Entrevista de Agostinho Neto a El Djeich

Cota
0090.000.048
Tipologia
Entrevista
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel Comum
Autor
El Djeich
Locais
Data
Fev 1967
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Acesso
Público
Fevereiro 1967 - Entrevista a “EL DJEICH”

( Traduzido do francês)

Pergunta: Senhor presidente, pode falar-nos da situação actual nas diferentes frentes abertas pelo MPLA?

Resposta: A luta em Cabinda, enclave a Nordeste de Angola, na fronteira dos dois Congos, está muito desenvolvida. Foi a primeira frente; foi bem organizada e é dividida efetivamente pela direcção do nosso Movimento. Continua a desenvolver-se de uma maneira muito satisfatória. A nossa preocupação principal é o reforço da organização do povo nas regiões que escapam ao controlo dos portugueses.

Os portugueses tentaram organizar uma força contra-revolucionária apoiando-se na pessoa de Alexandre Tati, ex-ministro do armamento do dito “grae”, que se juntou às autoridades portuguesas para se opor à luta de Libertação dirigida pelo MPLA. Mas esta manobra foi inoperante para travar o desenrolar da luta em Cabinda. As acções militares e políticas alastram-se cada vez mais.

Este ano abrimos uma nova frente de luta, a do Sudeste, que actualmente é a mais activa e que abre grandes perspectivas para o futuro do nosso país. É preciso dizer que o Sudeste não fora empreendida nenhuma acção armada contra o colonialismo nestes últimos anos. Por isso trata-se de uma alargamento muito importante da acção do nosso território.

A abertura desta frente condicionou novos reflexos na atitude dos portugueses. Vêm-se obrigados a dispersar as suas forças, a aumentar o número dos seus efectivos. Por outro lado, nas bases militares da Nova Lisboa, do Cubal e de Benguela, registaram-se motins de soldados portugueses que protestavam contra a guerra colonialistas e exigiam do seu governo uma mudança de atitude para com o povo angolano.

Uma parte da nossa população refugiou-se na Zâmbia para fugir à repressão feroz da polícia e do exército de ocupação. Mas a maioria dos nossos compatriotas que abandonaram as suas aldeias refugiaram-se nas zonas controladas pelos nossos guerrilheiros, o que nos põe novos problemas de organização, de abastecimento e de educação.

A terceira frente, reactivada nos distritos de Luanda e Kwanza-Norte, é o núcleo tradicional da luta, onde começou a insurreição em 1961. Dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças refugiaram-se nas florestas há cinco anos e não tinham meios continuar a guerra. O MPLA forneceu a esta região meios materiais, os quadros militares e políticos necessários para o combate de libertação. Esta região dá agora provas de uma grande actividade revolucionária.

Estas três frentes dão actualmente ao nosso povo, sob a direcção do MPLA, a possibilidade de intensificar o combate e derrotar as forças de ocupação.

Pergunta: Os países limítrofes dão ao vosso Movimento as facilidades suficientes para terem melhores condições para a extensão da luta?

Resposta: Neste momento o desenvolvimento das frentes depende de certa medida das condições de abastecimento que se efectua do exterior, por intermédio dos países limítrofes. A conjuntura política nos Estados vizinhos continua a ser um factor importante na solução deste problema.

Enfrentamos grandes dificuldades sobretudo no que respeita o transito dos meios materiais. A situação actual em África, que se caracteriza pela ascensão das forças reaccionárias, denota um certo recuo da acção revolucionária, não permite encarar no imediato mudanças importantes condições que prevaleceram até agora.

Contudo, os governos dos países vizinhos compreendem cada vez melhor que não se trata só do interesse do povo angolano mais também dos seus próprios países e que é preciso fazer mais sacrifícios para a libertação dos territórios africanos ainda sob dominação estrangeira, o que assegurará a sua independência real e dará melhores condições de vida aos seus povos. Pois não penso que as concessões feitas ao imperialismo, como contrapartida de vantagens momentâneas, possam construir um factor de desenvolvimento real dos países africanos. A única via para o nosso continente é a luta contra o imperialismo.

Pergunta: O Congo Kinshasa teria enviado a Brazzaville uma delegação para inquirir sobre o MPLA. Poderia dar-nos algumas previsões a este respeito? Pensa que está missão chegará a resultados positivos em relação ao seu Movimento?

Resposta: No Congo Kinshasa as condições políticas parecem ter mudado sob o novo regime, mas no que respeita à sua posição em relação ao MPLA isso não se verificou.

É verdade que este problema foi debatido no parlamento, é verdade também que uma sub-comissão da comissão de Negócios Estrangeiros foi o Brazzaville para contactar a direcção do nosso Movimento e que em seguida inquiriu no terreno para julgar o valor e a eficácia do MPLA e de outras organizações. Mas a verdade é que até agora os militantes do MPLA vivem em condições muito difíceis. Mais de vinte militares, entre os quais o comandante João Gonçalves Benedito, membro do Comité Director, foram presos e ainda se encontram encarcerados sem qualquer acusação.

Penso que só a tendência nacionalista do novo governo e especialmente a do general Mobutu se confirmar e encontrar condições favoráveis para se desenvolver e levar a bom termo a luta contra as influências estrangeiras no seu país, o nosso Movimento, a Organização angolana que é a emanação da vontade do nosso povo, beneficiará das condições necessárias susceptíveis de intensificar a luta contra o colonialismo português e passar à fase decisiva do combate.

Pergunta: A Zâmbia, devido à declaração unilateral de independência de Ian Smith, encontra-se numa posição delicada. Consta que deseja fazer transitar o seu cobre por Lobito. Pensa que, neste contexto, ela seria levada a cooperar mais estreitamente com o seu Movimento?

Resposta: A Zâmbia atravessa um período particularmente difícil da sua história. Para se opor e resistir às pressões imperialistas, é preciso que ela mobilize o seu povo inteiro e que esteja pronta aos sacrifícios que a luta exige.

A Zâmbia depende em parte de Portugal para exportar o seu cobre, mas essa razão não a deve levar a abandonar o povo angolano no seu combate pela independência. Seria uma atitude egoísta e perigosa para o futuro de África, a de não ajudar o nosso povo a conquistar a sua liberdade. O problema não é pois o de conciliar as necessidades do país e as da luta de libertação em Angola, mas de abater o regime rebelde de Salisbúria, que criou toda esta situação.

Estamos certos que os dirigentes da Zâmbia estão conscientes do seu dever de solidariedade para com os povos dependentes e estamos convencidos que tomarão as medidas necessárias para se erguerem à altura das suas responsabilidades.

Pergunta: Sob os auspícios do Comité dos Três teria havido um acordo entre o MPLA e o GRAE, mas consta que teria sido denunciado pelo GRAE. Poderia esclarecer-nos?

Resposta: Na realidade não houve verdadeiramente um acordo, no sentido próprio do termo. No Cairo, sob os auspícios da OUA, foram estabelecidos os (préalable) que permitiram que uma comissão mista estudasse as bases de uma cooperação entre as duas organizações. O MPLA está consciente das realidades angolanas e sabe muito bem que o “grae” é um organismo que só subsiste graças à protecção do Congo Kinshasa e de certos países da OUA. É esta situação artificial que permite certas pessoas pensar que o “grae” é uma organização que goza de alguma audiência junto do povo angolano e é capaz de travar a luta no interior do nosso país.

Depois do seu reconhecimento infeliz pela OUA, o “grae” revelou-se incapaz de organizar a mínima luta contra os colonialista. As suas actividades limitaram-se a algumas tentativas, sem qualquer alcance, tais como as efectuadas junto dos refugiados angolanos perto da fronteira congolesa.

A opinião internacional já sabe que os dirigentes do dito “grae” não cumprem a sua palavra, mesmo quando assinam compromissos. Uma vez mais este facto que repetiu. Holden denunciou, numa declaração à imprensa, o acordo do Cairo que não tem pois mais nenhum valor prático.

A OUA, que continua a interessar-se pela reconciliação do nosso movimento e do “grae”, acabará por se convencer disso, se ainda não estiver convencida. Devemos portanto encontrar outras soluções e não penso que o MPLA alinhará mais uma vez neste jogo que não é benéfico, nem favorece o nosso povo e a sua luta.

Pergunta: No contexto político actual em África, que medidas preconiza para reforço da luta de libertação no seu país?

Resposta: A luta em Angola é dirigida pelo MPLA. O nosso Movimento demonstrou que era a única organização apoiada pelo povo e capaz de organizar política e militarmente as populações contra a ocupação colonial. O MPLA é, por outro lado, uma organização com orientação progressista.

Assim, nestas condições, a Organização da Unidade Africana deveria dar toda a sua ajuda ao MPLA. Para tal, duas medidas deveriam ser tomadas pelos países africanos e pela OUA; por um lado, dar ao MPLA liberdade de acção a partir dos países limítrofes e, por outro lado, rever o reconhecimento do pretenso governo angolano no exílio que só representa a si próprio.

Tradução da entrevista de Agostinho Neto a El Djeich (Revue de l'Armée Populaire Nationale Algérienne).

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