Destacamento Ferraz Bomboko. Relatório à Assembleia Regional

Cota
0101.000.011
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Fev 1968
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
6
[Este documento tem algumas anotações manuscritas por Lúcio Lara] [Manuscrito: *IIb MPLA Reuniu força dirigente, do Povo Angolano na lua pela independência completa a contra Revolução e ao tribalismo.] RELATÓRIO DO DESTACAMENTO FERRAZ BOMBOKO Uma das maiores dificuldades com que se tem debatido o nacionalismo angolano é incontestavelmente o da existência de várias organizações políticas que reclamando-se de obediência nacionalista desenvolvem uma actividade prática perniciosa, prejudicial à Luta do Povo Angolano. Durante bastante tempo se falou do dualismo no seio do nacionalismo angolano; esta expressão reflectia em certos círculos as contradições existentes entre a UPA ou grae e o MPLA. Seria normal que sendo o colonialismo português o inimigo principal e comum a todo o povo Angolano, este se apresentasse unido perante o inimigo como a combater. A consequência disso seria que as forças nacionalistas pudessem formar uma ampla frente como acontece hoje no Vietnam e como acontece por exemplo na Argélia. Isto no entanto não aconteceu. Mas para já não nos interessa agora lamentar esta situação. O que importa é analisá-la e tirar as conclusões que se impõem. De entre os factos que justificam esta situação particular em Angola, podemos destacar um que desempenhou um papel de relevo: o factor exterior. Foi no exterior de Angola que se forjaram as condições óptimas para a persistência da divisão no seio do nacionalismo angolano. Todos sabem já que as Direcções das organizações nacionalistas agiram durante bastante tempo ou agem ainda a partir do exterior. No que diz respeito ao MPLA isso deu-se por causa da repressão portuguesa, quer dizer que o MPLA já teve a sua Direcção no interior de Angola; mas viu-se obrigado a transferi-la para o exterior onde apesar de tudo existia aquele mínimo de condições capazes da facilitarem uma melhor organização da sua actividade. A direcção da UPA pelo contrário sempre existiu no exterior. Enquanto que no interior de Angola, debaixo da pressão do inimigo todas as démarches em favor da Unidade encontraram um acolhimento favorável, no exterior, com a influência do imperialismo as démarches para a divisão ganharam força. No fim de contas quem age contra a Unidade do nacionalismo angolano é o imperialismo. Simplesmente no exterior ele encontra as condições ideais para agir. A actividade da contra revolução reflecte a contradição existente entre o movimento de libertação nacional angolano e o imperialismo. Ao longo destes últimos 7 anos de luta feita a partir do exterior nós podemos tirar a conclusão seguinte: o imperialismo age no seio do nacionalismo angolano por intermédio dos seus fantoches, contra o MPLA. E nós sabemos porque: o imperialismo tem grandes interesses em Angola e a orientação política progressista do MPLA prepara-lhe como um entrave à realização das suas aspirações de pilhagem e exploração. E quanto mais acentuada for a influência do imperialismo sobre essas organizações fantoches, mais elas se afastam da verdadeira luta pela independência nacional do Povo Angolano, mais elas se transformam em instrumentos de combate contra o MPLA. Igualmente, quanto mais elas se afastam do nosso Povo e da nossa luta mais elas se viram para o imperialismo e contra o MPLA e o caso por exemplo da UPA que esta hoje praticamente transformada num simples elemento de frenação da nossa luta. Mais recentemente apareceu outra organização dita nacionalista, a UNITA que actua a partir da Zâmbia. É dirigida por Jonas Savimbi, ex-ministro dos negócios estrangeiros do grae. A actividade, os objectivos e os métodos de trabalho desta organização, identificam-se com os da UPA. Quer uma quer outra têm por objectivo principal impedir o desenvolvimento da acção patriótica do MPLA. A UPA no Norte de Angola e a UNITA no Leste e Sul. Em contrapartida o MPLA aproximou-se cada vez mais das realidades angolanas, empenhando-se exaustivamente na luta contra o inimigo principal do nosso povo, o colonialismo português. O esforço titânico empreendido pelo MPLA com o fim de combater realmente o colonialismo português, com o fim de generalizar a luta armada, com o fim de mobilizar todo o Povo para a luta graneou-lhe o apoio efectivo das grandes massas populares angolanas. O nosso Povo deposita hoje toda a sua confiança no MPLA. Tudo isso aconteceu por uma simples razão: a actividade do MPLA veio ao encontro dos desejos do Povo. O Povo Angolano nutre um ódio implacável contra o colonialismo português e o MPLA, apesar de todas as suas carências, tem sabido cada vez mais agir na prática como o inimigo implacável do colonialismo. Se é certo que sem uma definição correcta dos objectivos a atingir, é impossível a uma organização lançar-se numa acção de envergadura, não é menos certo que só a definição dos objectivos a atingir não chega para colocar uma organização numa posição de vanguarda. É necessário também uma actividade prática consequente, de envergadura, de vanguarda. Quanto mais o MPLA souber agir na prática, na actividade quotidiana, contra o colonialismo português, mais ele poderá estar seguro do apoio das populações angolanas. É precisamente o que esta a acontecer agora. Podemos afirmar que depois dos anos difíceis de 1961, 62 e 63, a partir de 1964 começou-se a esboçar uma clarificação no seio do nacionalismo angolano. Essa clarificação tornou-se mais visível a partir de 1966. A partir de então o MPLA aparece cada vez mais, tanto dentro como fora do país como força dirigente do Povo Angolano que a luta para a independência completa. Este volte face aparece como resultado dos sucessos políticos militares obtidos pelo MPLA no interior do País principalmente a partir de 1966. A luta no interior do país, em particular a luta armada, funciona como catalisador desta clarificação. Dissemos já atrás que a persistência de organizações fantoches como a Unita, Upa, o grupo de Taty e outros de menos importância, se justifica em grande parte pelo facto de a nossa luta ter sido dirigida de fora para dentro, quer dizer em virtude das direcções das organizações nacionalistas terem funcionado no exterior. Digo bem a persistência porque entendo que mesmo agindo no interior de Angola os patriotas angolanos teriam inevitavelmente chegado ao ponto de formar várias organizações nacionalistas como de resto aconteceu. Simplesmente continuando a agir no interior, essas organizações poderiam finalmente encontrar uma plataforma de Unidade. Sob o ponto de vista prático a conclusão que nos interessa tirar é que essas organizações trariam a nossa luta e incarnam em si mesmas a contra revolução. É pena realmente que isso tenha acontecido. Mas não adianta nada estarmos a lamentar esse facto. Tratou-se simplesmente duma prova por que todas as organizações nacionalistas tiveram de passar o que só o MPLA conseguiu realmente vencer: foi a prova de exterior. Mas podemos constatar ainda o seguinte: se é certo que em condições normais do desenvolvimento da nossa luta, quer dizer que se não fosse o factor exterior, quer dizer, se o Holden e o Savimbi não tivessem podido gozar do apoio exterior, essas organizações muito dificilmente teriam podido exercer tão intensamente a sua actividade contra revolucionária, não é menos certo que essas organizações mostraram uma certa habilidade de manobra no aliciamento das populações angolanas a partir de práticas tribais. A organização da UPA e da Unita assentam particularmente em bases tribais: é o critério da representatividade tribal ou regional. Assim aconteceu por exemplo no caso do «grae e da upa cujas direcções se forjam na base de alianças tribais e cuja propaganda contra o MPLA recorre frequentemente aos mesmos argumentos. Com semelhantes métodos a contra-revolução conseguiu realmente aliciar alguns elementos das nossas populações criando neles muitas vezes o ódio contra o MPLA. Por exemplo no grae a coligação tribal era flagrante: Alexandre Taty por Cabinda, Rosário Neto por Malange, Kunzika pelos Muzembos, Holden pelos Bacongos, Savimbi e vários vice-presidentes cada um dos quais representando uma tribo. A contra revolução angolana explora pois o fenómeno tribal, quer dizer, aquela afinidade de sentimentos que existe entre duas pessoas pertencentes à mesma tribo e a desconfiança entre indivíduos sem formação política, e pertencentes a tribos diferentes. Hoje estamos de acordo que o desenvolvimento da nossa luta passa pela liquidação da contra-revolução. A contra revolução divide o nosso povo e lança a confusão no plano internacional. O problema que hoje nos preocupa é o de como combater a contra revolução. Para já estão completamente errados aqueles que afirmam que para combater a contra revolução, o MPLA tem de se servir das mesmas armas de que ela se serve, entre os quais o tribalismo e a aliança com o imperialismo internacional. Isto é oportunismo dos mais refinados. Nada de seguro se pode construir na base de oportunismo. Aqueles pois que querem chegar a dirigentes ou que querem manter os seus postos de direcção tem agitando o espantalho da representatividade tribal ou regional devem ser combatidos implacavelmente. Na fase actual da nossa luta o MPLA não pode tolerar o tribalismo no seu seio e muito menos no seio da direcção da luta. Nada de positivo se constrói na base de oportunismo. A desintegração do grae fornece-nos a esse respeito seguras indicações. Nós não queremos na Direcção do MPLA representantes desta ou daquele grupo étnico, desta ou daquela região; queremos homens devotados à causa do nosso Povo, de Cabinda ao Cunene. O verdadeiro combate à contra-revolução faz-se no entanto, principalmente, graças a um maior engajamento na luta, por parte da nossa organização. Não nos esqueçamos nunca de que a aspiração maior do nosso Povo é ver-se livre dos colonialistas. Este sentimento é mais forte do que o sentimento tribal, muito mais forte. As próprias organizações fantoches o sabem bem. A contra revolução não se limita na sua propaganda a aplaudir esta ou aquela tribo. Elas são obrigadas a prometer a independência. E muitas até fixam a data. Sem estas promessas elas não se conseguem aliciar ninguém por mais perfeita que seja a sua propaganda tribal. Até Alexandre Taty se vê obrigado a prometer a independência ao povo de Cabinda. De tudo isto nós devemos portanto concluir que o combate à contra revolução passa por um maior engajamento na acção revolucionária por parte do MPLA. Se o MPLA goza hoje de tanto prestígio dentro de Angola, não é por outra razão senão pelo esforço gigantesco que ele tem feito ultimamente em combater o colonialismo. E todas as etnias de Angola aplaudem esse esforço. O MPLA é verdadeiramente a única organização nacionalista que é capaz de levar a cabo uma luta consequente contra o inimigo. Ninguém mais em Angola pode organizar uma luta armada consequente senão nós. Ora, sem luta armada nada de seguro se pode construir em Angola. Nesta guerra que se trava entre o MPLA e a contra revolução, visto que o sentimento predominante no seio das nossas populações é o desejo a independência, nesta guerra dizíamos nós, acabará por vencer aquele que conseguir verdadeiramente de galvanizar e arrastar as massas para uma acção consequente e organizada contra o colonialismo português. Isto quem pode fazer é o MPLA. Nós teremos paralelamente de fazer um trabalho de politização, de explicação junto das massas contra os fantoches. É portanto necessário combater o tribalismo sob o ponto de vista político, desmascarando os oportunismos que com ele se comete. Mas, repito, isto mesmo sem nunca perdermos de vista que o povo quer é a independência nacional. Hoje, por exemplo, podemos lamentar os nossos programas da rádio ainda não possam ser feitos nas línguas faladas no Leste e Sul de Angola, mas devemos lamentar ainda mais que ainda não tenhamos conseguido implantar núcleos de nossos guerrilheiros em todas essas regiões. Podemos afirmar hoje que nunca a situação foi tão favorável ao MPLA como é agora. Até nas cidades adormecidas se desperta de novo para a luta sob a direcção do MPLA. Uma nova vaga de entusiasmo varre o território de Angola de Cabinda ao Cunene. Na base de todo este entusiasmo está indiscutivelmente o MPLA, que proclamou já a generalização da luta armada por todo o território nacional e decidiu transferir a sua sede para o interior de Angola. Se hoje ainda não conseguimos dar o golpe mortal à contra revolução, é certo que em grande parte isso se deve às manobras imperialistas; mas não é menos certo de que essa situação é passageira. A contra revolução não age só no exterior de Angola, em Kinshasa, na Zâmbia, em Ponta Negra, no Cairo, na Tunísia, em Argel, ou na OUA. A contra revolução age também no interior de Angola e é lá que ela nos incomoda verdadeiramente. Por isso é também lá onde nós a devemos combater, é no interior de Angola que nós teremos de combater o tribalismo, é no interior de Angola que nós teremos de desmascarar os oportunistas, é no interior de Angola que nós teremos de criar os órgãos do poder popular, é no interior de Angola que teremos de esmagar a contra-revolução. Conclusões: 1º O MPLA é a única organização nacionalista que sempre se pronunciou mais claramente sobre os problemas do nosso povo, que sempre apontou as soluções mais justas. Pelos ideais que sempre defendeu e pelos objectivos que sempre se propôs atingir, pelos esforços que também nunca deixou de fazer a favor da luta, o MPLA foi sempre a organização de vanguarda do Povo Angolano. 2º Hoje a posição de vanguarda do MPLA está consolidada e reforçada. A acção do MPLA no interior do país colocou o MPLA na posição de única força dirigente do Povo Angolano para a independência completa. Hoje o MPLA é a organização de vanguarda do Povo Angolano não só pelos objectivos que se propõe atingir mas também e sobretudo porque é a única organização que tem verdadeiramente força político-militar no interior do país. 3º Em quase todas as lutas de libertação nacional aparecem sempre várias organizações. Agindo no interior do país debaixo da pressão do inimigo essas organizações acabam normalmente por encontrar uma plataforma de entendimento. Todavia o facto de as organizações nacionalistas terem funcionado no exterior fez com que aquelas politicamente mais fracas acabassem por ser controladas pelo imperialismo que age contra a Unidade do Nacionalismo Angolano. 4º Essas organizações fantoches perderam todo o carácter patriótico. Deixaram de defender os interesses do Povo. Agem segundo as directrizes do imperialismo contra os verdadeiros interesses do Povo Angolano e contra a sua organização de vanguarda, o MPLA. 5º As principais organizações fantoches são: a Upa ou grae, a Unita e os grupos de Taty e Zita André. O tribalismo é uma das armas mais importantes de que elas se servem. Outros fantoches também são utilizados: o racismo e a religião por exemplo. 6º A contra revolução angolana que é incarnada por essas organizações deve ser liquidada para a nossa luta poder avançar. Ou essas organizações aceitam colaborar honestamente com o MPLA, o que é muito difícil, ou devem desaparecer. Para poder combater eficazmente a contra-revolução, o MPLA precisa de estar solidamente implantado no interior. Sendo o ódio aos colonialistas e o desejo de independência, os sentimentos que prevalecem no nosso povo, podemos concluir que o MPLA ganhará o combate à contra-revolução por ser a única organização capaz de galvanizar as massas para uma acção concreta contra o inimigo. 7º Do que atrás foi dito também se conclui que para combater a contra revolução o MPLA não terá de se servir dos métodos oportunistas. Não é fazendo tribalismo que se combate o tribalismo. Ninguém pode estar na Direcção do MPLA por ser desta ou daquela tribo, desta ou daquela região, mas pelas provas de militância já fornecidas. A Direcção político-militar da nossa luta deve estar nas mãos dos angolanos que pela sua militância e pelas suas convicções ideológicas são capazes de garantir a consecução dos objectivos máximos da Revolução Angolana.

1ª Assembleia Regional das 1ª e 2ª Regiões (Dolisie, 22 a 25 Fev. 1968) - Relatório do destacamento Ferraz Bomboko

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