Forças e táctica do inimigo e seus aliados

Cota
0101.000.013
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Fev 1968
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
5
Acesso
Público
[Este documento tem algumas anotações manuscritas por Lúcio Lara] FORÇAS E TÁCTICA DO INIMIGO E SEUS ALIADOS Pela primeira vez na história, o regime fascista português, admite estar seriamente ameaçado. A impertinência e ao optimismo dos dirigentes fascistas do período de 1961 a 1967, seguem-se as declarações impregnadas de uma certa reserva e ambiguidade. E o resultado directo da acção desenvolvida pelo MPLA durante o ano de 1967 e da consideração do enorme potencial político militar que as forças patrióticas sob a nossa direcção, não deixarão de atingir, nos anos próximos. Ao que parece, está-se longe da época em que os dirigentes fascistas criam na possibilidade de exterminar «o terrorismo» dum dia para o outro; agora é o próprio Salazar, quem, no seu discurso do Dezembro findo, declarava «poder considerar-se optimismo a possibilidades de fazer durar indefinidamente a resistência». Dir-se-ia pois que Salazar reconhece a impossibilidade de vencer o movimento de libertação nacional, através duma guerra de decisão rápida; só uma longa guerra de usura, diz ele, na qual ganhará aquele dos contentores que melhor resistir à usura política, militar e humana. Contrariamente ao que possa parecer este (realismo) novo dos dirigentes portugueses não esconde nenhuma modificação de vulto no conjunto da política portuguesa. Os dirigentes colonialistas continuam a crer na possibilidade de vencer o movimento de libertação nacional, e para isso estão dispostos a engajar as suas últimas disponibilidades. Salazar mostra-se estar determinado a manter uma resistência prolongada, suportada por uma política de reforço da mobilização de todos os recursos humanos, técnicos e materiais, do estreitamento das alianças com o bloco fascista, reaccionário e imperialista da África do Sul, Austral e do imperialismo Mundial. Da acção do colonialismo português Duma forma geral, pode-se dizer que o colonialismo português ressentiu-se particularmente com o espectacular desenvolvimento registrado pela luta armada de libertação durante o ano de 1967. Isto não significa porém que o colonialismo português esteja à beira do esgotamento final. O esforço da generalização da luta armada empreendido pelo MPLA apanhou-os impreparados, devido à subestimação que eles faziam da capacidade de organização do MPLA. Hoje, os colonialistas portugueses, embora mantendo essa subestimação, parecem fazer uma apreciação mais justa da realidade e das perspectivas futuras. Assim é, que prevendo a intensificação da luta de libertação, os governantes colonialistas procuram rapidamente criar os meios que lhes permitem não só resistir, como dar um golpe à luta de libertação nacional, dirigida pelo MPLA. Durante o ano de 1967, no plano económico, verificou-se a intensificação da política de infiltração de capitais estrangeiros e da hipoteca total do nosso país. Da análise do Terceiro Plano de Fomento, publicado recentemente, ressalta agora, para o caso de Angola, a intenção de concentrar todos os reforços no desenvolvimento acelerado dos sectores productivos e particularmente na indústria extractiva (ferro e petróleo), negligenciando os investimentos de carácter social. Segundo os governantes portugueses, urge fazer com que Angola dependa o menos possível dos mercados externos, fazer com que a sua economia seja auto-suficiente. A política de infiltração massiva dos capitais estrangeiros, o suporte dado à expansão do sector bancário, premissa do desenvolvimento da industrialização, a extensão do mercado interno através da criação dos mercados rurais, revelam claramente os propósitos de empreender rapidamente a capitalização acelerada da economia Angolana. Percebe-se pois, que os colonialistas portugueses procuram encontrar rapidamente os meios financeiros que lhes garantam uma resistência prolongada. E, se durante os anos de 1966-1967, a economia portuguesa sofreu uma quebra do ritmo de expansão, nos próximos anos, se a conjuntura do mundo capitalista é favorável, é bem possível os esforços dos dirigentes fascistas lhes garanta uma relativa tranquilidade e que Portugal possa ainda aguentar por mais tempo o esforço que três guerras coloniais lhe exigem. É evidente que não se trata de uma conclusão definitiva até porque factores de ordem diversa podem incidir neste contexto e alterar-lhe o significado principal. Um outro elemento da prática colonialista que importa salientar é a sua acção no domínio social. Aí, a política portuguesa continua a visar à formação duma camada social, que sendo depositária dos interesses colonialistas ou neocolonialistas constitua um tampão à generalização da luta revolucionária. A formação duma elite intelectual angolana despersonalizada e ganha, as concepções portuguesas, a solicitude material, financeira e social, dispensadas aos quadros administrativos angolanos e a relativa protecção e por vezes facilidades financeiras que são fornecidas à propriedade privada africana são os elementos mais característicos desta política reformista. Muito embora não ela tenha sido aplicada senão à uma escala reduzida, é bem possível que no futuro ela sofra uma generalização. É primordial que analisemos e meditemos sobre a dimensão e significado desta dita política de promoção social. A eficácia da nossa acção política nos centros urbanos depende da táctica que adoptarmos em relação as diferentes camadas sociais nas cidades. *[Manuscrito: Parte sobre o tribalismo]. No que respeita ao povoamento e à instituição «soldado colono» os números não deixam margens para dúvidas. Há neste campo um fracasso absoluto a constatar. Os portugueses, não obstante todas as facilidades oferecidas pelas autoridades governamentais recusam-se a ir para Angola. Isto constitui uma prova de estado de espírito das camadas mais humildes do povo português que, sem dúvidas nenhumas, recusam esta guerra injusta. Esta situação preocupa de sobremaneira os dirigentes fascistas. Mesmo em Angola, onde as autoridades pensam contar com uma população branca homogenia, dócil e receptiva às motivações colonialistas, a situação começa a ser preocupante. A população branca residente no nosso país, não é homogenia. No seio, manifestou-se dissecções políticas, e não são poucos elementos que manifestam claramente a sua oposição à política fascista e colonialista. Importa pois que o nosso raciocínio táctico e estratégico tome em consideração este facto. Pelo que diz respeito à situação militar, tudo indica que ela é critica. O desenvolvimento registado pela luta armada durante o ano de 1967, a existência de três frentes e a grande dispersão que conhece a guerrilha do MPLA, levantam ao exército português difíceis problemas de natureza humana, técnica, logística. O problema humano, parece ser mais importante. Os efectivos militares portugueses em Angola são insuficientes para assegurar uma cobertura do território. As recentes leis sobre recrutamento e serviço militares, a lei sobre emigração, adoptadas recentemente pela Assembleia Nacional portuguesa confirmam esta situação, que o desenvolvimento a imprimir à luta armada irá tornando cada vez mais crítica. É grave também o problema material e técnico; neste aspecto, que como se sabe é supra importante para um exército clássico, parecem manifestar-se carências graves. Por outro lado, a insuficiência da rede de estradas do nosso país, a carência de meios logísticos de intervenção táctica, não facilitam a situação do exército português. Mais, esta situação tem globalmente a tendência de piorar progressivamente, como de resto o demonstra a idêntica progressão das despesas militares. O exército português esta pois estrategicamente imobilizado. Um outro aspecto, que aqui cabe referir é o problema das relações do colonialismo português com o imperialismo e particularmente com os estados racistas, reaccionários e imperialistas a bloco da África Austral. Desde a subida ao poder da administração Vorster, a política sul africana começou a sofrer uma transformação profunda. Durante bastante tempo, a África do Sul, confinando-se aos limites geográficos e políticos do seu território, manteve-se na defensiva, sendo a proa duma hostilidade quase universal; hoje ela volta os olhos para os países da dita «África Negra» não escondendo as suas pretensões de realizar uma política imperialista. Está-se presenciando a uma reelaboração das relações da África do Sul com os países africanos, prólogo de uma grande ofensiva política económica e militar. Esta nova política começa a dar frutos. Infelizmente não são poucos os países africanos que se mostram sensíveis e receptivos às solicitações comerciais, diplomáticas e políticas da África do Sul. Esta nova política teria como premissa a constituição dum eixo político, económico e militar que abrangeria Angola, Moçambique, África do Sul, Lesotho, Rodésia. Botswana, Malawi, etc. Durante bastante tempo, os dirigentes portugueses encararam esta ideia com uma certa relutância. O potencial económico da África do Sul assustava-os e eles tinham a preocupação de não serem submersos. Hoje porém receio parece ter desaparecido. No seu último discurso, Salazar admite sem hesitações a existência dum bloco, a unidade geopolítica que ele constitui, o carácter de relações privilegiadas mantidas entre os diferentes estados membros, chegando mesma a definir os seus propósitos estratégicos: a luta contra o movimento de libertação nacional. Parece pois não oferecer dúvidas que a intervenção directa é inevitável, tudo sendo questão de mais ou menos tempo. A África do Sul considera que a luta revolucionária em Angola, Moçambique ameaça a integridade do regime racista. Assim, e as inequívocas declarações de personalidades sul africanas amplamente o demonstram, a África do Sul esta pronta a colaborar directamente ao lado dos colonialistas portugueses na repressão à luta armada de libertação do povo angolano, dirigido pelo MPLA. No que respeita à relações de Portugal com os restantes países imperialistas e principalmente com o imperialismo americano, pouco de novo há salientar, a não ser a intensificação progressiva dessa política. Os imperialistas mantêm a sua política de intervir directamente, através da ajuda militar, política, económica e diplomática ao colonialismo português e indirectamente sustentando a existência de organizações fantoches, de carácter tribal, contrarrevolucionárias, como a UPA e a UNITA. Impõe-se certas considerações finais: 1- O colonialismo português perdeu as esperanças de levar de vencida o movimento de libertação nacional do povo angola através de uma guerra de decisão rápida. Só através duma longa guerra de usura ele crê atingir esse objectivo. 2- Para o alcançar, os dirigentes fascistas inauguram uma política de rápida mobilização de todos os seus recursos materiais, afim de garantir uma resistência activa e eficaz. 3- As grandes vitórias alcançadas pelo MPLA durante o ano de 1967 abalaram seriamente o colonialismo português. Não obstante as dificuldades que atravessa, o colonialismo português parece possuir recursos para aguentar por mais algum tempo. 4- No domínio social a política portuguesa visa a constituição duma camada social angolana, depositária dos seus interesses e que constitua um tampão à generalização da luta. 5- A população branca reside no nosso país não é homogénea. No seu seio manifesta-se contradições, ela não segue incondicionalmente a política governamental, existindo mesmo elementos anti-colonialistas e favoráveis ao movimento de libertação nacional dirigido pelo MPLA. 6- Das relações do colonialismo português com o imperialismo assumem particular importância as relações com o bloco fascista da África do Austral. A África do Sul é hoje o gendarme de toda a África. Através das declarações proferidas por altos dignatários do regime fascista, antevê-se que a intervenção directa dos sul africanos na luta contra o movimento de libertação dirigido pelo MPLA é inevitável.
1ª Assembleia Regional das 1ª e 2ª Regiões (Dolisie, 22 a 25 Fev. 1968) - Documento do MPLA «Forças e táctica do inimigo e seus aliados»
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