Carta do Comité Director a Agostinho Neto, em Dar-es-Salaam

5 de Maio de 1966

Camarada
DR. AGOSTINHO NETO  
P.O.Box  20793
DAR  ES  SALAAM

Prezado Camarada.

Fizemos em 21 do corrente uma nota para a terra onde se encontra o Paiva, convencidos de que ainda te encontravas lá, mas poucos dias depois recebemos a notícia de que já estavas por essas bandas e que portanto não terias ocasião de tomar conhecimento dessa nota. O portador foi o Cam. Pedalé que lá foi assistir ao 1º de Maio. Amanhã parte para lá o Macedo que vai representar a JMPLA no Congresso da Juventude. Pensava-se que devia ir alguém daí, mas como até hoje não veio a resposta e como daqui os amigos estivessem inquietos com a ausência dos nossos jovens, estes cá decidiram enviar o Macedo.

Isto é um preliminar a algumas notícias que passamos a dar:

1- MISSÃO ESPECIAL- está a decorrer com boas perspectivas. Finalmente apareceu o caixote ideal que já deu para duas estantes, e os livros foram direitinhos ao seu destino. Do lado Kavunga a infraestrutura está pronta, mas o caixote previsto é que tem empanado o andamento das coisas sobretudo porque apesar da generosidade dos amigos que conheces, o milho não tem sido bastante. Em todo o caso resolveu-se em parte este problema e temos esperança de conseguir arranjar o velho caixote dentro de uma semana.
Por outro lado o chargé tem desenvolvido boa actividade nas vizinhanças e o médico também lá está para regularizar o tal problema.

2- SITUAÇÃO AQUI: a) Houve problemas com os 55 que desde meados do mês passado encontram aqui no maya-maya, tendo sido impossível retê-los onde se encontravam. Desnecessário referir o problema que eles põem ao move com uma tal estadia. O pior é que em 20 -4 nos foi anunciado que eles se deviam preparar para partir a 22 e que em 22 adiaram sine die. Tínhamos já tudo preparado, inclusive artigos carnaval. A presença deles aqui é uma dor de cabeça permanente já porque põem as mesmas questões de sempre, já porque representam uma sobrecarga enorme.
b) O problema do milho tem-se posto duma maneira  delicada, para não dizermos grave. Os pormenores pouco adiantarão, mas não é realmente possível com os seis sacos que temos fazermos face a tudo...
c) Regressarem o Baya, os 9 da Bulgária (1 ficou doente) Baião e o Ciel estão na terra do Almeida
d) Toda a infraestrutura da Zona C está pronta. O seu funcionamento para breve está pendente de uma harmonização do efectivo com Z.A, cuja extinção está a ser estudada. Na Zona B fizeram-se todos os reconhecimentos previstos e devem-se desencadear em breve novas operações.
No mês passado os tais e seus protectores atacaram o chimpesse e apanharam uma forte pancada, tendo nos recuperado três pm, algumas munições, uniforme, etc. Deixaram 3 mortos e tiveram bastantes feridos. Nós tivemos um ferido com uma certa gravidade. Depois disso têm-se verificado pela mesma gente raptos nas aldeias fronteiriças: perto do Massabi raptaram dois militantes nossos que aliás face às medidas das autoridades congolesas naquela zona devolveram depois; há poucos dias raptaram 12 crianças na escola de Nganda Binda. A escola é congolesa, mas as crianças raptadas são angolanas.
Os tugas têm feito sobrevôos a grande altura dos locais onde se encontra a base, com violação do território congolês. De duas vezes as nossas 12.7 funcionaram, sem atingirem o alvo, mas obrigando o avião a levantar.

Chegou hoje um camarada acidentado por uma rajada de outro que limpava a arma. O seu estado é grave, embora não corra perigo de vida. Fractura de 4 dedos da mão esquerda e da perna esquerda, além de escoriações no braço e peito. Trata-se do Inhala.
A estrada DTA já esta a ser utilizada para evitar as minas e emboscadas na estrada habitual, que tem sido mal frequentada...
e) As relações com os amigos daqui parece não serem afectadas em grande escala pela demissão do primeiro. Em todo o caso as decisões do central põem certas reticências aparentemente normais. Juntamos o teor: do que diz respeito aos movimentos de libertação. Não se sabe ainda quem substituir o 1º, e corre que seriam ou o 1º secretário do gabinete político, ou o ministro dos negócios estrangeiros ou o director do hospital. Todas estas hipóteses se situam por ora na boataria. Houve quem fizesse uma intriga connosco sobre os programas da rádio, dizendo que teríamos comentado desfavoravelmente as tais decisões aqui inclusas do central. Isso estaria na origem da suspensão dos nossos programas de rádio que se verifica desde 24-4. Depois de várias tentativas conseguimos anteontem falar com um dos responsáveis do gabinete p. a quem desmentimos categoricamente acusação, lamentando que tivessem cortado sem nos avisarem. Prometeram voltar a dar o programa, mas que seria submetido à censura, devendo nos entregá-lo com uns 5 dias de antecedência. Fizemos notar que tal antecedência envelhecia o programa e prometeram estudar nova fórmula. Parece que o marido da Emília ligado à questão. Entretanto ainda não retomamos os programas e que tem causado apreensões nos nossos militantes que julgam que o facto está ligado à demissão do Lissouba o que parece não ser o caso. Esperamos a solução deste caso para breve.
f- As celebres encomendas ervilhais etc já estão em Dol.
g- O Silva ainda cá está aguardando documento para partir.
h- Segue uma ficha que pedimos todos os camaradas dirigentes preencham e enviem para o ficheiro. É urgente.
i- Zizi deve ir em breve à Albânia em resposta a um convite especial...
j- Numa recente reunião em que se discutiu o problema das finanças, decidiu-se que era necessário criar uma comissão de controle composta pelo Pres; Vice-Presid. e por um membro de cada Comissão directiva a eleger no seio de cada comissão directiva e cuja função será a de fiscalizar mensalmente todo o movimento dos bens do MPLA, quer em dinheiro quer em equipamento. Isso exige que os responsáveis dos respectivos departamentos que manipulam bens do MPLA façam relatórios mensais e os submetam ao controle da referida comissão ou a um dos seus membros, que por sua vez fará um reporte sobre esse seu trabalho em cada uma das reuniões bimestrais das Com. Direct. decididas aquando da reunião alargada. Esperamos pois que estudem essa questão aí. Por ora aqui o Vic. Pres. exercerá essa função enquanto não for escolhido o outro membro.

3- Pedimos que esta carta seja transmitida aos camaradas de Dares e de lus. Temos recebido as cópias das cartas que eles nos comunicam o que mostra que a actividade savimbica continua lá como cá. Há dias a rádio tuga transmitiu uma entrevista com um pseudo freedomfighter que teria sido enviado pelo sav; à China e que teria voltado à terra, em que este pseudo fazia comentários ao modo de viver na China e às aldrabices que os líderes lhes pregavam... O Tiago desertor desertou aqui... Terá sido tocado pelo Alexandre é o que não sabemos. Ele no entanto continua a pavonear-se por aí, embora o liahuca tenha ido trabalhar para Ponta Negra.
Estamos sem saber nada ao certo dos prisioneiros do Katanga e também não conhecemos o resultado da candonga daí, embora tenhamos a impressão que tudo correu bem. Esperamos confirmação.
Recebemos uma carta muito estranha do embaixador da Zâmbia em Addis que vamos remeter-vos.
Quando será o primeiro envio dos pombos que foram para o Paiva? Não será possível aproveitar esse envio para despachar os de cá? Receamos que estes aí vos ponham graves problemas, pois ninguém os convence de que ninguém os queria enganar. Até o Afonso que parecia o melhor se tem mostrado nestes últimos dias duma incompreensão sem limites.
4- Recebemos as informações do Flor. Que pintam o quadro difícil em que se desenvolveu lá as questões militares. Gostaríamos de ter mais detalhes sobre o assunto, pois ainda não temos uma ideia muito concreta.
Aqui consta que a Z. está a criar dificuldades aos mov. de libertação das colónias portug. Foi a radiodifusão francesa que deu uma notícia nesse sentido. Todas estas notícias contraditórias nos deixam sem uma ideia concreta.
5- Encontra-se de novo cá o César. Não sabemos ao que vem.

Por hoje é tudo.
A tua família esta bem. Saudamos todos os camaradas daí.

As melhores saudações Revolucionárias.

Vitória ou Morte.
Pelo Comité Director
Rev. Domingos da Silva
Vice-Presidente.