Carta de Deolinda Rodrigues a A. Neto sobre reconciliação

Cota
0055.000.015
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Deolinda Rodrigues
Destinatário
Agostinho Neto - Presidente do MPLA
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
6
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

 Boma, 27/9/63 Camarada Neto Ontem não apareceu carro para levar-me a Moanda. Mandei por carta, ao Comité d’Acção [de] lá, um resumo da reunião alargada realizada no sábado aí. Hoje reunimo-nos aqui em número limitado porque é preciso autorização especial para fazê-lo doutro jeito; apareceram 18 membros e no fim houve perguntas e boa participação. Estou horrorizada com a falta de organização e descaso em que os comités locais jazem. Antes de partir daqui ontem, o Anselmo deixou a lista dos responsáveis do Comité d’Acção, nomeados por ele mesmo. Os nomeados não faziam nada, só mantêm os títulos. Não há reuniões regulares de estudo e discussão. Os militantes não sabiam que há emblemas à venda aqui. O Anselmo cobrava 50,00 mensais aos alunos que frequentam a escola do CVAAR, imagina tu. Alegava que era para pagar a luz. Depois de lhes informar sobre a nossa situação depois da Conf. de Dakar, recomendei aos militantes aqui para se reunirem na próxima semana, considerarem juntos os pontos da reunião de hoje e mandarem opiniões e críticas ao CD e ao Comité preparatório da conferência de Quadros. Pedi-lhes ainda para, enquanto esperam a reorganização, lançarem uma radical campanha de alfabetização entre nossos militantes aqui de todas as idades. A juventude e as senhoras não estão organizadas. Tanto dinheiro gasto pela organização com os seus representantes na fronteira e, afinal, construímos sobre a areia durante todo este tempo. É preciso activar imenso o Comité preparatório da Conferência de quadros. É preciso andar depressa e não deixar esta inactividade açambarcar a organização e tudo ruir. Sou de opinião que a Conferência se realize entre 12 e 20 de Outubro, no Binza. Participantes: 1 membro de cada Comité d’Acção ao longo da fronteira e Comissário político local. 2 participantes de cada secção do MPLA: EPLA, JMPLA, OMA, CVAAR. Programa: principalmente rumos novos para a luta prosseguir e recomendações à Conferência Nacional sobre a eleição do novo CD. Sabes? Acho melhor não ser a Conferência de Quadros a eleger o CD para não lhe dar um aspecto de ilegalidade. Fomos eleitos por uma Conf. Nacional, sejamos depostos por uma Conf. Nacional. Se a Conf. de Quadros e a Nacional não nos depuserem, peçamos demissão. Se os outros membros actuais do CD não concordarem, vou pedir minha demissão individual. A Conferência nacional deve realizar-se 1 ou 2 semanas depois da de Quadros. A questão da reconciliação com o grupo Viriato-Matias, deve ser apresentada à Conferência de quadros e deixar que os militantes se expressem, responsabilizem e pesem a questão. Pessoalmente, acho que devem tentá-la: é uma vergonha tão grande que estejamos divididos entre nós mesmos e sejamos incapazes de vencer os nossos egos que originam estas divergências. É claro, ambas as partes devem fazer concessões e chegar a um acordo. Enquanto houver esta divisão, o trabalho fica sempre emperrado se não atrasado mesmo. Em Matadi foquei este ponto e a opinião dos responsáveis do Comité d’Acção foi: “só se eles é que pedirem para voltar”. Aqui os militantes hesitaram em concordar logo com essa medida. Desconfiam deles por se chegarem tanto à Upa, tão precipitadamente. Mas é preciso ouvir os participantes da Conferência de Quadros, acho. Minha opinião sobre o novo CD é: c/ reconciliação Sem reconciliação Presid. – Matias -------------------------------------------------- Rev. Silva V. Pres. – José Aguiar ------------------------------------------ J. Aguiar V. Pres. – Mariana Anapaz ------------------------------------ Mariana Guerra – Condesse ---------------------------------------------- Armindo Freitas Ext. – Baia -------------------------------------------------------- Baia Finanças – Kiano ------------------------------------------------- Kiano Segurança – Zé Miguel ----------------------------------------- Jacob Caetano Organização Quad. – Chipenda ------------------------------- Chipenda Informação – George Freitas ---------------------------------- Inocêncio Martins Sociais – Tshiringueno ----------------------------------------- Tshiringueno Evidentemente, a estrutura deve mudar e a composição não ser necessariamente esta. Se tu pudesses dedicar-te só ao FDLA e reforçá-lo como a situação exige. Os dissidentes deveriam fazer concessões no sentido de não dissolver o FDLA também. Nós outros temos de dar tudo na organização das massas aqui e no interior, pois quase não fizemos nada neste sentido. Acho que só quando as camadas mais exploradas tomam conta da direcção do movimento é que as suas reivindicações podem ser melhor satisfeitas. Estas deserções dos intelectuais origina uma grande desconfiança para com eles agora. Aqui e em Moanda, nossos militantes “sabiam” que tu e o Lúcio também estavas fugido em Brazza. Vai-se ao bureau em Léo e ninguém vos vê. Isto é um boato perigoso porque, nesta fase, o desertor é o maior traidor e a malta militante está muito desconfiada dos intelectuais e mulatos. Temos de andar depressa, pois no fundo firmeza não falta e os bons não são poucos demais. O Sr. Alphonse Menga, presidente da Upa aqui, manifestou desejo de “contar muita coisa a um membro do CD” e hoje avistei-me com ele. Ainda não compreendi bem o jogo dele, mas a sua democracia que alega pregar aos companheiros upistas e revolução-revolução ou sua fé na revolução não me convenceu. Não vi nada de especial nas suas revelações. A minha irmã escreveu-me: “Tia Maria está no Vouga, em tratamento. Mana Irene e Cardoso, Quinito e Dionísio estão todos cá. O Pedro e família também. O Roberto foi preso novamente 24 horas depois de recebermos a notícia da morte do Pedrinho e tudo isto deixou-nos num caos que deves calcular. Ainda mais, acresce o pai ser transferido de Cassoneca para o Golungo-Alto, para onde já seguiu! Enfim... O Roberto está há uns kms da cidade e temos ido lá 2 vezes por semana. Não calculas o nosso desespero.” De Cabo Verde, o Noé escreveu e o Nobre Dias também. Queixam-se de muito silêncio da nossa parte. Coitadinhos!.............. Não te esqueças de chamar-me para a Conferência de quadros ou preparativo ­(relatórios) dela. Telegrafem-me para o Luali para onde sigo amanhã. Sempre em frente [símbolo de Vitória ou Morte e assinado: Deolinda]

Carta Deolinda Rodrigues (Boma) a Agostinho Neto sobre reconciliação com Viriato da Cruz

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