Carta de Lúcio Lara a Viriato da Cruz

Cota
0006.000.080
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Viriato da Cruz
local doc
Rep. Federal da Alemanha
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta a Viriato da Cruz [dactilografada] Frankfurt/Main, 9/9/59 Caro Viriato Lamento que as tais circunstâncias de que te falei me tenham impedido de dar um andamento mais rápido aos assuntos que temos entre mãos. Vamos a ver se agora tudo se normaliza e se começo a dar o rendimento necessário pª tentar deixar tudo alinhavado antes da nossa presumível partida pª o Gh. [Ghana]. A este respeito, até hoje, nenhuma resposta veio. A propósito, antes que me esqueça, convém que as cartas que porventura envies pª mim pª serem reenviadas tragam, não a data em que tu as escreves, mas uma data com 5 dias de avanço, para evitar que haja um desfazamento muito grande entre a data da carta e a dos correios. Isso aliás já fez suspeitar a Bo [Irmgard Bouvier] de que tu te não encontras na Bélgica, pois ela viu que havia alguma diferença entre as duas datas. Claro que ela não insistiu muito no pormenor, mas via-se que ela tinha de facto algumas suspeitas. Disseram-me há dias que tinham publicado o teu artigo da Geo numa outra revista que parece que vai pagar, mas claro que é melhor serem eles a comunicar-te quanto, logo que saibam algo a teu respeito. Eu aliás disse-lhes que tinha recebido uma carta tua a correr em que me pedias umas informações e em que me falavas na hipótese de teres de voltar a Berlim; disse o mesmo à de B. [Bary]. Acabo neste momento de receber uma carta de m/ irmã, que foi agora mãe de mais um Lúcio. A minha Mãe, nessa carta escreveu apenas esta frase: Dr. Boavida em Luanda, teu colega, é um rico médico. Isto sem vir nada a propósito faz-me pensar que o Boavida está preso, pois eu tinha dado a entender pª lá que queria saber de mais nomes. Em todo o caso não tenho a certeza. Esteve cá há dias de passagem pª uma cidade perto de Köln, onde vai fazer estudos pedagógicos, o Medina (cego). Por ele soube que consta em Lx. que as prisões em Angola se devem ao facto de ter sido preso pelas autoridades portuguesas alguém que vinha do Congo belga com uma lista de tipos que devia contactar em Angola... Outro moço de 19 anos Rocha Oliveira, de Novo Redondo, que aqui está, recomendado pelo Agostinho [Neto], pª ir estudar pª aí ou ir pª o Gh., diz que outro boato corre, que é contrário daquele 1º, pois «alguém sairia de Angola pª o C.B. [Congo belga] c/ uma lista de pessoas». Afigura-se-me mais verosímil, a ter de admitir uma das hipóteses, o que conta o M., que lhe foi contado pelo Veiga [Carlos V. Pereira]. Apenas o Mário me respondeu afirmativamente à hipótese que lhes pus de ir lá tentar delinear em conjunto um programa de acção futura que nos permitisse uma vez em Gh. tomar atitudes certos da concordância de Paris, que com efeito, como o próprio Mário reconhece, não é fundamental, dada a posição de crítica meramente passiva em que aqueles amigos se têm colocado. Em todo o caso, dada a circunstância de actuarmos em nome do MAC, convirá sempre que procuremos trazê-los a participarem das nossas actividades, malgré tout. Acresce que, feitas bem as contas, só um dos elementos é verdadeiramente embaraçante, e, quanto a mim, convinha esclarecer a sua posição no meio disto tudo, numa conversa com ele próprio. Por essa razão, sinto-me inclinado a ir lá, mesmo por um ou dois dias, para tentar unificar o nosso trabalho futuro. O Mário continua a pôr o problema de não se sentir verdadeiramente ligado a uma organização angolana, de estar farto daquilo a que ele chama «porcarias do tipo lusitano ou luso-tropical» em que integra a crítica que nos foi feita pela secção de Paris. Diz ele estar interessado em trabalhar pela independência de Angola, embora não menospreze a luta a travar no plano de todas as colónias portuguesas. Eu pensava que vocês tinham resolvido já este problema quando ele esteve em Berlim. Sinceramente penso também que ele terá certa razão. Infelizmente receio que a tua resposta a esta carta me não chegue a tempo, mas creio poderes escrever pª Paris, onde espero chegar no próximo domingo, dia 14, esperando se possível regressar a 15 à noite, ou 16. A Noémia [N. de Sousa] até hoje ainda não apareceu. Receio que haja qualquer complicação. Seria bom que ela viesse com intenção de não regressar, até porque me parece que os pides vão passar a dificultar a saída de africanos, após tudo o que se tem passado. O Neto tenciona ir pª Angola em Novembro. Convinha-nos encontrarmos urgentemente condições pª podermos passar a exigir da n/ malta que fizesse um esforço sério para deixar Portugal. Pedir-lhes pª virem, sem termos no exterior um tipo de trabalho verdadeiramente organizado no sentido por todos desejado, parece-me ser, pª já, de não aconselhar. A mensagem pª o Cairo já seguiu. Pª lá pode-se escrever em francês, pois foi como contactámos com eles pela primeira vez, e eles também nos responderam em francês. Quanto ao pedido de intervenção pª a A.A.P.C. [All-African People’s Conference], chateia-me ter demorado tanto a coisa, mas a verdade é que a vinda do Med.[Medina], do Rocha, dum inglês que esteve comigo em Fürst. [Fürstenwalde] e uma série de pequenas coisas que me impediram de trabalhar nos outros momentos (desde que vim daí que ando com uma inflamação nos olhos que não me deixa trabalhar à noite) tudo isso fez com que só agora despachasse a carta, que como te disse vai modificada. Vai também uma carta a título particular, pª o Padmore, pelo qual aproveito mandar os dados sobre o Rocha, para evitar termos de escrever novamente ao Minist. do Interior e ao 1º Ministro. [Acrescentado à mão:] Afinal esta envio directamente, pois falta-me o nº do passaporte do Rocha a quem só devo ver amanhã e creio não valer a pena perder tempo em enviar para aí. Envio-te depois a cópia. É aliás uma carta escrita ao Padmore, como Padmore, particular portanto. L. As modificações que fiz e que vais ver, provêm como creio ter-te dito de que não me parece que devamos ignorar os acontecimentos da Guiné, uma vez que escrevemos em nome do MAC. Espero que estejas de acordo quanto a este ponto. Por outro lado pareceu-me não ser conveniente isolar o nome do Ilídio, pelo que modifiquei a frase em que se pediria a libertação dele, pedindo a libertação de todos os angolanos e guineenses, prision. políticos. Acrescentei ainda um protesto contra a concentração de tropas que ora se faz nestas duas colónias. Segue a lista que pedes do Steering Committee da A-APC. Aos Bou. ainda não falei no Ilídio, nem tenciono falar. Apenas lhes dei a conhecer que tem havido centenas de prisões em Angola. Eles arranjaram quarto pª o Rocha em casa daquele tipo do Rundschau que ela nos apresentou. O Rocha trabalha por enquanto numa garagem, onde lhe dão 15 marcos por dia. Ele parece muito bom moço e com boa vontade. Escrevi ao H. Schaul a pedir-lhe que informe se é possível ele obter uma bolsa de estudo aí. Ele estudou medicina em Coimbra, mas quer deixar a Medicina pª estudar economia. Em todo o caso ele preferia ir pª África connosco, e tentar estudar no Gh. A propósito da Campanha, gostava de saber a quem já escreveste. Eu propunha-me escrever ao Comité de Solidariedade do Cairo, e à Sub-Comissão dos Direitos do Homem, na Onu. Há também aqueles tipos do Committee of African Organisations de Londres, de quem julgo ter-te falado na última carta. Escreveste-lhes? Quanto à Comissão dos Direitos do Homem, acho apenas que é de comunicar o facto e pedir a sua intervenção na medida das suas possibilidades, pª se certificar das torturas a que são sujeitos os presos. Aguardo porém que me dês a tua opinião sobre o assunto. Infelizmente a Assembleia Geral da Onu começa agora, e graças a tanto tempo perdido ainda não é desta vez que se vai levantar o problema. Estás de acordo em que em Paris discuta a possibilidade de em nome do MAC escrevermos a duas ou três individualidades do bloco afro-asiático, pª tentar ainda em última instância que se inscreva o nosso problema (das colónias portuguesas) na ordem de trabalhos desta sessão? De qualquer maneira a sessão da 4ª Comissão (que é a que trata destes casos) só tem lugar pª os princípios do próximo ano, em data a fixar, mas é possível que seja necessário inscrever desde já o problema na ordem do dia. De qualquer modo vou falar aos tipos de Paris na questão. Devo escrever-lhes hoje, ou mais seguramente amanhã. Há em Londres um British Committee for Algerie de que faz parte o Basil Davidson, é presidido por Anthony Wedgwood Benn – deputado à Câmara dos Comuns e de que fazem parte muitas personalidades, entre as quais alguns deputados. Creio ser interessante contactá-los sobre o problema das prisões, precisamente através do Basil Davidson. Diz algo sobre isto. O Mário estava indeciso sobre se havia de falar, e em que medida, dos movimentos em Angola, nos seus artigos sobre as prisões. Chegaste a responder-lhe a esta questão? Bem, de momento não me ocorre mais nada. Os meus sogros, família e a Ruth enviam-te saudades. O Paulinho continua a fazer de vez em quando viagens pª o Viriato. Os nossos amigos B. e de B. (mesmo a mãe) pediram-me que quando te escrevesse os recomendasse. Adeus UM GRANDE ABRAÇO DO T/

Carta de Lúcio Lara (Frankfurt/Main) a Viriato da Cruz

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