Discurso do MPLA, no Arnotoglu Hall, pelo 4 de Fevereiro

Cota
0110.000.011
Tipologia
Discurso
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
10
Acesso
Público
*[Manuscrito: Discurso Pronunciado em 4.2.69 no Arnotoglu Hall em Dar-es-Salaam]. Senhor Ministro Excelência Camaradas: Para o povo angolano, o dia 04 de Fevereiro tem o significado grandioso das datas em que se revelam as transformações qualitativas no seio de uma sociedade humana. Essa foi a data escolhida pelos militantes do MPLA, em 1961, para iniciar na cidade de Luanda, capital de Angola, a acção armada contra o colonialismo português. Na realidade, o nosso povo, desde a chegada dos primeiros ocupantes portugueses, não deixou nunca de se opor a sua penetração; e a nossa história esta preenchida de episódios heroicos dessa resistência. Nos últimos décimos, tanto a forma política a reivindicação como a luta armada, foram empregues por toda a parte no nosso país, ainda que duma forma não organizada. O que há de característico no quatro de Fevereiro, é que este dia constituí a mais elevada expressão dessas reivindicações, colocando-as ao nível nacional. A luta político-militar contra o colonialismo português e contra os seus aliados os imperialistas, dirigida pelo Movimento Popular de Libertação de Angola, não cessa de mobilizar cada vez mais patriotas e alargar a arca da sua acção, havendo hoje zonas controladas por nós, angolanos, e onde a população que habita organiza a vida independente, a pesar das vicissitudes da guerra. A nossa actividade militar, compreende hoje dez dos quinze distritos do nosso país. Por isso, não podemos nós, os militantes do MPLA deixar passar sem assinalar devidamente esta data que ficará para sempre na história do povo angolano. A esta cerimónia, nós associamos também o facto importante da passagem do décimo segundo aniversário da criação do nosso Movimento, que iniciou a sua existência como organização, em Dezembro de 1956. O nosso Movimento, resultou da fusão de várias organizações políticas espontaneamente formada em vários pontos do país e muito especialmente, na cidade de Luanda. Tenho a maior satisfação em exprimir o nosso reconhecimento pela presença honrosa a esta reunião de altos representantes dos países amigos, nomeadamente a de Sua Excelência… representando o Governo da Tanzânia, assim como a do Secretário Executivo do Comité de Libertação e seus assistentes e a dos dirigentes e representantes dos Movimentos de Libertação africanos. Devo sublinhar também a presença entre nós dos representantes do povo combatente do Viet-Nam. Todos, quiseram vir oferecer-nos a sua simpatia, a sua solidariedade para com a luta que o nosso povo desenvolve contra o colonialismo português, pela liberdade e pela dignidade; contribuindo para a liberdade da África e do homem explorado no mundo. Não nos seria possível dissociar desta nossa luta, as várias expressões revolucionárias da luta geral contra a exploração noutros continentes, nem a oposição armada contra o imperialismo. A nossa luta é apenas um aspecto da transformação sangrenta da Humanidade, necessária e inevitável tendo por objecto libertar o ser humano da opressão e da exploração. Mais a luta do povo angolano, entra agora no nono ano da sua existência. Ela tem sofrido as dificuldades normais de uma luta revolucionária no enquadramento africano. Houve períodos de avanço e períodos de refluxo. Vitórias e derrotas, tanto no plano interno como no plano internacional. O MPLA, confrontando-se com o seu inimigo directo, o colonialismo português, sofre também da oposição dos aliados de Portugal, os países da OTAN, e dos seus agentes, os fantoches angolanos, que fazem a sua aparição em todas as frentes, tentando sabotar e desvirtuar o conteúdo da nossa acção. No entanto, há que constatar o facto. É que o balanço geral é positivo. O progresso é constante e o inimigo e os seus aliados, estão cada vez acossados nos seus refúgios. E a determinação dos nossos militantes, de todo o nosso povo, nunca diminuiu. É essa determinação e entusiasmo na luta que produzem os progressos irreversíveis e conduzem o país inteiro no caminho para a Independência, salpicando-o honrosamente com o sangue dos seus melhores filhos. Posso afirmar, interpretando o sentimento dos militantes do MPLA e de todos os patriotas angolanos, que mesmo que a guerra nos seja imposta pelos colonialistas e seus aliados, durante dez, vinte, trinta ou cem anos, nós não desistiremos dela; nós continuaremos a golpear o colonialismo até arrancar com os sacrifícios e com sangue, com vidas e martírios, a Independência a que temos direito, a Dignidade que qualquer povo deve possuir. Temos aprendido com os países irmãos já independentes da África e também da Ásia e da América Latina, como preservar e como se podem perder as conquistas de uma Revolução. Temos aprendido da história dos outros povos, como lutar pela Independência Nacional completa. Uma das lições mais importantes apreendidas das experiências alheias, é que para ser feliz, um povo deve bater-se por essa felicidade. Para ser independente, um povo deve lutar. A Independência conquista-se através da luta. As forças retrogradas do mundo, procuram a todo momento, destruir as forças do progresso. O imperialismo, procura destruir tudo o que signifique a liberdade dos povos, a abolição do esclavagismo e da exploração do homem pelo homem. Formas subtis de subversão e de obstrução são empregadas dia a dia para atingir esse fim. Porém, a pesar disso a marcha em frente do mundo é visível e inevitável. O neocolonialismo, tem minado a independência política e económica de vários países da África, incapazes por agora de resolver fora deste quadro, os problemas do seu subdesenvolvimento. Mas nem por isso os povos deixam de aspirar a independência completa e de lutar por ela. Temos visto ali onde existem os partidos bem organizados, ideologicamente bem definidos, com uma orientação adaptada as condições materiais dos respectivos povos, a revolução tem triunfado. Ali onde os partidos não existem, ou são meros instrumentos dos governantes em vez de interpretes fiéis das aspirações das massas populares, tem sido fácil a organização de golpes de estado reaccionários. Diante destas experiências, temos chegado a conclusão de que, nas condições actuais e face a um Portugal que persiste em trazer-nos a guerra no nosso país, não temos outro caminho a seguir para atingir a Independência a não ser o prosseguimento da luta armada. O colonialismo será pois, vencido pelas armas. Diante destas experiências, também não vemos outro caminho para preservar as conquistas do nosso povo, se ele não se conservar moral e materialmente armado e pronto para repelir as investidas dos inimigos do nosso povo, aos ataques dos abutres que desejarão manter a exploração das riquezas do nosso imenso país. A nossa luta armada é pois um meio para conquistar a Independência e também um meio para salvaguardar essa conquista das tentativas e neocolonização. Desejamos uma independência real e completa. Nem podemos proceder doutro modo, quando diariamente, desde há oito anos, a guerra imposta pelos colonialistas sacrifica vidas angolanas, que são o preço da nossa futura Independência completa. Não podemos proceder doutro modo, sem trair, sem tornar inútil a dedicação de milhares de nossos compatriotas que a esta hora estão de armas na mão, lutando contra as forças do exército colonial. A tradição de luta que se esta criando, é uma base segura para o futuro desenvolvimento do nosso país. Uma base para conquistar e para preservar a Independência do nosso país. Por isso o nosso Movimento tem orgulho em apresentar-se como uma organização completamente independente. A independência começa do próprio carácter da organização que dirige a luta, do grau de independência dos seus militantes. Nós construímos a nossa própria política. Nós estabelecemos a nossa estratégia político-militar. Evidentemente, como há pouco referi, não desprezamos as tradições de luta dos outros povos. Não desprezamos essa rica experiência de vários sectores da Humanidade adquirida na evolução da sociedade humana durante séculos e muito particularmente, desde o triunfo da Revolução de Outubro em 1917. A experiência dos outros países servem-nos de inspiração, mas os nossos actos são baseados nas condições materiais e nas tradições sociais do nosso povo. A nossa luta é um episódio glorioso na história do nosso povo, e ela é uma expressão da evolução de um povo. Certo, o nosso desejo de Independência, não significa de modo algum o prenúncio de um nacionalismo estreito. Não nos fecharemos, nem nos temos fechado ao convívio com os outros povos. Nãos nos temos fechado à procura de relações amistosas com os outros povos, nem mesmo com os elementos sãos do povo português, pois nós sabemos que a maioria do povo português não deseja o fascismo nem o colonialismo. Ele é vítima como nós do mesmo sistema político que oprime e explora em favor dos interesses de um pequeno grupo de capitalistas. Por isso é que Angola, como nas outras colónias portuguesas, têm desertado vários soldados do exército colonial que são contra a guerra. Por isso os jovens portugueses se manifestam contra a guerra colonial. Por isso o povo português duma maneira geral se opõe à repressão sangrenta contra os povos coloniais. Combatendo implacavelmente contra os colonialistas, o MPLA educa os sues militantes na procura da amizade com os outros povos do mundo, não somente em África, mas em todos os continentes. E a amizade é fácil de conseguir ali onde existir o respeito mútuo. Uma coisa são as relações de amizade, outra coisa é a dependência. Na igualdade pode haver amizade; na dependência nunca! Desde que os princípios de Independência têm sido proclamados, os homens honestos, os países livres e progressistas, tem sentido o dever de ajudar os povos que ainda lutam pela conquista dos mais elementares direitos. Esse dever tanto cabe aos grandes como aos pequenos países. O MPLA pode afirmar com satisfação que tem gozado da simpatia e da assistência material de um certo número de países africanos, da maioria dos países socialistas, que são os aliados naturais da nossa luta, e das organizações anticolonialistas e filantrópicas da Europa capitalista. Neste momento, estão a alargar-se as bases da solidariedade no mundo inteiro para com os povos das colónias portuguesas. Mas, porque muitas vezes se confunde a ajuda política e material com dependência, é-me necessário esclarecer que o MPLA nunca aceitou nem aceitará a ajuda daqueles que porventura a queiram oferecer, desde que não traga consigo o acordo do respeito pela independência do nosso Movimento. Nunca subordinamos a nossa independência política à ajuda material. Como diz o grande escritor cubano, Nicolas Guillén, num dos mais belos poemas: “Nós devemos conquistar o nosso pão e não pedi-lo. E, a fome é boa amiga, se, para a matar for preciso comer o pão da submissão.” O nosso povo é muito sensível as expressões de solidariedade dos outros povos, e têm-se nele desenvolvido uma amizade profunda para com aquelas que, na prática revelam a sua tendência para sinceramente contribuir para a libertação do nosso país. E não confunde os povos e organizações que concretizam na prática os princípios de solidariedade que anunciam, daqueles que se limitam a aumentar a inflação de resoluções em Conferências. A solidariedade dos outros povos do mundo é uma força imensa que nos ajuda a apressar a nossa vitória. Estamos gratos aqueles que nela concedem. Lutando contra o colonialismo português, o nosso povo luta pela consecução da liberdade para o continente africano, que é o objectivo fundamental da organização dos governos africanos, conhecida como Organização da Unidade Africana e do seu Comité de Libertação. Para terminar, permitam-me que renda homenagem a todos os combatentes da África, da Ásia e da América Latina, que de armas na mão, estão dando o seu sangue pela liberdade, no Viet-Nam, na Coreia do Sul, nas Colónias portuguesas, no Zimbabwe e noutros países. Todos estamos combatendo pelos mesmos ideais que determinaram a explosão do 4 de Fevereiro em Luanda. A esses bravos companheiros de luta, o MPLA pode afirmar, com toda a convicção e confiança, que contra o colonialismo, contra o imperialismo, ou contra os regimes racistas a nossa vitória é certa. Muito agradecido pela vossa atenção. 4 de Fevereiro de 1969.
Discurso de ?, do MPLA no Arnotoglu Hall, pelo 4 de Fevereiro (Dar-es-Salaam)
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