INTERIOR DO PAÍS, ONDE VAI TRABALHAR EM PERMANENCIA NO SEIO DO POVO, MAIS PERTO DOS PROBLEMAS, A FIM DE CONTRIBUIR MAIS EFICAZMENTE PARA O AUMENTO DO NÍVEL DA LUTA, DANDO-LHE UM CONTEÚDO POLÍTICO MAIS DEFINIDO E FAZENDO-A PASSAR A SUA FASE DECISIVA. -Texto completo das declarações do Presidente do Comité Director- Reprodução efectuada pelas emissoras «Voix de la Révolution Congolaise», Televisão da República do Congo Brazzaville e pela VOZ DE ANGOLA COMBATENTE.- ANUNCIADO O REGRESSO DA DIRECÇÃO DO M.P.L.A. AO INTERIOR DE ANGOLA ALUCUÇÃO HISTÓRICA DO CAMARADA AGOSTINHO NETO EM BRAZZAVILLE NO DECURSO DA CONFERÊNCIA DE IMPRENSA REALIZADA EM 3 DE JANEIRO DE 1967 Com a presença de numerosos membros do corpo diplomático acreditado em Brazzaville, de representantes da imprensa local e estrangeira, o camarada Agostinho Neto, presidente do Comité Director do M.P.L.A., concedeu no dia 3 de Janeiro de 1967 uma importante conferência de imprensa, em que, depois de fazer uma análise breve mas concreta dos problemas relacionados com a luta de libertação do nosso País, anunciou o regresso, no decurso do ano que agora se inicia, da maioria da direcção do nosso Movimento ao interior de Angola. A importância vital da decisão justifica plenamente a transição na integra das declarações do camarada Presidente: «É-me bastante agradável aproveitar esta oportunidade para vos dirigir os meus agradecimentos pela vossa presença e para manifestar aos senhores representantes da Imprensa quanto o nosso Povo aprecia a sua contribuição para o esclarecimento da odiosa política colonial de Portugal. No início de 1967 o MPLA, movimento que conduz a luta de libertação do Povo Angolano, lançou a palavra de ordem da generalização da luta armada a todo o território nacional. Sentimo-nos hoje orgulhosos em afirmar que durante o ano decorrido a luta do nosso povo registou êxitos de tal forma significativos que nos permitem prever para breve o estado de insurreição geral da população, o que conduzirá à Vitória Final contra os colonialistas. Alargam-se as frentes de combate, um número cada vez mais elevado de homens, mulheres e crianças participa na acção armada. Asfixiando, paralisando a mobilidade do inimigo, tanto política como militarmente, criaram-se condições para o desenvolvimento geral da acção armada. Hoje é possível aplicar golpes cada vez mais duros ao inimigo, quer no campo quer nas cidades. Aqueles que seguem mais de perto a nossa luta verificaram por força quanto os colonialistas portugueses se inquietam com o endurecimento da resistência do nosso povo. Houve oportunidade de constatar o enorme aumento das baixas confessadas do exército colonial, das forças militarizadas e dos colonos, e no seio da polícia política – PIDE. Tomou-se também conhecimento do abandono massivo das «aldeias estratégicas», apesar do arame farpado e da intensa vigilância que as autoridades coloniais exercem sobre o nosso povo, procurando assim impedir a sua participação na luta de libertação. Outro sintoma ainda desta «inquietação é a degradação moral em que os colonos estão mergulhados, a sua ânsia de reforços urgentes, e a corrupção de elementos angolanos menos firmes que possam ser expostos no estrangeiro como prova de fidelidade de um povo, que soube desde há sete anos pegar em armas para gritar: colonialistas fora do nosso país! Para fazer à ofensiva crescente do nosso povo heroico, o inimigo prepara o aumento dos seus efectivos, destinados – segundo os nacionalistas, cujo grau de aperfeiçoamento militar melhora e cuja consciência política aumenta proporcionalmente à extensão de território controlado, que engloba uma região mais vasta do que o próprio Portugal. De resto, o povo humilde de Portugal, explorado sob um regime fascistas pelos monopólios nas mãos de um punhado de capitalistas nacionais e estrangeiros, compreende o carácter injusto desta guerra, nela participando sem entusiasmo, salva alguns fanáticos odiados pelos seus próprios compatriotas. Quanto mais a guerra dura mais importantes são as deserções dos soldados portugueses que emigram para outros países da Europa ou desertam do campo de batalha para não sujarem as mãos em defesa da criminosa política de Salazar. As prisões da PIDE em Angola e em Portugal, assim como as prisões militares encontram-se repletas destes jovens que se recusam combater os pacíficos povos das colónias. Este facto é tanto mais encorajante, até porque o MPLA não dirige a sua luta contra o povo português (ele próprio vítima da exploração e com o qual não há problemas insolúveis) mas sim contra o regime fascista que persiste em manter o anacrónico sistema colonial. Nós lutamos contra a exploração colonial, não contra o povo português, cuja a luta contra o fascismo se inscreve no quadro da luta contra a exploração e a miséria, pelo progresso e pela paz. É justo render homenagem às organizações democráticas portuguesas, que fazem o seu melhor para mobilizar o seu povo contra esta guerra cruel, não obstante os perigos e sofrimentos suportados por causa desta atitude. Lutando contra o fascismo e contra a guerra colonial, as organizações democráticas portuguesas merecem o nosso respeito e admiração. Elas dão uma contribuição positiva para o estabelecimento futuro de relações justas entre os nossos povos, baseadas no reconhecimento do direito à independência e à soberania nacional, no respeito e igualdade mútua. Entretanto, não obstante todos estes factos e as derrotas que sofre nas guerras coloniais, nos campos de batalha da Guiné, de Moçambique e de Angola, o governo fascista de Salazar não se convenceu ainda de que deve modificar a sua política, e eu tenho profundas razões para crer que só se verifica uma modificação no momento em que o estado de insurreição generalizada for atingido. A repressão em Portugal e nas colónias intensifica-se, ao mesmo tempo que o governo português procura obter cada vez mais a ajuda material dos seus aliados da OTAN, em troca de crescentes concessões de carácter económico, político e militar. Ultimamente é a África do Sul racista e fascista, cujo papel de polícia de África austral se torna cada vez mais evidente, que é solicitada para ajudar Portugal nas suas guerras. O governo sul-africano prepara os reaccionários dos eu país para a intervenção directa em Angola, sob pretexto que a presença de Portugal em Angola contribuíra para impedir a subversão de «contaminar» a África do Sul. Ninguém ignora a política de corrupção praticada pela África do Sul em relação a alguns africanos pouco engajados na luta pela libertação dos seus respectivos povos. Ninguém ignora também que África do Sul pretende controlar a economia dos países da África austral, através da formação dum dito «mercado comum» que compreenderia entre outros os países dominados por Portugal, isto é, Angola e Moçambique. O regime fascista desvenda progressivamente as suas ambições tentando dominar militarmente outros países, como se viu por exemplo com a entrada das suas forças armadas na Rodésia, sob o pretexto de combater os nacionalistas deste país, e com o estabelecimento de bases militares ao longo da fronteira com Angola. O MPLA dirige o seu povo contra o colonialismo português, que é o seu inimigo directo, mas é obrigado a tomar em consideração as ameaças vindas de outros países de Portugal, como as que acabo de citar. E, quaisquer que sejam as forças que Portugal consiga mobilizar, ele não conseguirá impedir a marcha triunfal empreendida pelo nosso povo, à custa do seu sangue e do seu sacrifício, em direcção à vitória Final. Com toda a população determinada a lutar com firmeza contra o colonialismo, o MPLA procedeu a uma análise da situação nas suas três frentes de combate, no decurso de uma reunião do Comité Director realizada no distrito do Moxico durante o mês de Julho do ano findo, tendo decidido criar uma nova região militar – a Quarta Região – donde provêm agora notícias duma actividade crescente. Outras regiões se desenvolverão ainda este ano, a fim de que deixem de existir várias frentes de combate mas sim um só envolvendo o inimigo em círculos que o paralisem e tornem inofensivo, como preparação do golpe final que culminará com a tomada do poder político pelo nosso povo. Alguns comunicados sobre as nossas actividades deram informações sobre o desenvolvimento das frentes de combate e sobre a organização do povo libertado do controle colonialista. Nas zonas sob nosso controle instalam-se os organismos do poder popular, com o objectivo de realizar as funções de orientar e administrar as populações, tais como a organização das milícias, o desenvolvimento da produção, o estudo dos meios para fazer progredir economicamente essas regiões, as trocas comerciais, o ensino primário, a educação política e a assistência médica. Algumas conquistas do nosso povo, permitiram-nos já tomar outras decisões de carácter político e militar. Eis uma das mais importantes e que constitui um passo decisivo para a nossa luta: a sede do nosso Movimento não funcionará mais no exterior. A sua transferência para o interior do país começou já. Isso significa que o quartel-general do nosso Movimento não se encontra mais em Brazzaville, mas numa das regiões controladas pelo nosso Movimento. Esta medida significa que a nossa Direcção considera o momento propício para que os nossos dirigentes trabalhem em permanência no seio do povo, mais perto dos problemas, a fim de contribuir de mais perto para o aumento da luta, dando-lhe um conteúdo político mais definido em todas as regiões e fazendo-a passar à sua fase decisiva. Durante um certo período, a presença de uma parte da Direcção no exterior justificou-se. Era necessário vencer a cortina de silêncio imposta pelas autoridades coloniais: era necessário que a situação do nosso país fosse conhecida no mundo. Era necessário ganhar a simpatia e a ajuda dos países amantes da paz. Era ainda necessário desmascarar os falsos nacionalistas, que se ocupam em bloquear a luta do nosso povo a fim de preparar as vias que o levariam a uma situação neo-colonial. Muito embora estes aspectos persistem ainda, a sua importância diminuiu consideravelmente em relação ao desenvolvimento verificado no interior de Angola. Eis porque, a partir deste ano, a nossa sede funcionará no interior do país e será a partir do interior que dirigiremos todas as actividades, quer no plano interno quer no internacional. Nós esperamos igualmente que uma grande parte das centenas de milhares de refugiados que se encontram no exterior do país regresse às zonas sob nosso controle, a fim de prestarem aí a sua contribuição directa à, em todas as tarefas sociais que a reconstrução do nosso país exige, após cinco séculos de colonialismo. É encorajador verificar que grande parte dos refugiados na Zâmbia o fez já, participando com entusiasmo na actividade patriótica. Cabe aqui exprimir a nossa gratidão para com os países amigos que nos acolheram durante todos estes anos, e que certamente continuarão a permitir o funcionamento no seu território das nossas representações, destinados a manter o contacto com o mundo exterior. Dentre esses países destaco a Republica do Congo-Brazzaville e o seu presidente Massamba-Débat, que nos albergou fraternalmente no momento mais crítico da nossa existência: na altura em que a Organização da Unidade Africana cometeu o erro histórico de reconhecer um pretenso governo no exílio, incapaz, desprovido de todo o interesse em desenvolver a luta e servindo-lhe apenas de freio. Menciono igualmente a Guiné e o seu presidente Sékou Touré, que foram os primeiros em África a ajudar o MPLA e que, como o governo do Congo-Brazzaville, estavam seguros de acolher uma organização de verdadeiros patriotas, devotados à causa do seu país e capazes de mobilizar o povo para a luta. Eu creio que hoje, tanto Brazzaville como Conakry podem estar orgulhosos das suas contribuições à nossa luta, as quais abriram o caminho para o passo decisivo que damos hoje. Nós não podemos também deixar de exprimir o nosso reconhecimento pela compreensão daqueles outros países africanos que, como a R.A.U. e a Tanzânia, a Argélia e a Zâmbia, recebem delegados no exterior. Nós não queremos jamais o apoio que recebemos aqui no Congo e que certamente continuaremos a receber, e sentirmo-nos felizes por existirem em África países amantes do progresso, que vêm com clarividência os problemas do Continente. Todavia, é com um sentimento de pesar que nos vimos obrigados a declarar publicamente que há ainda no nosso Continente países que cometem os erros mais incompreensíveis, limitando a nossa capacidade de trabalho, praticando assim uma política que os não dignifica. Pretendo referir-me a um dos nossos vizinhos, o Congo-Kinshasa, que não encontrou ainda o caminho mais certo a seguir para ajudar os movimentos de libertação de África. O Congo-Kinshasa retarda a nossa actividade ao impedir a passagem pelo seu território de destacamentos nossos com o material necessário ao restabelecimento dos nossos combatentes e ao aumento do seu potencial militar. Não posso, lamentavelmente, passar em silêncio o acto cometido em Julho de 1967, quando uma coluna de 200 homens aproximadamente se dirigia para Angola, tendo sido desarmada e presos os nossos militantes pelo exército congolês, apenas a 12 quilómetros da fronteira de Angola. E não é tudo: o governo do Congo-Kinshasa retém até hoje as armas e todo o equipamento que o referido destacamento transportava. Sob que pretexto um país africano pode agir dessa maneira? Actos semelhantes não dignificam evidentemente nem o país nem o governo que os pratica, e nós esperamos que Kinshasa reconsidere o seu acto, restituindo-nos o material de guerra que se destina a combater os portugueses, e nos conceda o direito de trânsito no seu território, de acordo com as decisões pertinentes da OUA. Nós devemos além disso abordar um outro aspecto: encontram-se presos no Congo-Kinshasa mais de uma centena de membros do MPLA, no campo de concentração de Kinkuzu, nome que se vem tornado tristemente célebre pelas violências que ali são praticadas e, segundo informações daqueles que conseguiram fugir de lá, pelas prisões subterrâneas onde os sequestrados se encontram na situação de enterrados vivos. Segundo notícias recentes, uma das nossas camaradas contraiu ai uma doença mental, em consequência dos sofrimentos a que é submetida diariamente. Um outro glorioso combatente do nosso país, o comandante Benedito, encontra-se quase cego por estar a maior parte do tempo encerrado numa cela sem luz. Nós temos conhecimento também de que se prepara actualmente ali a liquidação física dos nossos militantes mais corajosos. Que país se poderá sentir dignificado por actos desses cometidos contra os combatentes da liberdade? Que país pode ficar insensível ante crimes desses praticados contra quem não pretende senão a sua independência, quem não quer mais do que lutar contra o inimigo português e contra os mercenários estacionados em Angola, que ameaçam a própria segurança do Congo? Não, actos desses não dignificam ninguém! Impõe-se que façamos também referência à OUA que, como já disse, praticou o erro histórico de reconhecer um pretenso governo que não é reconhecido, nem amado, nem desejado pelo povo angolano. Mais ainda: um governo que é a própria incarnação da contra-revolução. Na última conferencia dos chefes de Estado e de Governo, a OUA resolveu nomear uma nova comissão para «conciliar os dois movimentos que ela reconhece». Isto, depois da assinatura dos acordos do Cairo, denunciados por uma das partes. Isto depois do trabalho de uma comissão militar que, apesar de não ter verificado os factos no terreno de luta, podendo assim sofrer a influência de informações recebidas de pessoas pouco honestas, fez, apesar de tudo, um relatório favorável ao nosso Movimento. Isto depois de ter tomado conhecimento do comportamento das autoridades do Congo-Kinshasa, que impedem a nossa acção, contrariamente às suas decisões. Pergunto pois: não seria preferível que a OUA, em vez de partir de falsas premissas tentasse exercer os seus bons ofícios junto do governo do Congo-Kinshasa para resolver problemas concretos? A saber: 1º - a libertação dos nossos camaradas detidos no campo de concentração de Kinkuzu; 2º - a cessação do assassinato dos nossos militantes; 3º - a restituição das nossas armas retidas sem qualquer justificação. Não poderia ela, por outro lado, encetar corajosamente a revisão da decisão errada e funesta que foi o reconhecimento do dito governo no exílio? Nós esperamos que a Comissão dos Cinco se debruce sobre estes problemas antes de iniciar as negociações no sentido de qualquer conciliação, dado que a realidade incontestável que hoje poderemos verificar é que existe um movimento que combate e que avança a passos decisivos para conquistar a vitória final contra os colonialistas e um outro que serve apenas de freio a essa luta. Que espera pois a OUA? Tudo isto não põe de maneira alguma em causa o profundo respeito e a esperança sincera que temos em relação à OUA. São estes, Excelências, minhas Senhoras, meus Senhores, Camaradas, os aspectos que pretendia levar ao vosso conhecimento. Quero ainda agradecer aos países progressistas de África, aos países socialistas e a todas as forças anti-colonialistas amantes da paz, que não pouparam esforços para que a nossa luta avance, a fim de que cheguemos o mais rapidamente possível à vitória final contra o colonialismo.»

Edição especial de Vitória ou Morte com Conferência de imprensa de Agostinho Neto, realizada em Brazzaville a 3 de Janeiro de 1967

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