Carta de Agostinho Neto a Carlos Veiga Pereira


Meu caro Carlos:
Saúde! E à tua família, que espero já esteja ao pé de ti. Espero ainda que a tua sogra tenha melhorado. Agradeço-te imenso a carta que me mandaste. Ela esclarece-me vários pontos que ainda via na penumbra.
Como toda a gente que pensa tirar proveito do trabalho alheio, creio que a senhora a que te referiste, sorria de satisfação ao pensar que tinha “salvo” o Presidente da República de Angola (futuro) das garras do leão! Somente os acontecimentos fizeram-na acordar um pouco do sonho. Agora, talvez escreva um livro sobre o Holden...
Compreendo perfeitamente as reacções que o pedido da minha mulher possa ter provocado nesta altura, mas garanto-te que ele não foi feito por acaso. Eu próprio o faria do mesmo modo que a ti.
Quanto à tua participação, finalmente me parece possível, daqui a uns meses, poder solicitá-la. (Esta sanzala africana em que nos metemos é o mais espantoso dos mundos!). Vê só:
1 – Sou suspeito de ter fugido de Portugal com auxílio da PIDE (Holden+Viriato).
2 – Sou suspeito de contactos com o governo fascista de Salazar, uma vez que a minha mulher (BRANCA!) escreve para a minha sogra, que por sua vez... compreendes? (Holden + Viriato + Mário).
3 – Sou suspeito de querer favorecer os portugueses em Angola, por advogar a participação de angolanos brancos na luta (Holden+Viriato+Mário+muitos anónimos).
4 – Sou suspeito de manter contactos directos com Salazar... eu ainda não percebi porquê.
Nesta situação, só um imbecil como eu, continua a defender a “vossa” participação na luta.
Mas garanto-te que (neste particular) a vitória não vem longe, e então voarei a Paris para falar convosco. Acredita que eu desejo-o com todas as minhas forças, e lutarei sempre por aquilo que me parece justo.
Espero que as roupas do Pedro cheguem cá!
Um abraço do [assinatura de A. Neto]