Breve análise da nossa acção durante o ano passado

Cota
0101.000.012
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Fev 1968
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
5
Acesso
Público
[Este documento tem algumas anotações manuscritas por Lúcio Lara] Iª BREVE ANÁLISE DA NOSSA ACÇÃO DURANTE O ANO PASSADO O relatório que vai ser exposto constituiu como o seu próprio nome indica uma breve análise. Outra coisa não poderia ser uma vez que o seu autor não está de posse senão de alguns elementos de apreciação. O ano de 1967 foi proclamado como o ano da generalização da luta armada por todo o território nacional. Esta palavra de ordem lançada após a abertura de frente Leste e da entrada do Destacamento Cienfuegos para o interior correspondeu exactamente às necessidades imperiosas da nossa luta e ao desejo de toda a massa militante do M.P.L.A. em suma: uma palavra de ordem correcta. O ano de 1967 viu assim o M.P.L.A. canalizar todas as suas energias para a intensificação e a generalização da luta no interior do país. Um ano após o lançamento desta palavra de ordem podemos estar satisfeitos com os resultados obtidos. Devemos fazer sobressair, antes de mais nada, os êxitos obtidos na frente Leste. É indiscutível que os sucessos obtidos naquela região são encorajadores, principalmente se tivermos em conta que eles foram alcançados num espaço de tempo relativamente curto. Esses resultados podem ser apreciados a partir de três elementos principais: 1- A extensão geográfica considerável das áreas atingidas pelas actividades dos nossos guerrilheiros: districtos do Moxico, Cuando Cubango e uma parte do Bié e Lunda. Há importantes engajamentos entre as nossas forças e as do inimigo em regiões que distam mais de 500 kms da fronteira. 2- O profundo descontentamento e até mesmo um certo descontrole que reina nas hostes do inimigo. Os responsáveis político-militares portugueses em Angola não escondem hoje as suas preocupações em face do aumento das nossas actividades na frente Leste. Os jornais, a rádio e os discursos atestam essa situação. 3- O número de baixas infligido pelos nossos guerrilheiros a tropa colonial também aumentou. Também na III Região temos a registar os primeiros passos dados pelo M.P.L.A. no sentido de organizar a vida social, política e económica das populações sob o nosso controle, através da criação dos Conselhos do Povo. Ainda é cedo, no entanto, para formularmos juízos de valor definitivos não só porque se trata praticamente da primeira experiencia desse género, mas também porque ela ainda não viveu suficientemente. Mas devemos desde já saudar a iniciativa. Passemos agora a I Região. Aqui há dois aspectos da nossa actividade que convém analisar separadamente. São eles, a acção político-militar levada a cabo pelos nossos combatentes enquadrados pelos componentes dos Destacamentos Cienfuegos e Kami, e a acção a partir do território do Congo-Kinshasa. Comecemos pelo primeiro. Não dispomos infelizmente de todos os elementos capazes de nos permitirem uma análise completa do trabalho efectuado pelos nossos responsáveis e pelos nossos quadros político-militares no interior do país. Podemos no entanto constatar que, tanto sob o ponto de vista político como sob o ponto de vista militar a entrada dos nossos destacamentos foi uma importante vitória para o MPLA e para a luta do Povo Angolano em geral. O respeito e a autoridade do M.P.L.A. numa região onde a influência nefasta da contra-revolução tanto se fez sentir saíram consideravelmente reforçados. Os mitos da UPA foram por água abaixo. As possibilidades objectivas de trabalho nesta região são excelentes e apesar das dificuldades já conhecidas: reabastecimento difícil, e acção da contra-revolução. Citemos a título de exemplo o seguinte: em cerca de 4 meses de actividades contados a partir da chegada do Esquadrão Cienfuegos foram lançadas as bases duma vasta organização político-militar. Foram enviadas delegações a várias regiões que contactaram as populações locais. Estas na sua maioria *[ilegível] responderam favoravelmente aos apelos do M.P.L.A. Realizou-se uma importante Conferência a qual participaram numerosos delegados vindos de regiões diferentes. Finalmente foi enviada ao Congo uma caravana de cento e tal jovens a fim de receberem uma preparação político-militar. Ainda no activo da Iº Região convém realçar o recuo político-militar considerável que sofreu a contra-revolução. No aspecto militar também foram conseguidos êxitos importantes. Não dispomos ainda de relatórios concretos a esse respeito, mas mesmo através das informações do inimigo verificamos que a luta ganhou novas áreas: refiro-me em particular as actividades no Distrito de Cuanza Norte. Se tivermos em conta as condições particularmente difíceis da Iº Região, só temos que felicitar os nossos camaradas pelo trabalho efectuado. Façamos agora uma referência a acção desenvolvida no território do Congo-Kinshasa sob a responsabilidade da Comissão Directiva. Os objectivos que visava a nossa acção naquele território podem assim ser resumidos: A- Trabalho diplomático junto das autoridades congolesas. B- Mobilização e organização das massas angolanas refugiadas naquele território. C- Actividade clandestina com vista á entrada de destacamentos armados para o interior. A actividade da tal Comissão deparava para já, com dificuldades de vulto: 1- Hostilidade das autoridades locais ou governamentais. 2- Sabotagem da contra-revolução. Face a esta situação impunham-se métodos de trabalho particulares: 1- Coordenação das actividades legais e semi legais com a actividade clandestina. 2- Aplicação rigorosa dos métodos de clandestinidade nos trabalhos de carácter militar. 3- Trabalho de equipe e colaboração estreita e honesta entre os responsáveis pela execução das diferentes tarefas. 4- Apreciação exacta da situação local tendo em conta a existência dos dois factores: contra-revolução angolana e hostilidade das autoridades congolesas. Se por um lado nós constatamos com satisfação os êxitos obtidos no interior do país, na I Região, nós não podemos deixar passar em branco os desastres sofridos pelo M.P.L.A. no Congo-Kinshasa ou a partir desse território. De entre eles devemos destacar os seguintes: 1- Desintegração do destacamento Kami e perda de alguns dos seus quadros político-militares. 2- Insucesso da operação «Bomboko». 3- Perda de nosso material que caiu nas mãos das autoridades congolesas e da contra-revolução ou grae. 4- Liquidação de uma parte importante da nossa organização nesse país acompanhada da prisão e assassinato de alguns dos nossos responsáveis mais activos. 5- Paralisação de uma parte importante das nossas actividades, em particular as de carácter militar. Como já dissemos, atras, a actividade sobre o território do Congo-Kinshasa deparava com dificuldades de vulto. Por isso mesmo é que se impunham métodos de trabalho rigorosos. Mesmo assim, as tais dificuldades não podem por si sós justificar totalmente os desastres sofridos e cujas consequências foram graves porque o M.P.L.A. e para a luta do Povo Angolano em geral. Até agora não foi posta a disposição da massa militante nenhuma explicação global desses insucessos. Isto revela uma carência no seio da nossa organização, na medida em que isso impede a generalização pela organização inteira do espírito crítico e de combate aos métodos errados de trabalho. O progresso de uma luta ou de uma organização faz-se através dos sucessos como também dos insucessos. O que importa é que se saiba tirar em cada momento os ensinamentos de um e de outro. Dizíamos antes que não podemos encontrar as causas dos insucessos no território do Congo-Kinshasa apenas nas dificuldades naturais com que a nossa acção ali deparava. Houve indiscutivelmente erros importantes que se cometeram. As regras de clandestinidade nem sempre foram devidamente respeitadas, as normas de trabalho colectivo foram espezinhadas e os desentendimentos mais variados fizeram-se sentir entre os diferentes responsáveis, desentendimentos esses que impediram uma colaboração franca, leal, total. Houve também subestimação do inimigo, confiança exagerada em elementos suspeitos, presunção, gabarolice, exibicionismo, subjectivismo, jogos de concorrência, corrida ao prestígio,etc, etc, lá onde se impunham precisamente o realismo, a modéstia, a descrição, a honestidade, a cooperação e também a vivacidade e renovação permanente dos métodos de trabalho que se mostrassem caducos, enfim a verdadeira actividade militante desinteressada e guiada apenas pelo desejo de SERVIR A CAUSA. É importante assinalar que esses mesmos defeitos se fazem sentir em vários sectores da vida do nosso Movimento, nos mais diversos escalões. A experiência da nossa actividade no Congo-Kinshasa só veio mostrar as consequências que semelhantes erros podem provocar. Resta-nos ainda fazer uma breve alusão a nossa actividade na frente de Cabinda. Este problema será objecto dum estudo mais pormenorizado num dos relatórios. Podemos no entanto constatar que o balanço da actividade nessa região não é nada encorajador. Basta citarmos a título de exemplo a redução considerável que se manifestou nas nossas actividades militares. Perante esta situação é necessário novamente os problemas de táctica e estratégia a seguir assim como dos métodos de trabalho dos organismos dirigentes da luta que ao contrário do que acontece nas outras frentes não esta instalado dentro do território. Esta situação é tanto mais lamentável quanto é certo que Cabinda funcionou como o berço do levantamento espetacular do MPLA. Cabe aqui também uma referência a nossa acção no plano exterior, a informação e a diplomacia. Um simples olhar pela nossa actividade nesse sector, durante o ano passado mostra-nos que nós não conseguimos explorar plenamente, no plano exterior, os sucessos arrancados no plano interior. Isso aconteceu, numa certa medida, como consequência do esforço da nossa organização em virar as nossas actividades mais para o interior e combater as resistências que se manifestavam neste ou naquele sector, á aplicação desta linha de orientação. Hoje, num momento em que essas resistências enfraqueceram, o M.P.L.A. pode e deve começar a pensar seriamente numa organização e planificação da nossa actividade no exterior. Conclusões: 1- A analise das nossas actividades durante o ano passado veio confirmar a justeza da palavra de ordem «Generalização da luta armada». O M.P.L.A. ficou consagrado como organização dirigente da luta do Povo Angolano. 2- Foram dados passos importantes no cumprimento dessa palavra de ordem. Devemos realçar antes de mais os êxitos na III Região onde se alargou consideravelmente a frente de combate e se reuniram as condições para a criação de uma nova região. 3- Na I região, muito embora os resultados obtidos não sejam tão volumosos, eles são bastante significativos e revestem-se duma grande importância para o MPLA. A luta contra o inimigo começou a organizar-se em novos moldes. A contra revolução sofreu também um duro golpe, o mais duro até então. 4- Temos no entanto a lamentar sérios revezes numa parte importante da nossa actividade ligada a I Região. Esses desastres não podem ser explicados unicamente em função das dificuldades naturais com que deparava a nossa acção no território do Congo-Kinshasa, mas para isso contribuíram também os erros praticados na condução do trabalho. 5- A situação em Cabinda piorou para nós. Cabinda é hoje ainda a única região onde os órgãos de direcção da luta continuam a funcionar no exterior. O volume da nossa actividade militar diminuiu consideravelmente. Em consequência de tudo isso crescem no seio dos guerrilheiros o destacamento, a indisciplina e a deserção. 6- A nossa acção no exterior não acompanhou o ritmo de desenvolvimento da nossa actividade no interior do país. 7- Para além de certas dificuldades políticas e militares, a nossa organização debate-se ainda com o problema da melhoria dos seus métodos de trabalho. A persistência de certos vícios no seio do M.P.L.A. tem prejudicado enormemente o nosso trabalho, provocam por vezes situações difíceis e poderão vir a constituir um sério obstáculo ao desenvolvimento da nossa luta. O esforço no sentido de generalizar a luta deve ser acompanhado dum combate cerrado aos vícios existentes no seio da organização, o que só pode ser feito com um trabalho paciente de politização e depuração dos elementos incorrigíveis, em todos os escalões ou sectores da vida do Movimento. De entre esses vícios realcemos os seguintes: Individualismo, exibicionismo, gabarolice, presunção, subjectivismo, espírito rotineiro, indisciplina, jogos de concorrência, imiscuição nas tarefas dos outros, ausência de planos de trabalho, preguiça, horror ao estudo, reservar as tarefas para o último minuto, não aplicar nem fazer aplicar as medidas que se tomam, improvisação, ausência de crítica e auto-crítica, ausência de análise e síntese, desrespeito pelos bens e fundos da organização, confusão entre o importante e o secundário, burocracia e culto dos documentos, intelectualismo, populismo, etc, etc, etc.
1ª Assembleia Regional das 1ª e 2ª Regiões (Dolisie, 22 a 25 Fev. 1968) - Documento do MPLA «Breve análise da nossa acção durante o ano passado»
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