Conferência de imprensa de Agostinho Neto

Cota
0100.000.008
Tipologia
Conferência de imprensa
Impressão
Impresso
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
8
Acesso
Público
«À manuscrito: 3.1.68- Conferência de Imprensa em Brazzaville» «não tive tempo de bater a máquina» «Traduzido em francês» AS NOSSAS VITÓRIAS, O NOSSO INIMIGO A NOSSA VIDA NO INTERIOR Um ano depois, numa Conferência de imprensa em Brazzaville (jan.º de 1968) o Cda. Presidente fez um importante balanço das actividades desenvolvidas e dos êxitos alcançados no ano anterior. Definiu uma vez mais e claramente que não lutávamos contra o Povo Português, mas sim contra o regime fascista e colonial que oprimia ambos os povos. Nessa Conferência de imprensa o Cda. Agostinho Neto deu a conhecer igualmente a transferência do Comité Director do MPLA para o interior do país, assim como a nova vida que brotava nas zonas libertadas pelo MPLA. «Excelências, Senhores representantes da Imprensa, Senhoras e Senhores, Camaradas, É-me muito agradável aproveitar esta ocasião para agradecer a vossa presença e exprimir aos senhores representantes da Imprensa quanto o nosso Povo aprecia o seu contributo para o desmascaramento da odiosa política colonial de Portugal. No início de 1967, o MPLA, o Movimento que dirige a luta de libertação do Povo Angolano, lançou a palavra de ordem de generalização da luta armada a toda a extensão do território nacional. Estamos orgulhosos por poder afirmar hoje, que durante o ano que há pouco findou, a luta do nosso Povo registou vitórias mais significativas, que nos permitem prever para um futuro próximo o estado de insurreição da população, o qual a conduzirá à vitória final contra os colonialistas. As frentes de combate alargam-se, um maior número de homens, mulheres e jovens participam na acção armada. Sufocando e paralisando a mobilidade do inimigo, tanto política como militarmente, criaram-se as condições para este desenvolvimento geral. Hoje tornou-se possível desferir golpes cada vez mais duros ao inimigo, tanto no campo como nas cidades. Aqueles que seguem mais de perto a nossa luta, terão podido certamente verificar quanto os portugueses estão preocupados com a consolidação da resistência do nosso Povo. Terão podido constatar o enorme aumento das perdas confessadas no seio do exército colonial, no seio das forças militarizadas dos colonos ditos «voluntários» e no seio da polícia política, da PIDE. Terão ainda sabido do abandono maciço, por parte do nosso Povo, dos aldeamentos estratégicos, apesar do arame farpado e da apertada vigilância por parte das autoridades coloniais, que tentam em vão impedir a participação da população activa na luta de libertação. Outro sinal desta inquietação é a degradação moral em que os colonos caiem cada vez mais, a sua pressa de reformas e de corromper certos elementos angolanos menos firmes que possam ser expostos ao estrangeiro como prova de «fidelidade» de um Povo, Povo esse que soube, durante dezenas de anos, pegar em armas para gritar: - «Colonialistas fora do nosso País!» Para fazer frente à crescente ofensiva do nosso heroico Povo, o inimigo prepara o aumento dos seus efectivos destinados, segundo os seus oficiais superiores, a passar à ofensiva contra os nacionalistas, cujo grau de aperfeiçoamento militar melhora e cuja consciência política aumenta proporcionalmente à extensão do território controlado, que compreende uma região bastante mais vasta do que Portugal. Por outro lado, a gente simples de Portugal, explorada por um regime fascista, através de monopólios que estão nas mãos de um punhado de capitalistas nacionais e estrangeiros, compreende o carácter injusto desta guerra e participa sem entusiasmo (excepção feita para alguns fanáticos, odiados pelos seus próprios compatriotas). Quanto mais a guerra avança, mais relevantes são as deserções do exército por parte de jovens portugueses que emigram em número considerável para outros países europeus ou que desertaram no campo de batalha, para não sujarem as mãos na defesa da criminosa política de Salazar. As prisões da PIDE em Angola e em Portugal, assim como as prisões militares, estão cheias destes jovens que se recusam a combater contra os Povos pacíficos das colónias tanto em Angola como na Guiné ou em Moçambique. Este facto é tanto mais encorajante na medida em que o MPLA não dirige a sua luta contra o Povo português, também ele vítima da exploração e com o qual não existem problemas insolúveis, mas contra o regime fascista que quer manter a todo o custo o anacrónico sistema colonial. Nós lutamos contra a exploração colonial, não lutamos contra o Povo Português, cuja a luta contra o fascismo se enquadra na luta contra a exploração e a miséria, pelo progresso e pela paz. É injusto render homenagem às organizações democráticas portuguesas que fazem todos os possíveis para mobilizar o seu Povo contra esta guerra cruel, apesar dos perigos e dos sofrimentos que esta actividade implica. Lutando contra o fascismo e contra a guerra colonial as organizações democráticas portuguesas merecem o nosso respeito e a nossa admiração. Elas dão-nos um contributo positivo para que, no futuro, se estabeleçam relações justas entre os nossos povos, baseadas no reconhecimento do direito à independência e à soberania nacional, à igualdade e ao respeito mútuo. Contudo, apesar de todos estes factos, apesar das derrotas que está a sofrer nas guerras coloniais em Angola, Guiné e Moçambique, no campo de batalha, como pela tomada de posição por parte do sector mais esclarecido e honesto do seu Povo e governo fascista de Salazar ainda não se convenceu da necessidade de modificar a sua política e tenho profundas razões para crer que só se verificará uma alteração no momento em que se alcançar o estado de insurreição generalizada. A repressão em Portugal e nas colónias, intensifica-se ao mesmo tempo que o governo português procura obter uma sempre maior ajuda material dos seus aliados da NATO em troca de crescentes concessões de carácter económico, político e militar. Ultimamente foi a África do Sul racista e fascista, cujo o papel de polícias da África Austral se torna cada vez mais claro, a ser solicitada para dar ajuda a Portugal nas suas guerras. O governo sul-africano prepara os reaccionários do seu país para a intervenção directa em Angola, sob o pretexto de que a presença de Portugal em Angola contribui para impedir que a subversão contamine a África do Sul. Ninguém ignora a política de corrupção que a África do Sul pratica em relação a alguns países africanos pouco empenhados na luta pela completa libertação dos seus povos. E ninguém ignora também que a África do Sul pretende controlar a economia dos países da África Austral através da formação de uma espécie de mercado comum que compreenderia, entre outros, os países dominados por Portugal, ou seja Angola e Moçambique. O regime racista sul-africano está também a revelar as suas ambições com a tentativa de dominar militarmente outros países, como já se pode ver, por exemplo, com a entrada das suas forças armadas na Rodésia, sob o pretexto de combater os nacionalistas daquele país, e com a instalação de bases na fronteira com Angola. O MPLA dirige o seu Povo contra o colonialismo português, que é o seu inimigo directo, mas é também forçado a tomar em conta as ameaças provenientes dos outros países aliados de Portugal, como as que citei. E sejam quais forem as forças que Portugal consiga mobilizar, nunca conseguirá travar a marcha triunfal para a independência completa, iniciada pelo nosso Povo, a preço do seu sangue e dos seus sacrifícios. Com a população decidida a lutar com firmeza contra o colonialismo, o MPLA fez uma análise da situação nas suas três frentes de combate, numa reunião do Comité Director, realizada em Julho passado no distrito do Moxico, e decidiu criar uma nova região militar, a quarta-região, da qual continuam a chegar notícias de uma actividade sempre crescente. Este ano criar-se-ão novas regiões de modo a que não existam mais várias frentes de combate, mas uma única que conduza o inimigo a círculos que o paralisem e o tornem inofensivo, até ao golpe final que culminará com a tomada do poder político pelo nosso Povo. Alguns comunicados sobre a nossa actividade deram notícias sobre o desenvolvimento das frentes de combate e sobre a organização do Povo libertado do controle colonialista. Nas áreas que se encontram sob nosso controle, estabelecem-se organismos de poder popular com o fim de desempenhar as funções de orientação e de administração das populações, como a organização das milícias, o desenvolvimento da produção, o estudo dos meios para o desenvolvimento económico dessas regiões, as trocas comerciais, o ensino primário, a educação política e a assistência médica. Certas conquistas do nosso Povo, já nos permitiram tomar outras decisões de carácter político e militar; eis uma das mais importantes, que representa um passo decisivo para a nossa luta: a Sede do nosso Movimento não funcionará mais no exterior; a sua transferência para o interior já começou. Isto significa que o Quartel General do nosso Movimento já não é em Brazzaville mas numa das regiões controladas pelo nosso Movimento. Esta medida significa que a nossa Direcção considera o momento propício para que os nossos dirigentes trabalhem permanentemente no seio do Povo, mais próximo dos seus problemas, com o fim de contribuírem mais de perto o aumento do nível da luta, para lhe dar um conteúdo político mais definido em todas as regiões e para fazer passar à sua fase decisiva. Durante um certo período, justificava-se a presença de uma parte da Direcção no exterior. Era necessário vencer a capa de silêncio imposta pelas autoridades coloniais: era preciso que a situação do nosso país fosse conhecida no mundo. Era necessário atrair sobre a nossa luta a simpatia e a ajuda dos países amantes da paz. Era preciso ainda desmascarar os falsos nacionalistas que procuram bloquear a luta do nosso Povo com o fim de prepararem as vias que os conduziria a uma situação neo-colonial. Não obstante estes aspectos ainda persistirem, a sua importância diminuí consideravelmente em relação ao desenvolvimento no interior de Angola. É por isso que, a partir deste ano, a nossa Sede funcionará no interior do nosso país e será do interior que dirigiremos toda a actividade tanto no plano interno como no plano internacional. Esperamos ainda que uma grande parte das centenas de milhares de refugiados que se encontram no exterior do país regressem para as zonas sob nosso controle para darem o seu contributo directo à luta em todas as tarefas sociais que a reconstrução do nosso País requere, devido quase cinco séculos de colonialismo. É encorajante poder verificar que muitos refugiados na Zâmbia já o fizeram e que participam com entusiasmo na actividade patriótica. Queremos exprimir aqui a nossa gratidão aos países amigos que nos acolheram durante todos estes anos e que certamente continuarão a permitir o funcionamento no seu território das nossas representações destinadas a manter as ligações com o mundo exterior. Entre esses países destaco o Congo-Brazzaville e o seu Presidente Massemba-Débat, que nos acolheu fraternalmente no momento mais crítico da nossa existência, no momento em que a Organização da Unidade Africana cometeu o erro histórico de reconhecer um pretenso governo no exílio incapaz, sem qualquer interesse em desenvolver a luta e que não fazia mais do que a travar. Quero mencionar também a Guiné-Conakry e o seu Presidente Sekou Touré que foram os primeiros em África a ajudar o MPLA e que, tal como o governo do Congo-Brazzaville, estavam certos de darem hospitalidade a uma organização de homens sinceramente patrióticos, devotados à causa do seu país, capazes de mobilizar o Povo para a luta. Creio que hoje tanto Brazzaville como Conakry podem estar orgulhosos dos eu contributo para os nossos sucessos que abriram o caminho ao passo decisivo que hoje damos. Não podemos calar igualmente a nossa gratidão para com a compreensão de outros países africanos que, como a RAU, a Tanzânia, a Argélia e a Zâmbia, abrigam os nossos delegados no exterior. Nunca esqueceremos o apoio que recebemos aqui no Congo e que seguramente continuaremos a ter e estamos felizes por existirem em África países que querem o progresso e que vêm com clareza os problemas do Continente. Pelo contrário, é um sentimento de tristeza que somos forçados a declarar publicamente que há ainda no nosso continente países que cometem os erros mais incompreensíveis limitando a nossa capacidade de luta, praticando uma política que não os honra. Falo de um dos nossos vizinhos, o Congo Kinshasa, que ainda não encontrou a via mais correcta a seguir para ajudar os Movimentos de Libertação de África. O Congo Kinshasa atrasa a nossa actividade impedindo que os nossos destacamentos atravessem o seu território com o material necessário para abastecer os nossos combatentes e para aumentar o seu potencial militar. Não posso infelizmente deixar de referir o comportamento tido em Junho de 1967, quando uma coluna de quase 200 homens se dirigia para Angola e foi impedida de prosseguir caminho pelo exército congolês, que a desarmou e prendeu os nossos militantes (a 12 km da fronteira). E não é tudo: até hoje, o governo do Congo Kinshasa retém as armas e todo o equipamento que o destacamento levava. Sob que pretexto pode um país africano agir deste modo? Semelhantes actos não honram nem o país nem o governo que os comete e nós esperamos que Kinshasa reveja o seu comportamento e restitua o nosso material de guerra destinado à luta contra os portugueses e nos conceda o direito de transitar no seu território, de acordo com as pertinentes decisões da OUA. Queremos ainda referir um outro aspecto: no Congo Kinshasa, cerca de 100 membros do MPLA encontram-se presos no campo de concentração de Kinkuzu, nome que se está a tornar tristemente célebre por causa das violências que ali são praticadas e, segundo os relatórios daqueles que conseguiram fugir, por causa das prisões subterrâneas nas quais os prisioneiros se encontram numa situação de sepultados vivos. Segundo notícias recentes, uma das nossas camaradas contraiu ali uma doença mental em consequência dos tratamentos a que era diariamente exposta; um outro glorioso combatente do nosso país, o comandante Benedito, está quase cego porque passa a maior parte do tempo numa cela sem luz. Sabemos também que actualmente se prepara aí a liquidação dos nossos militantes mais corajosos. Que país se pode sentir honrado por estas acções cometidas contra os combatentes da liberdade? Que país pode ficar insensível perante estes crimes cometidos contra os que querem apenas a sua independência, que mais não pretendem do que lutar contra o inimigo português e contra os mercenários estacionados em Angola e que ameaçam a segurança do próprio Congo? Não, estas acções não podem honrar ninguém!   Excelências Senhoras e Senhores, Camaradas, Devemos ainda fazer referência à OUA que, como já disse, cometeu o erro histórico de reconhecer um pretenso governo que não é nem reconhecido, nem amado, nem desejado pelo Povo Angolano; que queria para além disso é um governo que encarna a própria contra-revolução. Durante a última Conferência de Chefes de Estado e de Governo, a OUA decidiu nomear uma nova comissão para «conciliar os dois movimentos por ela reconhecidos». E isso, depois da assinatura dos acordos do Cairo denunciados por uma das partes; isto, depois de uma Comissão Militar que não foi verificar os factos no campo de batalha e que por isso pode sofrer a influência das informações recebidas de pessoas pouco honestas, mas que mesmo assim, fez um relatório favorável ao nosso Movimento: isto depois de ter tomado conhecimento do comportamento das autoridades do Congo Kinshasa que impedem à nossa acção, contrariamente às decisões da OUA. Eu pergunto, pois: não seria preferível que a OUA, em vez de partir de falsas premissas, procurasse exercer os seus ofícios junto do governo do Congo Kinshasa para resolver os problemas concretos, ou seja: 1. A libertação dos nossos camaradas presos no campo de concentração de Kinkuzu; 2. O fim dos assassinatos dos nossos militantes; 3. A restituição das nossas armas confiscadas sem justificação alguma? E não poderia a OUA iniciar corajosamente a revisão daquela decisão errada e funesta que foi o reconhecimento daquele pretenso governo no exílio? Fazemos votos para que a Comissão dos Cinco se dedique ao estudo destes problemas antes de dar passos para qualquer conciliação, uma vez que a incontestável verdade que hoje podemos verificar é que existe um Movimento que combate e que avança a passos decisivos para conquistar a vitória sobre os colonialistas e um outro que não representa senão um travão a essa luta. Que espera então a OUA? Tudo isto não foi absolutamente em causa o profundo respeito e a sincera esperança que temos em relação à OUA. Estes são, Excelências, Senhoras, e Senhores, Camaradas, os aspectos que queria expor-vos. Quero agradecer aos países progressistas de África, aos países socialistas e a todas as forças anti-imperialistas desejosas de paz, que não desperdiçaram os seus esforços que a nossa luta avance, a fim de que consigamos o mais rapidamente possível a vitória final contra o colonialismo. Desejo que este ano decisivo para a nossa luta vos traga, e aos que vão prender, muita felicidade. Os meus agradecimentos.» (Janeiro de 1968) *À manuscrito: «Documento do MPLA traduzido do francês»

Conferência de imprensa de Agostinho Neto em Brazzaville, traduzido do francês, com correcções de Ruth Lara

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