Memorandum à l'intention du Comité de Coordenation pour la Libération de l'Afrique

Cota
0054.000.013
Tipologia
Memorando
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
14

MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA MPLA 51, Avenue Tombeur de Tabora B. P. 720 – Tel. 2452 LÉOPOLDVILLE À ATENÇÃO DO DIGNO COMITÉ DE COORDENAÇÃO PARA A LIBERTAÇÃO DA ÁFRICA As recomendações da digna missão de bons ofícios da Comissão de Coordenação para a Libertação da África constituem um facto novo e importante no desenvolvimento da luta de libertação nacional de Angola. Por essa razão, o Comité Director do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) considera seu dever levar ao conhecimento dos responsáveis africanos, a análise objectiva da nova situação, criada por este facto, a fim de permitir que seja assegurada, da melhor maneira, a defesa dos interesses superiores do povo angolano. O presente memorando constitui portanto uma resposta construtiva do MPLA às preocupações e esforços dos Estados Africanos perante o grave problema da divisão do nacionalismo angolano. Por outro lado, o presente memorando não deve ser de modo algum entendido como sendo um ataque às conclusões ou às recomendações da digna missão de Bons Ofícios. A digna missão de Bons Ofícios é um órgão técnico que não se encontra habilitado a tomar decisões definitivas. Por conseguinte, as suas conclusões e recomendações, tal como o material factual em que umas e outras se baseiam, são susceptíveis de esclarecimentos complementares quer sob a forma de novos dados que as completem, quer sob a forma de comentários que reduzam a sua importância ou as tornem nulas. O Comité Director do MPLA considera que, depois de Addis Abeba, as organizações nacionalistas angolanas têm o dever de fornecer esclarecimentos suplementares sempre que o considerem necessário e desde que os problemas em questão ainda não tenham sido objecto de uma resolução definitiva de um órgão superior de decisão da OUA, neste caso o Conselho de Ministros. Além disso, a importância do problema angolano é tão grave para o destino de África que todas as regras de procedimento formal devem ceder perante a necessidade e a possibilidade de melhor esclarecer as questões de fundo. A apresentação do presente memorando tem por objectivo: 1 – Explicar, com todo o respeito que devemos aos Estados Africanos e às decisões dos órgãos da OUA, o sentido das reservas feitas pelo Comité Director do MPLA às conclusões da digna Missão de Bons Ofícios. 2 – Chamar a atenção do digno Comité de Coordenação para as perigosas consequências que resultariam inevitavelmente, quer para Angola quer para a África, duma aceitação pura e simples das recomendações da digna Missão de Bons Ofícios. A digna Missão de Bons Ofícios, criada em Dar-es-Salam pela Resolução de 5 de Julho de 1963 do Comité de Coordenação para a Libertação de África, reuniu-se em Léopoldville de 13 a 18 de Julho de 1963. Segundo os termos da Resolução do Comité de Coordenação, a digna Missão de Bons Ofícios deveria: 1 – Começar por insistir na criação de uma Frente de acção comum entre as organizações nacionalistas – MPLA e FNLA. 2 – Caso a constituição duma Frente se mostrasse impossível, a digna Missão de Bons Ofícios reservar-se-ia o direito de decidir qual das duas organizações, o MPLA ou a FNLA, pareceria reunir as condições necessárias para receber assistência conjunta da OUA. 3 – O critério de orientação da escolha seria a extensão da organização nacionalista no território angolano, assim como a audiência efectiva de que gozaria no seio do povo angolano em luta. Em conformidade com isto, a digna Missão de Bons Ofícios pôde apreciar a exposição da actividade da FNLA, do Sr. HOLDEN ROBERTO. Por razões de procedimento formal, a digna Missão de Bons Ofícios não teve a possibilidade de apreciar com todo o rigor o papel da importância decisiva que, desde 1956 e a partir do interior de Angola, o MPLA desempenhou e ainda desempenha na orientação e no desenvolvimento da luta de libertação nacional. É certo que a insistência do Chefe da delegação do MPLA em apresentar o seu relatório à digna Missão de Bons Ofícios, única e exclusivamente em nome da Frente Democrática para a Libertação de Angola (FDLA), deu lugar ao incidente de procedimento formal que, mais tarde, tornou impossível a exposição detalhada da luta de libertação nacional desenvolvida pelo MPLA. O Comité Director do MPLA entende assumir plenamente a responsabilidade que lhe cabe na ocorrência do incidente, consciente de ter agido com a mesma boa-fé que sempre caracterizou as nossas relações com os representantes dos Governos e dos Povos africanos. A nossa insistência em querer falar na qualidade de FDLA não tinha outra finalidade senão contribuir para a aceleração da constituição de uma Frente comum angolana, para a libertação da pátria comum. A prova disso é que no dia seguinte ao incidente, o Presidente do MPLA, Dr. Agostinho Neto, em carta dirigida a Sua Excelência o Presidente da digna Missão de Bons Ofícios, datada de 17 de Julho de 1963, pedia que lhe fosse permitido voltar atrás em relação às suas posições da véspera, a fim de apresentar (desta vez em nome do MPLA) uma exposição detalhada das actividades do MPLA. Entendia assim o MPLA pôr à disposição da digna Missão de Bons Ofícios uma maior quantidade de factos sobre a situação actual, cuja importância é considerável e cujo conhecimento é indispensável para uma justa apreciação da luta de libertação nacional em Angola. Infelizmente, o argumento formal apresentado pela digna Missão de Bons Ofícios, segundo o qual já não era possível ouvir as organizações nacionalistas tendo terminado o período das audições, impediu que a Missão de Bons Ofícios obtivesse um mais amplo conhecimento de fundo da questão angolana. Desde logo, a digna Missão de Bons Ofícios só podia basear as suas conclusões acreditando em factos fornecidos sucintamente por apenas uma das partes a reconciliar – a FNLA. Com efeito, os comentários que o líder do MPLA fez numa das sessões ­respeitante às declarações parciais do Sr. Viriato DA CRUZ, que falou abusivamente em nome do MPLA, não podem ser considerados como um relatório normal da importância política e militar do MPLA, tanto no exterior como no interior do país. A procura da verdade por parte da digna Missão de Bons Ofícios ficou, por este facto, comprometida. Em consequência à conclusão a que chegou – “as forças combatentes da FNLA são de longe muito mais importantes, são as mais eficazes e [ela] ­constitui de facto a única Frente de combate em Angola” – deve ser revista, não podendo ser aceite tal e qual, na nossa opinião, nem pelo Comité de Coordenação nem pelo Conselho de Ministros da OUA. Vejamos mais de perto a realidade objectiva. Nenhuma frase, nenhuma palavra da exposição do Sr. HOLDEN Roberto, nem mesmo o jogo de perguntas e respostas a que foi submetido e que se encontram registadas nas actas das sessões da digna Missão de Bons Ofícios, permitem obter um só argumento que leve à conclusão de que “as forças combatentes da FNLA são de longe muito mais importantes e mais eficazes...” Em Angola, a eficácia de uma força combatente pela libertação nacional não pode, em caso algum, ser reduzida ao volume dos efectivos militares aquartelados no exterior do país, como ressalta da exposição do Sr. HOLDEN Roberto. Sendo a luta em Angola simultaneamente política e militar, a eficácia e importância das forças combatentes são, forçosamente, função do grau de enquadramento ­político dos efectivos militares. Quer dizer, uma e outra são função do grau de controlo das forças militares por uma organização política solidamente estruturada, activa e e­nraizada nas massas populares. De outro modo, não se atinge a necessária politização das populações, não se realiza o recrutamento entusiasta dos militantes e dos guerrilheiros, a luta pára ou até recua. Para que sejam eficazes, as forças combatentes devem estar aptas a crescer no próprio seio do povo. O seu crescimento é directamente função do nível político e militar que elas tenham atingido. * * * * * * * * * * * A UPA e o PDA, e por conseguinte a FNLA, são organizações de carácter tribal e regional que não possuem nem estruturas sólidas nem um programa susceptível de lhes assegurar o apoio das massas populares angolanas. Na exposição que o próprio Sr. HOLDEN Roberto fez à digna Missão de Bons Ofícios, pode ler-se o que se segue: “… A União das Populações de Angola foi fundada a 10 de Julho de 1954 nesta mesma cidade de Léopoldville por emigrados angolanos...” (Cf. Acta das sessões da digna Missão de Bons Ofícios) e mais adiante acrescenta: “… os dirigentes da União das Populações de Angola decidiram unir os seus esforços aos do Partido Democrático de Angola, um outro movimento de massas constituído por emigrados angolanos no Congo” (Cf. a mesma acta). Conclui por fim: “Foi daí que nasceu a Frente Nacional de Libertação de Angola”. Num artigo escrito em Léopoldville e publicado em “Toward Freedom” (Vol. 8, N.º 6, Junho 1961 – Chicago/USA), o Sr. RUSSEL Warren Howe declarava: “A UPA é essencialmente um partido Bakongo”. No mesmo artigo, Russel W. Howe advertia: “Se, como é possível, a pessoa do Sr. Roberto se impusesse como autoridade principal do país, muitas coisas dependeriam da sua habilidade em estabelecer a sua autoridade sem utilizar medidas que lhe atrairiam o ódio dos seus inimigos de tribo”. O jornalista francês Sr. Eric ROULEAU, que tinha entrado em contacto com os dirigentes da UPA em Léopoldville, constatou que “os dirigentes da UPA são, na sua maioria, Bakongo”. (Cf. “Le Monde” de 15 de Março de 1962). E mais recentemente ainda, na revista americana “Time Weekly Magazine”, num artigo intitulado “os laços do sangue” pode ler-se: “A oferta de cooperação por parte de ANDRADE foi rejeitada pelo seu inimigo implacável, HOLDEN Roberto, de 38 anos de idade, membro da grande tribo dos Bakongo de que a União das Populações de Angola recebe um apoio considerável…” (Cf. “Time Weekly Magazine” de 31 de Maio de 1963). Como se vê, tanto a UPA como o PDA, e por conseguinte a FNLA, são organizações de emigrados angolanos, originários da região de São Salvador e de Maquela do Zombo. A sua formação é devida mais ao contacto com os inúmeros Partidos políticos congoleses do que ao desenvolvimento da situação real no interior do país. Não se trata pois de organizações verdadeiramente nacionais, com ramificações, se não por todo o país, pelo menos numa grande parte do território nacional. A UPA nunca deu a conhecer ao povo angolano nem ao mundo os seus estatutos. Basta ver o jogo de perguntas e respostas registadas na acta das sessões da digna Missão de Bons Ofícios (Segunda-feira, 15 de Julho de 1963) para se perceber quais são as estruturas da UPA e do PDA, e portanto da FNLA, tanto no interior como no exterior de Angola. Com efeito: Pergunta: “O líder da FNLA nomeia os seus ministros como quer, ou não?” Resposta: “Temos um sistema colegial, quer dizer que as decisões são tomadas em conjunto, mas a minha opinião conta em última instância”. Pergunta: “No que se refere à remodelação, o Sr. Presidente da FNLA poder-nos-ia dizer qual é o órgão da Frente que decide sobre isso?” Resposta: “O Comité Executivo”. Pergunta: “Qual é a composição deste Comité Executivo?” Resposta: “Os membros dos dois partidos políticos que formam a Frente (FNLA)” Pergunta: “Peço ao Senhor Holden para nos fazer ressaltar a diferença entre o Comité Nacional que mencionou e o Comité Executivo”. Resposta: “O Comité Nacional modifica o Comité Executivo que por sua vez modifica o Governo”. Pergunta: “O Governo desempenha um papel executivo?” Resposta: “Para nós o Governo é sinónimo do Comité Executivo da Frente”. Além da sua origem estranha ao país, a UPA e o PDA, e por conseguinte a FNLA, ainda não provaram, nem por documentos nem pela sua actividade, que a luta que prosseguem têm objectivos verdadeiramente patrióticos e africanos e que corresponde às aspirações mais profundas das massas populares angolanas. O silêncio quase absoluto que o Senhor HOLDEN observou perante a digna Missão de Bons Ofícios a respeito do grave problema da unidade do nacionalismo angolano, é particularmente revelador das suas “preocupações” sobre a Angola de amanhã. Tal é alias a linha política que o Senhor Holden Roberto mantém: ou o silêncio ou a oposição enganosa à solução dos problemas-chave da luta de libertação nacional. Um pouco por todo o mundo, a imprensa tem evocado, várias vezes, as razões que um tal comportamento esconde. Muito depois de a ALLIAZO (Aliança dos Originários do ZOMBO) se ter tornado PDA, um Vice-Presidente Geral deste Partido, o Senhor MATUMONA, afirmou sem rodeios, no “Courrier d’Afrique” de 5 de Fevereiro de 1962: “As pressões americanas exercem-se sobre a UPA, Partido de Roberto HOLDEN. Com efeito, não escapa aos observadores que o apoio material e financeiro de que goza a UPA provém na sua quase totalidade dos Estados Unidos, mais precisamente do Comité Americano para a África. Este apoio financeiro (...) estaria condicionado à não união da UPA com o MPLA, que os meios americanos apelidam de comunista. Isso explicaria a intransigência radical que sempre mostrou Roberto HOLDEN em relação à sua união ao MPLA ou a qualquer espécie de Frente em que figurasse o MPLA”. Num artigo do “Observer”, o Sr. COLIN LEGUM afirmou: “O MPLA é geralmente considerado um movimento de esquerda revolucionário (é denunciado como “comunista” por HOLDEN). A UPA é considerada como um movimento nacionalista; é do conhecimento público que a UPA recebe apoio e fundos dos EUA” (Cf. artigo “Angola Rebels Turn Guns One Another” in “The Observer” 18 de Março de 1962). Sobre o grave problema da formação de quadros técnicos e políticos para assegurar o futuro da Pátria, o Sr. HOLDEN Roberto mantém o mesmo silêncio significativo. Sobre o problema premente da assistência aos milhares de Angolanos refugiados na República do Congo, nem uma palavra. Todo este silêncio chocante está em contradição com o barulho que fazem os dirigentes da FNLA sobre o volume dos seus efectivos militares que variam, segundo as declarações que provêm do Sr. HOLDEN Roberto ou dos seus representantes: 4.000-3.600 homens na base de Kinkuzu no Congo; 25.000-30.000 em armas no interior de Angola; bazookas, canhões de todos os tipos, morteiros, metralhadoras, etc... Todos estes [factos] demonstram claramente, são a prova evidente, que a política da UPA-PDA, e portanto da FNLA, se destina a enganar a opinião pública mundial, criando assim equívocos que lhes permitiriam apresentar-se, a determinado momento, como únicos interlocutores válidos face a um Portugal que se encontraria sob a pressão “oportuna” dos seus aliados da NATO... A luta fratricida no norte do país, e de que a UPA é responsável, é uma das provas mais evidentes da sua política oportunista e anti-nacional. Devido à sua submissão aos interesses não africanos, nem a UPA nem o PDA, e por conseguinte nem a FNLA, podem garantir a defesa do neutralismo e da unidade, definidos ainda recentemente em Addis Abeba, como princípios essenciais da política de qualquer Estado Africano. Se a digna Missão de Bons Ofícios se tivesse debruçado sobre uma análise completa da situação fornecida pelo representante do MPLA – o Dr. Agostinho NETO – em vez de sobre dados parciais fornecidos pelos Srs. CRUZ e ROBERTO, não teria podido concluir que “a importância da força do MPLA, comparada à da FNLA, é aparentemente bastante pequena”, nem teria tão pouco concluído que “a manutenção da existência de uma outra Frente de menor importância, tal como o MPLA, é prejudicial à rápida ascensão à independência do povo angolano”. O MPLA é uma força importante em Angola. É a própria história da luta que nos permite afirmá-lo. O povo angolano nunca aceitou, sem combate, o odioso sistema de opressão colonial. Desde o fim da segunda guerra mundial e seguindo a corrente nacionalista que alastrava por toda a África, dezenas de pequenas organizações clandestinas se formaram em todo o país, espalhando a palavra de ordem de luta pela libertação nacional. Por volta dos anos 50, e como resultado da intensificação da repressão colonialista, as manifestações nacionalistas foram retomadas com um novo ardor e tornaram possível a criação de uma primeira Frente comum angolana. Com efeito, em 1956, tendo em conta as condições políticas tanto nacionais como internacionais que permitiam prever uma guerra de longa duração em Angola, o MPLA, trabalhando na clandestinidade, elaborou um Manifesto apelando à união de todas as forças combatentes. Esse Manifesto, que foi amplamente difundido, convidava o povo angolano a organizar-se numa frente única a fim de combater melhor para a liquidação do colonialismo português, com o fim de fazer de Angola um Estado independente e de instaurar um governo democrático, um governo de coligação de todas as forças em luta pela libertação da Pátria. Em resposta a esse Manifesto histórico, as organizações nacionalistas que existiam naquela altura no interior do País, fundiram-se imediatamente com o MPLA. A repressão colonial abateu-se então com uma violência inaudita sobre os nacionalistas e levou à prisão de um grande número de dirigentes de entre os mais conhecidos, na maioria membros do MPLA: foi o famoso “PROCESSO DOS 50”. Aquando desse processo, a população de Luanda, respondendo às palavras de ordem do MPLA, reivindicou com coragem o direito de assistir ao julgamento desses heróicos combatentes levados a um tribunal de excepção. O “Processo dos 50” foi a consagração do nacionalismo angolano perante o mundo inteiro e afirma ao mesmo tempo o papel dirigente desempenhado pelo MPLA. A partir dessa data, e tendo em conta a posição intransigente do Governo português, o recurso à “acção directa” surgiu ao nosso Movimento como sendo a única via possível para fazer triunfar o direito do povo angolano à autodeterminação e à Independência. Sempre à cabeça do movimento nacionalista, o MPLA, em Conferência de imprensa dada a 6 de Dezembro de 1960 na Câmara dos Comuns em Londres, sob os auspícios do “Movement for Colonial Freedom” foi a primeira organização política angolana a lançar ao povo angolano a palavra de ordem de “acção directa” contra o colonialismo português. Foi o MPLA quem desencadeou a insurreição armada em Angola no decorrer dos dias 4, 5 e 6 de Fevereiro de 1961. Esses dois acontecimentos, que marcam a primeira ruptura irreversível do nacionalismo angolano com as ilusões reformistas alimentadas até então pelas outras ­organizações nacionalistas angolanas, confirmaram a maturidade política do povo angolano e colocaram, sem equívocos, o MPLA no topo do movimento revolucionário. A acção empreendida em Luanda encorajou a decisão dos camponeses do norte do país a passarem à insurreição, a 15 de Março de 1961. As massas camponesas dos distritos do Congo, Malanje, Cuanza Norte e Cuanza Sul, utilizando armas r­udimentares, conseguiram libertar uma parte do território. Só a procura incontrolada de prestígio internacional pôde levar o Sr. Holden Roberto a afirmar que a UPA foi o promotor da luta armada engajada na segunda semana de Março de 1961 no distrito do Congo. Basta lembrar o “New York Times” de 20 de Março de 1961 onde se pode ler: “O líder do movimento africano para a independência de Angola deplorou a extrema violência dos africanos para com os colonos portugueses no norte de Angola – província de S. Salvador. O Sr. Holden disse que alguns membros da sua ­organização estavam implicados nesses ataques, mas negou que agissem sob as ordens do seu partido. Disse que esses atacantes eram trabalhadores contratados que se rebelaram contra o trabalho forçado. Sou um revolucionário, declarou ele, somente porque um cristão que permanece silencioso perante um crime, torna-se cúmplice desse crime.” (Cf. “New York Times” de 20 de Março de 1961). A acção da UPA, em alguns sectores de combate no norte do país foi apenas a propagação de ideias de conteúdo racista e tribalista que contribuíram para dividir as massas populares combatentes e permitiram ao exército colonialista organizar a contra-ofensiva e reocupar a maior parte dos centros administrativos e comerciais. Contudo, e não obstante o carácter divisionista imprimido à luta pelos dirigentes da UPA, o MPLA nunca deixou de trabalhar para a unidade do povo angolano, convencido de que só na unidade é que as forças nacionalistas poderão acelerar o processo da luta de libertação nacional. Consciente também do perigo que a divisão das forças angolanas faz pesar sobre o sucesso da causa nacional, o MPLA, em cada etapa importante da luta, desencadeou campanhas com vista à formação de uma Frente unida de todos os movimentos políticos em torno de um programa mínimo de luta contra o colonialismo português. O ponto essencial da nossa política continua sempre a ser o apelo à unidade das forças nacionalistas angolanas. Já no decurso da segunda Conferência dos Povos africanos que teve lugar em TUNIS em Janeiro de 1960, dois dirigentes do MPLA assinaram com um dirigente da UPA um acordo de princípio estabelecendo a necessidade da coordenação da luta contra o colonialismo. Mas esse acordo não teve seguimento e a divisão manteve-se nas fileiras das organizações políticas de Angola. Um outro Apelo à Unidade foi dirigido pelo MPLA a todas as organizações, em Dezembro desse mesmo ano (1960), antes mesmo do MPLA decidir em Londres passar à “acção directa”. Desde então, e após a eclosão da luta armada, o MPLA não cessou de desenvolver actividade com vista a formar uma Frente. Foram feitas diligências nesse sentido junto de diversos governos africanos para a realização da Frente. Mas, tal como antes, o MPLA viu a organização de uma Conferência da Unidade recusada pela UPA. Pelo contrário, a formação da Frente UPA-PDA, que visava usar a exclusão contra o MPLA, confirmou o seu espírito de intransigência e o seu carácter partidário. O MPLA, cujos estatutos lhe dão uma estrutura verdadeiramente democrática, adquiriu desde 1956, graças ao seu programa de defesa das massas populares mais desfavorecidas, um prestígio que o coloca na vanguarda no que respeita à orientação e ao desenvolvimento da luta de libertação nacional. Milhares de militantes do MPLA lutam ao lado do povo em todas as regiões onde se manifesta a guerra contra o colonialismo português. * * * * * * * * * * * O MPLA é mais um Movimento do que um Partido. Mas não pode ser definido como um movimento ideológico, de classe, regional ou tribal. O seu programa sugere, para a Angola livre e independente de amanhã, a necessi­dade de garantir o exercício das liberdades e dos direitos definidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem; o respeito pela propriedade privada, a cooperação de todas as classes sociais angolanas na base da justiça social; um Estado com uma estrutura e um funcionamento democrático, um governo de coligação nacional que respeite os princípios da Carta das Nações Unidas e que pratique uma política externa independente. O neutralismo positivo que praticamos em política externa não é para esconder qualquer opção deliberada por uma ideologia, nem poderia ser considerado como uma táctica de chantagem. No decurso desta fase de libertação nacional, não se trata de empenhar a nossa política neste ou naquele sistema. O único compromisso que assumimos hoje é o de nos esforçarmos sinceramente por eliminar a tentativa de instalação de uma guerra fria entre os nacionalistas angolanos e por prevenir as complicações das intrigas internacionais numa Angola independente. O MPLA é membro da Conferência dos Povos Africanos assim como da Conferência de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos. O facto de o MPLA ter sido a única organização angolana a ter resolvido concretamente o problema dos quadros militares, técnicos e políticos, com vista a elevar o nível da luta do povo angolano e a assegurar o sucesso da independência de Angola; o facto de o MPLA ser a única formação política angolana a ter criado, na República do Congo-Léopoldville, uma organização de assistência aos Refugiados Angolanos, o CVAAR, cujo campo de acção e eficácia não é preciso demonstrar mais; tudo isto prova suficientemente que o MPLA é um combatente pela unidade angolana e pela Unidade africana, destaca o espírito e o sentido de responsabilidade de que dão prova os dirigentes do MPLA e justifica o acolhimento oficial e fraterno que os dirigentes do MPLA encontram junto dos Chefes de Estado e dos povos africanos. A afirmação segundo a qual as forças combatentes do MPLA são de longe inferiores às da FNLA é completamente infundada e não corresponde à realidade objectiva da situação da luta em Angola. Com efeito, e depois da generalização da luta em Março de 1961, duas tendências se instalam entre as populações insurrectas. Uma, de obediência à UPA, ocupando um triângulo com os vértices em São Salvador, Bessa Monteiro e Bembe, constituído exclusivamente por angolanos de expressão Kikongo. Outra, sob a bandeira do MPLA, ocupando as regiões periféricas de Luanda e tendo grandes concentrações mais para o interior, em Nambuangongo e Dembos. A contra-ofensiva portuguesa, iniciada no mês de Abril de 1961, obrigou as ­populações a refugiarem-se nas florestas e a integrar a guerrilha. Após um estudo sério da nova situação estratégica, o MPLA, ajudado de perto por responsáveis dos países irmãos de África, adoptou e definiu medidas adequadas e urgentes, cujos princípios foram: 1 – A formação, no Marrocos e na Argélia, de um destacamento de jovens treinados para a guerrilha. Esse destacamento foi destinado a enquadrar os guerrilheiros do MPLA que se encontravam nas matas a fim de melhorar o nível militar da resistência. Foi assim que foram treinados quase trezentos quadros. 2 – Formação de um destacamento de monitores políticos que tinha por tarefa tornar as populações e os guerrilheiros conscientes das duras condições da luta empreendida e dar-lhes uma consciência política. Já trabalham 100 monitores no seio do nosso povo. 3 – A instalação de dispensários ao longo da fronteira Congo-Angola e a formação de um corpo de enfermeiros. Os dispensários e o corpo de enfermeiros visam garantir o apoio sanitário à guerrilha e às populações refugiadas. O corpo de enfermeiros que presta assistência aos refugiados nos 22 dispensários situados ao longo das fronteiras e que acompanha os militares, ultrapassa a meia centena. 4 – A formação de um comando de guerra. 5 – O pedido de concessão de uma base militar na República do Congo. O campo militar teria servido para treinar milhares de nacionalistas que todos os dias se inscrevem para servir nas fileiras do Exército do MPLA – EPLA. Apesar das promessas reiteradas das autoridades congolesas, o MPLA não obteve tal concessão, ao contrário da UPA que a tem desde 1962. 6 – O pedido de autorização para o trânsito legal de armas e munições destinadas aos guerrilheiros do MPLA. Até agora, apenas a UPA beneficiou dessa autorização que também fora prometida ao MPLA, o que nos obriga a condições difíceis e por vezes perigosas... O MPLA praticou uma política aberta para a unificação das forças combatentes em Angola visando evitar a luta fratricida. Apesar disso, a UPA atraiu, por duas vezes, guerrilheiros do MPLA para emboscadas: a primeira a 9 de Outubro de 1961, e a mais recente a 28 de Abril de 1963. A carência de armamento e de munições provocada pela falta de autorização de circulação e as dificuldades de movimentação criadas aos nossos militares na República do Congo pela UPA, assim como o perigo de emboscadas permanentes montadas pela UPA contra os nossos guerrilheiros no corredor de ligação com as zonas de guerrilha de Nambuangongo e Dembos, são obstáculos que temos que vencer. Contudo todas estas dificuldades não impediram o MPLA e o EPLA de intensificarem as suas actividades militares. Os guerrilheiros do MPLA nunca cessaram os combates contra os colonialistas, quer na região de Nambuangongo (comandados pelo Comandante Bomboko), quer na região dos Dembos (comandados pelo Comandante Talamungongo). O EPLA procedeu ao reconhecimento de zonas estratégicas de Angola e de Cabinda, estabelecendo as condições mínimas para uma luta em profundidade. Desde a abertura de uma Frente em CABINDA pelo MPLA, em Janeiro de 1963, colonialistas portugueses instalados nessa zona, não tiveram mais a oportunidade dedescansar, graças às acções dos guerrilheiros. As Forças do EPLA travaram outros grandes combates nas zonas próximas do Rio Kwango, na região de Malanje, na área compreendida entre Malanje e Luanda [sic] (zona de algodão). Outros combates de importância mais reduzida tiveram lugar na zona perto do Lobito (no centro) e de Porto Alexandre (no Sul). Os guerrilheiros do MPLA, instalados nas matas e montanhas, enquadrados por 250 militantes treinados no Marrocos e na Argélia, assim como as duas centenas (200) de guerrilheiros treinados na fronteira pelos nossos quadros militares, são as mais duras forças que os colonialistas tiveram de enfrentar, em combates sem tréguas. Sabemos que o combate heróico travado pelo povo angolano para a sua libertação nacional comporta insuficiências cujas causas principais residem, por um lado, na divisão do nacionalismo angolano, e por outro lado, nas difíceis condições de trabalho em que se encontra o MPLA na República do Congo (Léopoldville). * * * * * * * * * * * CONCLUSÃO O inimigo irreconciliável do MPLA é o colonialismo português. O objectivo do combate que o MPLA não cessa de travar é a independência de Angola, através de uma revolução que destrua o regime colonial. O MPLA afirma que a condição essencial, não só para a vitória da revolução e a consolidação da futura independência de Angola, mas igualmente para a realização completa da unidade africana, reside na unidade do povo e de toda as forças combatentes do nacionalismo angolano. O MPLA considera que o respeito pela unidade do povo e a unidade do nacionalismo em luta contra o colonialismo, assim como o respeito pela soberania popular e as condições que garantem a consolidação da independência nacional, são elementos constantes da moral, do direito e dos valores dos povos coloniais. O MPLA considera que a necessidade de um governo se inscreve no processo real do Movimento de libertação do povo angolano. Mas o MPLA crê que a autenticidade e a legitimidade de um tal Governo deverá ser consequência, por um lado de uma investidura concedida sem discriminação por todo o povo angolano, e por outro lado, de uma garantia de representatividade da Nação. Por outras palavras, um verdadeiro Governo deverá traduzir a sua vocação universal de tornar a libertação de Angola a obra de todos os Angolanos e não a de uma fracção do povo, seja qual for a sua importância. A Nação Angolana merece um Governo nascido da vontade popular o qual, pelo processo da sua formação, possa oferecer garantias de se colocar ao serviço de toda a Nação. A revolução angolana, que quer conquistar a independência de Angola a fim de aí instaurar um regime democrático que garanta a igualdade sem discriminação de qualquer tipo de todos os cidadãos da pátria, não se deve traduzir numa guerra civil secessionista ou ideológica. O “Governo da República Angolana no Exílio”, sendo por natureza não representativo, só consagraria, caso viesse a ser reconhecido pelos Estados irmãos de África, a divisão do nacionalismo angolano, o que alimentaria ainda mais a luta fratricida já instaurada pela UPA em Angola. * * * * * * * * * * * O povo angolano já demonstrou suficientemente à África e ao mundo o seu espírito de sacrifício, a sua coragem e a sua coerência política. Temos confiança nele. Sabemos que ele saberá defender até ao fim o seu legítimo direito à autodeterminação e à Independência e construir as suas próprias instituições. O MPLA declara solenemente que se baterá em todas as circunstâncias contra a divisão do nacionalismo angolano. É por isso que o MPLA se permite chamar a atenção do digno Comité de Coordenação para a Libertação de África para as graves consequências que decorreriam de uma aceitação pura e simples das recomendações da digna Missão de Bons Ofícios. Feito em Dakar, a [6] de Agosto de 1963 Em nome do Comité Director (assinado) Agostinho NETO Presidente do MPLA

Memorando do MPLA, assinado por Agostinho Neto, ao Comité de Coordenação para a Libertação de Africa, feito em Dakar (Léopoldville)

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