Discurso de Agostinho Neto «O desenvolvimento histórico da situação de Angola»

Cota
0049.000.020
Tipologia
Discurso
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Agostinho Neto - Presidente do MPLA
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
8
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público


Seminário Nacional da Juventude Angolana
“Para a Independência de Angola”
Léopoldville, República do Congo
13-21 Abril de 1963
CONFERÊNCIA DO DR. A. NETO, PRESIDENTE DO MPLA
O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA SITUAÇÃO EM ANGOLA­
Em nome dos militantes do Movimento Popular de Libertação de Angola e do seu Comité Director, em nome de todos os que, no interior do nosso País, desejam vivamente que as organizações políticas angolanas encontrem um terreno de entendimento, SAÚDO calo­rosamente a feliz e importante iniciativa da Assembleia Mundial da Juventude que proporcionou à Juventude Angolana, muitas vezes dispersa, a ocasião de se encontrar neste I Seminário, para procurar em conjunto, a solução para alguns problemas da Luta do nosso Povo.
Ao Povo e ao Governo da República do Congo que acolheu fra­ternalmente os combatentes angolanos e que possibilitou este encon­tro em Léopoldville, exprimimos o nosso eterno reconhecimento.
Aos delegados dos Países irmãos, de entre os quais me permito citar o da Argélia, endereço as mais calorosas e emocionadas saudações.
À Juventude Angolana, aqui largamente representada, fazemos neste momento um vibrante apelo para que ponha de lado todos os pre­conceitos que possam constituir um obstáculo ao prosseguimento de uma via sólida de cooperação e para que ela consiga estabelecer, com determinação, as bases concretas que a tornam possível.
Os objectos deste I Seminário Nacional da Juventude Angolana, não podem ser senão os contidos na linha política traçada pelo Movimento Popular de Libertação de Angola e que se traduzem no estabelecimento duma plataforma de entendimento capaz de conduzir à unidade política.
O longo sofrimento do nosso Povo o exige e a Juventude Angolana deve tomar em suas mãos a responsabilidade que lhe compete.
Nós temos dito repetidas vezes, que no quadro do colonialis­mo português, nada havia já a reivindicar, mas tudo a destruir.
A história da situação em Angola desde a instalação do poder fascista em Portugal, traduz-se precisamente por uma sequência de acções de carácter político e militar, praticadas por um aparelho opressivo que não deixa lugar a qualquer jogo legalista.
Para o Povo Angolano, a acção clandestina significa a retomada duma longa luta que o opõe à dominação portuguesa.

Desde a época da penetração portuguesa, a nossa história é fér­til em feitos de resistência. A lista de heróis angolanos eleva o prestígio de todos os mártires que cobrem de glória as páginas da história da África.
Seja Rainha Ginga, sejam os combatentes anónimos dos povos dos Dembos, que frustraram 15 expedições portuguesas sucessivas no co­meço deste século, o que é certo é que importantes movimentos de carácter insurreccional preenchem um longo período da nossa histó­ria, praticamente desde o século XV até 1922.
Nessa época, a intensidade de fervor nacionalista, afrontava com sucesso o poder militar dos colonialistas portugueses. No decorrer dos primeiros anos de ocupação administrativa do nosso País, que se acompanhou da realização prática da dominação directa, várias revoltas armadas eclodiram aqui e ali.
Para combater a expropriação de terras e bens, a imposição do imposto de soberania e o sistema de trabalho forçado, houve toda uma geração que utilizou as últimas armas legais – a imprensa e as associações regionais.
Os nossos pais fizeram face a uma situação extremamente difícil, porque [com] a subida ao Poder do ditador Salazar, era necessário encon­trar outros métodos e outros meios de defesa.
Em 1929 esta geração, que tinha animado as organizações legais, encontrou-se numa encruzilhada. Já o germe da divisão se instalou no seio das associações africanas. No conflito entre os partidários de reivindicações legalistas e os partidários da actividade políti­ca ligada às massas, os últimos saíram em maioria, abrindo assim uma nova era no combate contra o colonialismo português.
É a juventude angolana dos anos de após guerra quem reanima a chama da secular resistência nacional e abre caminhos novos que vão projectar o problema angolano, tanto no plano nacional como no plano internacional. Pelas actividades culturais, com um conteúdo na­cionalista, pela criação de grupos políticos clandestinos, esta geração abre a primeira frente moderna da luta contra o obscurantis­mo colonial.
É em 1953, como é de conhecimento geral, que nasce o primeiro partido angolano estruturado – o PLUA (Partido de Luta Unida dos Afri­canos de Angola).
O terror policial, o controle dos portugueses sobre todos os sectores da vida económica e social do País, presença massiva de colonos, numa palavra, a arbitrariedade colonialista, tudo isto tornou ne­cessária a formação dum vasto agrupamento de todas as forças nacionalistas angolanas.
Estas considerações inspiradas pelo exame da nossa situação particular, assim como pela evolução da conjuntura africana, levaram os dirigentes do PLUA e outras organizações a fundar em Dezembro de 1956, o MPLA.
Aliás, a administração colonial portuguesa compreendeu bem cedo [o] perigo de tal Movimento Unitário que correspondia no País às pa­lavras de ordem da luta revolucionária, através de uma frente única, de todas as forças nacionais.
Foi assim que no início de 1957, a PIDE foi instalada na Colónia e se organizou a caça a todos os nacionalistas angolanos.
A todas as manifestações políticas levadas a cabo pelos nacionalistas na clandestinidade, a toda a agitação perceptível pelos pan­fletos que circulavam no País, a Pide respondia por métodos conheci­dos, com a prisão e com a liquidação física. Raros ecos desta situação chegavam mesmo à ONU.
Era necessário apoiar a luta difícil que conduziam os nacio­nalistas do interior do País, pela organização duma rede nacionalista exterior.
Aí ainda, o nosso Movimento, de acordo com as organizações nacionalistas da Guiné e Cabo Verde, de S. Tomé e de Moçambique, com­preendeu imediatamente a importância da organização duma frente contra o inimigo comum.
Em 1959 as cidades como Luanda assemelhavam-se a campos de tiro.
A intimidação espectacular organizada pelas Forças Armadas davam nesse momento, a indicação precisa ao regime de Salazar, de que o colonialismo português procurava pretexto para esmagar a insurreição popular e desencadear uma guerra de extermínio contra o Povo Angolano.
Toda a orientação da política colonial portuguesa, não tinha senão um objectivo: desenvolver uma forte armadura militar, pronta a intervir à menor manifestação popular.
Contudo, nas declarações públicas para uso no exterior, o Governo português fazia acreditar que em Angola tudo corria normalmente.
Sucederam-se os encarceramentos até a preparação de um processo político, o processo dos 50, que por si só trouxe o desmentido formal e categórico às alegações portuguesas segundo as quais os sentimentos da Independência Nacional eram estranhos à população angolana.
Como reacção ao apoio que os Movimentos nacionalistas encon­travam junto dos países africanos independentes, no decurso do ano de 1960, os colonialistas portugueses não puderam senão reforçar a vigilância das suas colónias, muito particularmente as fronteiras de Angola.
Praticamente nenhum nacionalista angolano notório ficou em liberdade após a proclamação da Independência da República do Congo.
Então, para fazer face à repressão e afirmar o direito do Povo Angolano à Independência, as massas1 populares não tiveram senão uma saída: a organização da auto-defesa activa.
Em 6 de Dezembro de 1960, nós fomos, com o Partido Africano da Independência da Guiné e de Cabo Verde e a Convenção Política de Goa, os primeiros a proclamar o recurso à acção directa contra o colonialismo português. Militantes do MPLA vão fazer existir o problema angolano, em 4 de Fevereiro de 1961, pelos ataques às prisões de militares e civis de Luanda. Esta data inaugura incontestavelmente a primeira fase da luta armada contra o colonialismo português.
O resto é do domínio da actualidade vivida. No interior, a situação actual caracteriza-se pelo melhoramento técnico da guerra de guerrilha, pelo enquadramento político dos militares, enquanto o Governo português procura activamente e desesperadamente a colaboração de alguns traidores, através da modificação das suas leis coloniais.
Estamos na segunda fase da nossa luta, a fase revolucionária, que deve necessariamente chegar àquela que triunfará sobre o colonialismo português, através de uma solução política baseada em condições já por nós expostas:
– o reconhecimento do direito do Povo angolano à autodeterminação e à Independência;
– a libertação de todos os prisioneiros políticos;
– a retirada de todas as forças armadas para as suas bases de origem;
– a garantia de eleições livres para a criação de um órgão legislativo;
– o estabelecimento duma data que marque o fim da dominação colonial.
A cooperação com um Governo que recusa conformar-se com as resoluções da ONU e que desenvolve uma guerra de extermínio, é ab­surda.
O Comité de Descolonização da ONU fez ultimamente uma expe­riência elucidativa.
No estádio actual do desenvolvimento da nossa luta, a persis­tente obstinação portuguesa só pode conduzir a uma solução por parte da Organização Internacional: É o recurso às cláusulas da Carta que convida os Países membros a realizar o boicote dum País como Portugal.
Dissemos atrás que a Juventude de Angola deve desempenhar um papel primordial na nossa Luta de Libertação.
Em todos os tempos e momentos, ela esteve à testa das organizações clandestinas cuja acção desencadeou a vaga libertadora que fez estremecer Angola inteira.
Não foram apenas os panfletos de todo o género, espalhados em todas as cidades, em todas as vilas e sanzalas, em todos os cantos, apelando à organização para a resistência, denunciando os crimes das autoridades colonialistas.
Não foram apenas os pequenos jornais, os movimentos literários e os grupos folclóricos que por todos os meios levavam ao coração de cada angolano uma palavra de ordem de combate, uma mensagem entusiástica de fé no futuro.
Foram também e têm sido sempre as organizações clandestinas, furiosamente procuradas pelos colonialistas, que não ignoram que destas organizações saem ­consciências novas mobilizadas para a Revolução. Os milhares de professores assassinados pelos nossos carrascos no início da luta armada, fornecem a prova.
As actividades desportivas em que [a] Juventude angolana soube organizar-se e aproveitar todas as ocasiões para, por toda a parte, desenvolver o élan revolucionário do nosso Povo e para incutir palavras de ordem da Revolução.
Em todos estes domínios, a Juventude esteve e está sempre presente.
E quando, finalmente, o nosso Povo tomou as armas nas mãos par dar o golpe final ao inimigo, foi ainda à Juventude que se incumbiu a mais larga participação.
A insurreição de 4 de Fevereiro em Luanda, que atingiu logo a seguir a Baixa de Cassange e todo o Norte de Angola teve a mais larga contribuição da Juventude.
Hoje, pode-se verificar que na direcção das organizações políticas angolanas, a Juventude desempenha um papel primordial.
É ela quem, do Norte ao Sul de Angola, continua a organizar a resistência em todos os domínios. É ela quem, ao longo das fronteiras, mantém o estado de alerta permanente do exército colonialista que, apesar da força continua incapaz de dominar a situação e perde constantemente o moral.
É sempre a Juventude quem, suscitando a solidariedade interna­cional, conseguiu fazer deslocar para países amigos centenas de jovens angolanos que aí recebem uma formação que lhes permitirá trans­formar-se rapidamente nos quadros do nosso país, quando for independente.
Nesse capítulo também, o nosso Povo confia inteiramente na sua Juventude.
Hoje, ei-la reunida, a Juventude Angolana, consciente do seu peso, das suas responsabilidades. Estamos certos de que não trairá as esperanças do Povo Angolano.
É certo que as dificuldades internas entravam ainda a nossa luta de libertação nacional, entre as quais a multiplicidade das formações políticas, agindo separadamente umas das outras. O MPLA, por seu lado, nunca cessou de estigmatizar este perigo que compromete as possibilidades de um triunfo rápido sobre o colonialismo português.
É necessário recordar aqui as numerosas iniciativas tomadas neste aspecto – apelos aos partidos nacionalistas angolanos, recurso aos bons ofícios dos Chefes de Estado Africanos?
O Comité Director do MPLA pensa que a Juventude angolana deve caminhar sobre a via da Unidade. Seminários deste género constituem uma excelente ocasião para o debate sobre o presente e o futuro da situação do nosso País; elaborar planos de conjunto, e chegar a uma unidade de objectivos. Cremos firmemente que vos será possível chegar a uma unidade de acção revolucionária desde que vos entenderdes sobre os objectivos da nossa luta, para o imediato – a Independência nacional de Angola.
Uma plataforma de acção? Ela encontra-se perfeitamente no compromisso da Juventude na luta político-militar, que proclamam as nossas diversas organizações nacionais. Alianças orgânicas deveriam resultar naturalmente, porquanto os factos que dominam a nossa vida comum, tanto nos planos político e militar como no plano social, se impõem ao conjunto do Povo Angolano. Num País como o nosso, em que existe grande carência de quadros, seria irresponsável, mesmo criminoso, não ajudar os jovens a encontrar uma plataforma para a unidade de acção. Quando o Povo Angolano persegue um só objectivo – a Indep­endência nacional – é nosso dever organizar-nos num só élan revolucionário que permita atingir o mais cedo possível a libertação da nossa Pátria. Nós convidamos-vos a mobilizar em torno deste slogan:
PARA UM SÓ OBJECTIVO, UM SÓ PROGRAMA DE ACÇÃO IMEDIATA.
“A luta contra o colonialismo português faz a unanimidade da África independente”, declaramos nós muitas vezes. Mas esta luta não será um potente factor da unidade africana senão quando os movimentos nacionalistas angolanos tiverem realizado a inevitável FRENTE DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. Estamos condenados a unir-nos. Não se pode pretender libertar Angola, contando exclusivamente com o seu partido, a sua região, ou a sua tribo, ou mesmo com os seus aliados do exterior... A unidade é tarefa imediata de todos os angolanos, sejam eles quem forem, onde quer [que] eles se encontrem. A nossa contribuição para a reabilitação do continente africano e para a elaboração dum novo humanismo está também incluída na condição prévia da nossa unidade nacional.
As nossas opções fundamentais e actuais são bem conhecidas:
– A satisfação das reivindicações das massas populares;
– O não exclusivismo de uma camada social na Revolução. É da aliança de todas as forças nacionalistas que depende o futuro de Angola independente.
– Condenação formal do tribalismo, do regionalismo, do sec­tarismo, da intolerância racial e religiosa.
– Salvaguarda da unidade nacional e da integridade territo­rial do nosso País nas suas fronteiras actuais.
A parte da Juventude no nosso Programa de acção imediata adoptado na Primeira Conferência Nacional é de natureza a fazer dos nossos quadros, o factor de aceleração e o polo de atracção revolucionária das massas. Fiéis às nossas opções fundamentais que se traduzem simplesmente pela satisfação das aspirações das camadas sociais que sofrem mais directamente a exploração colonial em Ango­la, temos assim definido o papel da JMPLA na luta de libertação na­cional:
– Transformar-se num dos motores do entendimento e da unida­de entre os angolanos, pelo reforço dos laços da união com as juventudes dos partidos.
– Desenvolver a doutrina e a luta revolucionária do Movimento.
– Participar no recrutamento dos quadros.
– Tomar a seu cargo a revalorização e a divulgação da cultura nacional.
Eis como o MPLA concebe o desenvolvimento histórico da nossa situação e o contexto dentro do qual situamos o Seminário. Vós sois as forças do futuro. Vós estais mais ligados à necessidade vital de libertar a nossa pátria comum do que aos objectivos estreitos dum partido. As massas angolanas esperam de vós, que vos empenhais totalmente na luta de libertação.
Estou certo de que não faltareis aos vossos deveres revolucionários de contribuir com todas as vossas forças, no decorrer desta semana, para uma melhor compreensão entre vós e descobrir as vias que devem levar necessariamente à nossa unidade nacional.
VIVA ANGOLA
VIVA A JUVENTUDE ANGOLANA
PARA UM SÓ OBJECTIVO, UM SÓ PROGRAMA DE ACÇÃO IMEDIATA
Dia, 14 de Abril de 1963

Seminário nacional da juventude angolana (WAY), de 13 a 20 de Abril de 1963 (Léopoldville) - Discurso de Agostinho Neto «O desenvolvimento histórico da situação de Angola»

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