Relatório sobre a visita de Agostinho Neto à Alemanha

Cota
0046.000.031
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Luís de Almeida
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

 [Nota manuscrita: R. 6/2/63] RELATÓRIO SOBRE A VISITA DO SEKULU DR. A. NETO À ALEMANHA FEDERAL Datas: de 17 de Janeiro 1963 a 23 de Janeiro de 1963 Cidades percorridas: Bonn, Frankfurt/Main, Stuttgart, Munique e Freiburg. Kilometragem feita: 2.300 Kms. Antes de iniciar o presente relatório algumas linhas se impõem. Elas tomam o acento sobretudo sobre os aspectos positivos que tais visitas podem ter no conhecimento exacto da situação angolana e das implicações dela resultantes. Tais visitas não só são da maior utilidade, no aspecto internacional, como ainda no aspecto puramente interno, pois é do contacto constante dos leaders com os militantes espalhados nos diferentes pontos do globo que maior produtividade e maior confiança se manifestam no trabalho global do MPLA. É pois com a maior satisfação que comunicamos ao CD do MPLA os resultados da visita do nosso Leader nacional e reafirmamos a nossa confiança no trabalho que tendes vindo desenvolvendo em prol da luta de libertação do nosso Povo. Após este breve intróito passamos a focar alguns aspectos da visita à República Federal alemand. Faremos por ser o mais sucinto e breve possíveis pois no pormenor ao CD o Sekulu Dr. Agostinho Neto fará então um compte-rendu do significado dessa visita e das suas consequências. O nosso propósito é apenas de comunicar ao CD a presença neste país do nosso Leader, omitindo aqueles contactos mais importantes e que o “extravio” desta carta poderá atirar os nossos adversários a dela se aproveitarem e conhecerem os segredos da “casa”. Nem muito menos daremos a conhecer os nomes das eminentes personalidades com quem tivemos conversações, nem as organizações com quem contactámos. Oralmente vos será dado conhecimento. Dia 17: Chegada ao aeroporto de Frankfurt: 19,40. Lá estavam aguardando o nosso Sekulu, os Companheiros angolanos, Desidério da Graça, Maria Luiza Gaspar, Ivette Aragão y Sousa e Luís D’Almeida. Nessa noite se ficou em Frankfurt. Dia 18: às 9 horas da manhã tivemos o primeiro contacto oficial com uma das mais eminentes personalidades alemãs e pessoa grande Amiga da causa nacional e do MPLA. Após uma hora de agradável conversa e em que se focou especialmente o que Angola contava dos seus Amigos, ficou decidido apresentarmos um pedido detalhado de todas as necessidades mais prementes dos refugiados e da sua organização CVAAR. Convém notar que a visita do Dr. Neto já havia sido bem preparada e todos os contactos feitos faziam já parte dum programa detalhado. A eminente personalidade alemã já de há muito conhecia os nossos problemas por ser membro de uma organização filantrópica a quem o CVAAR e nós mesmos havíamos posto claramente o problema e que de há muito vinha ajudando os angolanos estabelecidos nesse país, tendo-se-nos sido prometido fazer tudo por levar a organização a que pertence a conceder toda a ajuda. É interessante salientar que o Dr. Neto vinha já muito bem recomendado, o que facilitou enormemente tudo e deu à entrevista um carácter bastante frutuoso. No mesmo dia deixamos Frankfurt com destino a STUTTGART convidados pela mesma organização a que a eminente personalidade visitada em Frankfurt pertence. Lá tivemos discussões com a Organização BROT FUR DIE WELT, quer dizer Pão para o Mundo, sobretudo sobre a ajuda que essa organização deveria dar ao CVAAR. Um processo de trabalho e de eficacidade ficou estabelecido, tendo a realçar-se que o contacto foi bastante frutuoso e dele se esperam facilidades e ajuda. Neste mesmo dia fomos visitar a sede da Organização protestante estudantil para toda a Alemanha e foi- -nos concedido uma entrevista com o jornal de tendência protestante e independente “CHRIST UND WELT” semanário de grande tiragem e de certa influência nos meios públicos deste país. No mesmo dia à noite resolvemos partir para FREIBURG onde um Programa especial tinha sido realizado pelos colegas angolanos que lá se encontram e a Associação dos Estudantes Alemães e dos Estudantes africanos nessa cidade. DIA 19 FREIBURG. Nesta cidade se encontram várias comunidades de angolanos e é nela que um plano existe para a fixação dos estudantes angolanos casados e chefes de famílias, por lá nos ter sido concedida uma casa que funcionará como Centro da Comunidade Ngola neste país. Seria portanto do maior interesse que visitássemos essa cidade e tomássemos contacto com as personalidades alemãs que nos têm ajudado e têm trazido a causa do MPLA a maior das ajudas e propagandas. ESTIVEMOS na sede de uma grande Organização alemã (católica) que tomou a seu cargo o sustento e as facilidades todas durante a nossa estadia e nos proporcionou a maior das hospitalidades. Contactos preliminares haviam sido feitos para o efeito. Um jantar com personalidades ligadas à vida pública foram realizadas [sic]. Uma visita a um Deputado-chefe da selecção Europa-África no Parlamento alemão foi conseguida, assim como igualmente com professores da Universidade de Freiburg. Aproveitámos o intervalo dos contactos para termos uma reunião com os angolanos do Grupo Sul da Alemanha, onde todos os problemas que se ligam à vida nacional foram discutidos. DIA 20 – Dia aproveitado para a confraternização dos angolanos que se encontram na parte sul da Alemanha e para se prepararem os contactos posteriores, seja em Bonn, no Parlamento alemão, seja noutros pontos percorridos. Aproveitámos igualmente essa jornada para fazer um inventário dos nossos problemas e descansarmos um pouco por termos passado os dias anteriores em discussões constantes e sem dormir suficientemente. Nesse dia ficou também elaborado o Programa de visita do Sekulu à visita à Universidade de Freiburg e à Conferência que deveria dar no dia 22 à noite na Sala Magna da Universidade. DIA 21 – Nesse dia havíamos organizado vários encontros em Bonn. Tendo partido de Freiburg às 4 da manhã desse mesmo dia, partimos com destino a Bonn onde chegámos às 10,30. Em Bonn havíamos organizado contactos no Parlamento alemão (BUNDESHAUS) com personalidades dos vários grupos políticos alemãs. Igualmente havia sido organizado uma visita à sede do grande partido alemão SPD (social-democrata) onde o Vice-Presidente dessa Organização e uma das personalidades mais eminentes da vida pública Alemã, nos havia pedido a conhecer o Leader de Angola e Presidente do MPLA, Prof. C-Schmidt. Convém notar que todos os contactos elaborados tiveram como factor fundamental o de se procurarem aqueles que no passado foram os ardentes defensores da causa Argelina e para ela trabalharam, quer no Parlamento quer ainda na imprensa, nas organizações filantrópicas. Assim às 12,00 uma audiência nos foi concedida pelo encarregado das Relações exteriores do grupo político maioritário e pessoa de grande peso na vida pública deste país. A entrevista decorreu bem mas há a notar-se a maneira discreta como a entidade em questão nos recebeu, talvez devido à posição que ocupa neste país e pertencer ao partido governamental (por conseguinte pouco favorável à causa de libertação...). Este encontro se impunha todavia uma vez que a pessoa em questão tem sido duma honestidade política enorme sempre que se põem nos debates no Parlamento o problema das colónias e porque sempre partimos do princípio que aqui estamos para informar todos os alemães e não só aqueles que nos interessam. Breve encontro (15 minutos). Outros contactos no Parlamento não foram possíveis na parte da manhã por a isso terem estado impedidas as personalidades que desejariam conhecer e discutir com o Dr. Neto. Assim e para evitar mais perdas de tempo resolvemos apenas deixar a parte da tarde para discutirmos com um deputado, grande amigo da Argélia e grande defensor do MPLA neste país. Depois de termos discutido às 15 horas com ele, por ele fomos levados à sede da SPD onde um encontro bastante importante nos esperava, a audiência com o Professor Carlo-Schmidt, Vice-Presidente desse partido e dos primeiros a pôr em 1955, em debate o problema da independência da Argélia. Convém notar que ele nos foi apresentado por um deputado, anteriormente referido, que dada a sua coragem e abnegação na ajuda aos Argelinos, foi vítima dum atentado da famigerada Mão Vermelha. Se a discussão no Parlamento com o deputado em causa foi bastante frutífera, pelo esclarecimento que nos foi dado sobre a propaganda mentirosa que da Áustria e Suíça o chefe da clã adversa desencadeara, e que ele se opusera sempre, tivemos a certeza que uma nova era se abria nas possibilidades de o MPLA se alicerçar com mais força ainda neste país. Também nos foi dado a conhecer a grande propaganda que a embaixada dos “Tugas” vem desencadeando e que a cumplicidade do clã adverso torna ainda mais necessário um trabalho de informação mais profundo, a criação mesmo dum boletim mensal de informação (a expensas deles) para ser largamente difundido através da imprensa e da rádio, para a elevação do MPLA neste meio. As chances são grandes por a pessoa em questão ser bastante poderosa, quer no seio do seu Partido quer na Alemanha toda inteira e estamos de crer que o sádico Roberto nada levará para o futuro. Às 16,00 horas fomos então num automóvel do Parlamento para [a] sede do Partido social-democrata. Foi dado a conhecer ao Sekulu as instalações da organização para finalmente sermos recebidos pelo Prof. C. Sch. Grande personalidade moral e intelectual. Um questionário reverencioso lhe foi feito e coisa que estranhámos imenso foi a insistência com que o Prof. falou na possibilidade de se adquirirem brinquedos, se “as tínhamos em número suficiente”, se “elas chegavam para manter a guerra”, se “tínhamos mercado para as encontrar e procurar”. A conversa revestiu um tom de muita reverência envers o Sekulu. Falou-se do problema dos refugiados, da ajuda que o seu partido poderia dar à causa do MPLA e do CVAAR e o Prof. encarregou então o Deputado Wischnewski, de prestar-nos toda [a] ajuda, em nome do partido e dele mesmo. Ficou estabelecido que o companheiro Luís D’Almeida deveria reunir-se imediatamente com o Deputado, estabelecessem um plano de trabalho e de ajudas eficazes e que o Sekulu, partisse consciente e certo que ele, Prof., tudo faria por vir em ajuda ao CVAAR e ao movimento. Na reunião também estava presente o Encarregado das Relações Internacionais do SPD, mas todo o contacto passaria a ser feito com o Deputado anteriormente citado, que teria poderes, conferidos pelo Prof., para desencadear uma campanha de ajuda eficaz e rápida ao movimento. Às 17,00 horas terminava assim a reunião. Pensamos que ela foi a mais importante ou das mais importantes para a vida do MPLA neste país. Ela foi como que uma consagração dos esforços que vimos fazendo para esclarecer esta opinião, acerradamente minada pela propaganda mentirosa e falaciosa, do chefe do clã adverso. Às 17 horas então ficou estabelecido que o Luís D’Almeida devia marcar uma data aproximada para o encontro com o Deputado e se procedesse à elaboração do “plano de trabalho” conjunto. Às 18,00 horas partimos de Bonn a caminho de Frankfurt, onde nos reuniríamos com o grupo do Centro do MPLA neste país, como sejam todas as Meninas que se encontram naquela cidade (7) e mais dois Companheiros de São Tomé. A reunião foi bastante animada e trocaram-se impressões boas, tendo os participantes nela feito críticos e sugestões concernentes à vida do mov. e de interesse dos estudantes neste país. DIA 22 Às 9 horas da manhã novo encontro tivemos com a mesma entidade que ­havíamos encontrado no dia 18 às 9 da manhã. A reunião teve por finalidade o de fixar-se e elaborar-se um plano de ajuda. Ficou-se de o Companheiro Luís d’Almeida, em comum acordo com o Presidente do MPLA de lhe fazer remeter uma lista das necessidades mais urgentes (viatura-ambulância, aparelhos de radioscopias e diversos) lista que devia ser enviada o mais depressa possível para ser apresentada na reunião mensal da Organização a que pertence o referido bispo. Às 11 horas o novo encontro em DARMASTADT com uma eminente ­personalidade presidente da Organização a que pertence o Bispo Wund; e igualmente o presidente da maior Organização filantrópica evangélica com sede em Genève (WCCH). A reunião teve como finalidade a de se obter ajuda para o Cvaar e simultaneamente a de conseguir junto destas personalidades o apadrinhamento junto daquela organização. Foi-nos prometida a maior atenção ao problema dos refugiados, ao CVAAR. Às 12,00 horas partimos de DARMASTADT em direcção à Freiburg, onde nesse mesmo dia teria lugar a Conferência na Universidade. Tendo chegado a Freiburg às 15,00 contactos preliminares foram feitos com as organizações que realizavam a Conferência, nomeadamente os Estudantes Alemães e a Associação dos Estudantes Africanos em Freiburg, ramo da AFRICAN STUDENT’S UNION IN DEUTSCHLAND (cuja sede se encontra em Munique), ao mesmo tempo que entrávamos em contacto com a Direcção duma grande Organização Católica, para ajuda ao CVAAR. É interessante realçar aqui o papel que todas essas organizações desempenharam na ajuda aos ­refugiados argelinos e ainda o de focar que essas mesmas organizações têm prestado uma ajuda valiosíssima aos estudantes angolanos que aqui se encontram e aos prisioneiros angolanos em Cabo Verde. Às 19 horas teve lugar um jantar com a presença de professores da Universidade, especialmente de seu Deão e deputado alemão, Professor BERGSTRASSE. Às 20,00 teve início a Conferência do Presidente do MPLA na Universidade FREIBURG. A sala encontrava-se literalmente cheia. O presidente do MPLA centrou a sua palestra sobre os valores culturais angolanos, as suas implicações políticas e socio-anímicas. A conferência foi brilhante tendo contudo a lamentar-se a tradução que foi simplesmente horrível. Após a Conferência teve lugar o debate, debate esse que se prolongou até às 20,45, não tendo sido possível a sua prolongação devido ao facto de a Universidade encerrar as suas portas às 22,00. O debate foi animado e há que salientar-se a maneira brilhante como o Presidente do MPLA respondeu a todas as perguntas, algumas delas, feitas com o intuito malsão. No final da sessão a assistência aplaudiu prolongadamente o orador. Após a Conferência teve lugar uns DRINKS ofertos pelos estudantes africanos ­residentes em Freiburg, que decorreu num ambiente de cordialidade e de respeito. Às 2,30 encerrou-se a homenagem, tendo vários oradores usado da palavra para agradecer a honra que o Presidente do MPLA fizera em aceitar vir a Freiburg proferir a sua única prelecção. O Presidente usou também da palavra para agradecer as amabilidades por que havia sido alvo. Após essa pequena festa os Companheiros de Freiburg ofereceram em casa do Companheiro Jorge Hurst uma pequena surprise-party. O Champagne serviu de décor para a troca de saudações amáveis entre todos, especialmente entre a Direcção da Associação dos estudantes africanos e o Presidente. DIA 23 – Às 9,58 teve lugar a partida do Presidente do MPLA para Londres. Estiveram a despedir-se a Direcção da CARITAS alemã, na pessoa do seu Secretário-Geral, Dr. Georg Hussler e com presença dos Companheiros Maria Ruth Neto e Costa, Jorge Hurst e Luís D’Almeida. Assim se terminava uma visita à República Federal Alemã do Presidente do MPLA, Dr. Agostinho Neto. QUE CONCLUSÕES TIRAR? Por toda a parte onde o Presidente do MPLA esteve presente, um ambiente de respeito se fez sentir. Temos a focar a grande importância desta visita, pelos contactos estabelecidos, pelas personalidades vistas e pela projecção que tal visita poderá ter no futuro, no que respeita ao prestígio do Movimento. Visitas como essa deveriam ser melhor e mais cuidadosamente preparadas e mais longas, pois vários centros ficaram por ver, centros esses de uma importância fundamental no que respeita ao CVAAR. Toda a nossa actividade foi centralizada no problema do CVAAR e na explicação do Problema angolano. Estamos de crer que essa visita trará benefícios a longo termo, necessário se tornará portanto o de aproveitar o ambiente criado para intensificação da campanha de ajuda aos refugiados e maior compreensão da causa que o MPLA e só o MPLA defende. Feitos aos 25 de Janeiro de 1963 [assinado por Luís de Almeida]

Relatório sobre a visita de Agostinho Neto à Alemanha (Bonn, Frankfurt/Main, Stuttgart, Munique e Freiburg), elaborado por Luís de Almeida

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