Carta de Holden Roberto a Agostinho Neto

Cota
0037.000.011
Tipologia
Correspondência
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Remetente
Holden Roberto
Destinatário
Agostinho Neto
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público


Léopoldville, 9 de Agosto de 1962
Sr. Dr. Agostinho Neto
C.P. 720
LÉOPOLDVILLE
Caro compatriota,
Acuso a recepção da sua carta de 8 de Agosto de 1962 que agradeço.
Permita-me antes de mais dizer-lhe que é lamentável que logo a seguir aos recentes contactos entra a FNLA e o MPLA, eu receba uma carta retomando o tom das ­acusações caluniosas e tendenciosas que sempre nos mantiveram afastados uns dos outros, destruindo assim a esperança nascida no nosso primeiro encontro; tanto mais que acordámos que uma comissão deveria estudar a eventualidade de uma colaboração entre os nossos partidos respectivos.
Sendo assim, apenas posso perguntar que impulso o obrigou a dirigir-me uma tal carta, comprometendo por um lado quase todas as oportunidades com que contávamos e por outro um próximo encontro para o qual a nossa delegação não deixou de dar as mais esperançosas perspectivas.
Com efeito, durante esse encontro e face aos documentos presentes à sua delegação, o senhor reconheceu, dando a impressão de ser um homem sincero, a culpabilidade dos seus autores e logo a necessidade, para o seu partido, de colaborar com a Frente. Para o confirmar sem a menor ambiguidade, existe o Comunicado que o Senhor assinou com a nossa delegação, cujo original está em nosso poder.
Por isso fico seriamente desconcertado, verificando que um indivíduo que parecia ser mais razoável que alguns dirigentes do MPLA, tenha imaginado que uma carta, com tudo o que ela contém de insinuação, de vexatório e de provocador, possa melhor arranjar as coisas do que o espírito de concórdia que parecia presidir ao nosso primeiro encontro e graças ao qual o senhor teve a iniciativa de redigir um Comunicado bastante prometedor para as Agências Noticiosas.
Tendo em conta o seu actual estado de espírito, já não vejo a razão de ser de um tal Comunicado.
Sendo assim, e em virtude dos termos descorteses da sua carta, permita-me que lhe diga que o convite que me dirige é inoportuno, pelo menos de momento.
Na sua carta, o senhor faz indirectamente alusão à prisão que sofreu. Permita-me dizer-lhe que isso não deve constituir a lenga-lenga de um patriota convicto, já que é o destino que os colonialistas reservam a todos os que reivindicam o seu direito à liberdade.
Aliás muitos outros compatriotas inocentes, com os quais colaborei durante longos anos, e cujos nomes devo omitir visto estarem nas mãos dos fascistas portugueses, ainda jazem, corajosamente, nos Calabouços, não tendo a oportunidade de voltar à liberdade, como é o seu caso.
Ainda bem que lhe foi restituída a liberdade, mas, em iguais circunstâncias, para mim e para outros compatriotas convictos, a liberdade não seria mais do que um sonho e, em lugar de uma deportação transitória, deveria ser a execução pura e simples. O povo angolano sabe-o, porque ele julga-nos.
Quanto à desorganização do Nacionalismo Angolano a que se refere na sua carta, ela só existe na sua imaginação visto que é ela que preside à acção do seu partido, MPLA:
Lançar a confusão nos espíritos, políticas de calúnia sistemática, difamação, complexo de superioridade e corrupção.
Política desta natureza, coroada de corrupção, não dá frutos porque as massas ­desfavorecidas de Angola aperceber-se-ão um dia que por trás da dialéctica do MPLA se esconde o neocolonialismo que alguns pretendem ver implantado em Angola, para perpetuar a escravatura do nosso povo.
Portanto não estou interessado em dar réplica às suas insinuações que qualifico de gratuitas, como aliás todas as outras de que foram culpados os seus colaboradores e às quais nunca atribui importância.
Prefiro deixar à História e ao Povo a tarefa de serem os nossos árbitros um dia, no caso em que o senhor persista e o povo, hoje em luta armada, soberano e senhor em última instância de Angola, no seio do qual todo o culto da personalidade será combatido a qualquer preço e implacavelmente, não esquecerá nunca o seu passado e verá de que lado está a defesa verdadeira dos seus legítimos e primordiais interesses.
Saudações Nacionalistas
(assinado) Holden Roberto

Carta de Holden Roberto a Agostinho Neto (Léopoldville)

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