A orientação do MPLA como organização dirigente do povo angolano

Cota
0101.000.010
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Fev 1968
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
5
Acesso
Público
A ORIENTAÇÃO DO MPLA COMO ORGANIZAÇÃO DIRIGENTE DO POVO ANGOLANO Ao entrarmos no oitavo ano de luta pela independência nacional, uma nova situação política e militar se nos depara, motivada pelo próprio desenvolvimento da luta armada. Durante os anos de 1966 e 1967 as conquistas político-militares representadas pela abertura de mais duas frentes de combate, a terceira e quarta regiões militares, o envio de dois destacamentos para reforço da primeira região militar e a consequente intensificação da luta nesta região, põem-nos a face a outras realidades que necessitamos assimilar. Na verdade, o alargamento das diferentes frentes de combate em superfície em potencial humano, exige-nos a resolução imediata e a longo termo de problemas que se não nos tinham ainda apresentado, uns, outros embora existissem não levaram senão soluções momentâneas. Em primeiro lugar sobressai o problema crucial da própria direcção da luta, direcção que até à data se tem mantido no exterior, separada das massas, as quais dificilmente ausculta e pressente e que desde agora necessita de se integrar no teatro da luta, para poder ter uma justa percepção das realidades e poder discutir, orientar e decidir de acordo com elas. O primeiro passo a dar portanto, na fase actual, é o da entrada imediata do órgão executivo da nossa organização para o interior. Esta acção no entanto não frutificara se não se fizerem grandes modificações e melhorias nos métodos de trabalho internos ao executivo, se os seus próprios membros continuarem com a mentalidade daqueles que tudo sabem, de sabichões a priori, isto é, se a falta de estudo congénito que têm demonstrado alguns membros do Comité Director continuar. É impossível *[manuscrito: é (texto ilegível) estupidez] tentar-se dirigir um movimento revolucionário quando os seus próprios dirigentes não fazem o mínimo esforço para aumentarem os seus conhecimentos políticos e militares. É necessário que o corpo executivo seja um órgão colectivo, seja um órgão onde se trabalhe por equipas, onde o trabalho individual não é aceite senão em casos extremos. É preciso portanto combater eficazmente o individualismo no seio de todos os órgãos do nosso movimento. Só modificando os métodos de trabalho, combatendo o individualismo, o empirismo, o anarquismo, seremos capazes de aumentar a capacidade combativa da organização e do povo, começando já mesmo pelo órgão executivo. O comodismo que tão naturalmente se enraíza quando se esta longe das dificuldades, longe da luta, traz em si o gérmen de despreocupação, da falta de combatividade. Um executivo onde tais defeitos sejam moeda corrente, deve ser privado daqueles que os personificam, por que discutir, decidir e aplicar os problemas relativos ao aprovisionamento popular, relativos às complexas necessidades de cultura, educação e ideologia relativos às tácticas e estratégias da guerra popular, são tarefas que só uma organização com executivo verdadeiramente revolucionário pode resolver. Quer dizer portanto, que necessitamos desde já fazer uma depuração daqueles que se têm revelado incapazes, incoerentes e sem qualquer qualidades de trabalho. Impõe-se pois uma depuração feita na base das capacidades, do trabalho e da moral. É da moral porque justamente aquele que prega uma moral revolucionária é o primeiro que deve exemplifica-la, personifica-la; É o primeiro que não deve usurpar ou dizer roubar o património popular, aquele que não deve usurpar a dignidade e a personalidade de cada um. Bem entendido que muito do que atras se disse está intimamente ligado, por vezes, à origem social a que cada um de nós pertence. Ora uma revolução, a nossa revolução, para ser como a queremos, e para ser completa, menece necessita, e temos que salvaguardar este objectivo custe o que custar, de ser dirigida pelas camadas mais exploradas, os operários e os camponeses, e por aqueles que embora de origem social diferente se identifiquem absolutamente com as aspirações mais profundas das massas populares. Só aqueles camponeses e estes int. rev. são gente capaz de se mostrarem à altura de dirigentes. Não queremos aqui levantar a discussão da existência ou não de classes sociais no nosso país; basta-nos constatar que elas existem em embrião ao nível nacional e que se podem repercutir no interior do nosso movimento, não através de um credo político declarado, mas através de atitudes e comportamentos quotidianos que são os mais difíceis de dissimular através das posições tomadas em relação à estratégia e a táctica à adoptar, até mesmo através da nenhuma manifestação de consciência ideológica. Assim se poderá então, depois de passar o CD para o interior, modificar-lhe os métodos de trabalho e de estudo, de aumentar-lhe a capacidade combativa e executiva, assegurar uma implantação política generalizada em todo o território nacional. Mas esta implantação política generalizada só se poderá efectivar com segurança depois de se trabalhar afincadamente na consolidação política das zonas sob o nosso controle de modo a facilitar apartir daí uma irradiação constante para todo o restante território nacional. E na base da consolidação política, através da criação de novas e revolucionárias instituições civis, e da elevação do nível político das populações, paralelamente à intensificação da formação de quadros políticos, que se conseguirá destruir de maneira eficaz a contra-revolução interna e externa, o que por si só constitui uma das tarefas imediatas mais importantes a realizar. E que não podemos perder de vista que uma das forças motrizes da estratégia inimiga continuará sendo a tentativa de divisão no interior do nosso movimento. Nesta ordem de ideias, o inimigo não poupará esforços no seu plano estratégico, para coordenar, com o imperialismo, esta actividade divisionista no interior, com tentativas cada vez mais sérias para nos cortar as bases e vias de reabastecimento do exterior. Pensamos que é este um dos objectivos maiores do imperialismo no momento actual e no decorrer dos próximos meses. Está nas nossas mãos a maneira de minimizar esta acção estratégica imperialista; a criação de diversas bases logísticas no interior mesmo do nosso país, será pensamos o caminho mais acertado a seguir. Cabe aqui lembrar a necessidade cada vez mais premente para a nossa organização de criar nos prazos mais próximos um organismo central de recolha e triagem de informações de todo o género sobre o inimigo. De resto este organismo facilitar-nos-á a tarefa imediata e não menos importante de liquidar total e definitivamente todas as forças anti-MPLA. Não é descabido tão pouco propor como trabalho urgente, a criação de uma rede clandestina da nossa organização através de todo o território ou se ela já existiu nalguns pontos, estende-la a todo o país e assegurar-lhe uma ligação constante com a cabeça da organização. Estas portanto a nosso ver as tarefas imediatas a encontrar no plano político para a realização plena de um dos nossos objectivos próximos: a tomada de poder político. No plano militar, que é o prolongamento natural do plano político, a nossa acção deve realizar-se no sentido da generalização real da luta armada a todo o país, em primeiro lugar, com especial incidência na preparação política intensa das populações citadinas afim de as preparar para o começo das actividades propriamente militares nas cidades dentro dos próximos dez meses, e em segundo lugar, no sentido da consolidação efectiva militar das zonas já sob o nosso controle, através de pequenos grupos de guerrilheiros, mas, sobretudo, através de destacamentos de milícias populares devidamente preparados politicamente e militarmente. As bases logísticas de que falamos atrás serão um trunfo a não desprezar no capítulo da consolidação militar territorial. Quadros militares Aqui nos aparece também o grave problema da formação de quadros militares que necessita de ser intensificado o máximo possível, devido às exigências cada vez mais maiores em responsáveis militares devidamente qualificados política e militarmente. De resto é de fundamental importância fazer-se um esforço no sentido de aumentar o nível político e cultural dos actuais quadros militares e guerrilheiros em geral, que nas condições relativamente fáceis de momento têm mostrado por vezes uma falta grave de formação política e de formação moral. Com a criação progressiva das milícias populares que terão essencialmente um papel de auto-defesa e de policiamento nas regiões sob o nosso controle, um número de militares se encontrava livre destas tarefas, o que nos permitirá assim lançar as bases para a criação também progressiva de unidades militares regulares que a nosso ver não devem ser construídas na base dos destacamentos guerrilheiros, mas sim na base de uma formação política segura e uma afiliação concreta ao movimento. Na fase actual da nossa luta armada, a defensiva é importante para nós que apliquemos as medidas necessárias, para uma acumulação de potenciais militares e políticos. Uma tal acumulação feita a partir de hoje é a base mesma para a passagem à fase seguinte, a de equilíbrio de forças, que devemos procurar atingir nos prazos mais breves possíveis. No plano social novas batalhas há que travar no imediato e cujos resultados servirão de primeiras pedras para soluções mais duradouras no nível nacional. Quadros Ocupando o lugar de destaque entre as demais tarefas temos o aumento da produção acompanhado de um esforço da parte da nossa organização no sentido da formação de quadros para a produção, isto é, elementos com conhecimentos que permitam aumentar o rendimento das culturas actuais e futuras. Deve-se desde já procurar diversificar a produção tendo em vista que o fim dela neste momento não é o da comercialização no exterior mas sim o do abastecimento das próprias populações e da guerrilha. Ensino No campo do ensino um esforço enorme nos é exigido. A necessidade absoluta de novos CIR e de novas escolas primárias é indiscutível e a nossa organização não pode deixar de corresponder a esta necessidade popular da maneira mais firme e decidida. Para tal, pensamos que será uma medida acertada a nomeação de uma comissão de ensino que deverá analisar sur place as necessidades de instrução popular e depois de propor as medidas que achar necessárias. Esta comissão composta de vários membros será posteriormente encarregada da orientação escolar em todos os níveis e para todo o território. Ela terá a seu cargo o estudo e estabelecimento de todos os programas escolares e capítulo este de alfabetização, este de importância fundamental. A chamada de estudantes para preencherem os cargos de professores é uma outra medida que se deve analisar. Ensino no Interior Cabe aqui deixar bem claro que o esforço total do ensino deve ser feito no interior do país onde estão concentradas juntamos as maiores massas analfabetizadas e as quais são actualmente e num futuro próximo a matéria prima da nossa revolução. Refugiado O refugiado deve ser obrigado a reintegrar-se na nossa sociedade em formação e é lá somente que ele deve usufruir das facilidades todas que o nosso movimento dá aos angolanos. Dar ao refugiado facilidades de instrução, assistência médica, etc, no exterior e convidá-lo a ficar no exterior, isto é, a viciar-se, a desmobilizar-se. No que diz respeito à Assistência Sanitária medidas idênticas se devem tomar com o fim de aumentar em quantidade e qualidade o número de quadros de enfermagem. Alguns estudantes de medicina recém-iniciados poderão também sofrer no interior um período mínimo de prática enfermeira. Uma ajuda estrangeira em pessoal especializado em medicina parece-nos uma medida sobre qual será necessário meditar. As medidas que temos vindo neste documento parece-nos de capital importância, na medida em que a nossa luta armada se deve basear numa estratégia de luta de longa duração que é aquela que mais nos favorece e a única aplicável se queremos verdadeiramente transformar radicalmente o nosso país sob os pontos de vista económico, político e humano. Fazer uma luta armada é fácil mas recrear a matéria prima dessa mesma luta armada é obra incontestavelmente superior. No entanto é a esta obra que nós metemos os ombros. Permitam-me perguntar se teremos errado ao escolhermos tais objectivos. A resposta pelo menos no plano ideológico é de que não erramos e que pelo contrário este é o caminho a seguir. Importa pois desde já levantarmos o problema da viabilidade de tais objectivos na prática. Para que este problema possa ser objectivado necessitamos de dotar a luta do povo angolano de uma organização em que a disciplina seja mais forte, em que a orientação e os objectivos estejam mais claramente estipulados, em que os militantes estejam reunidos em estruturas mais sólidas, em que as ligações entre essas estruturas sejam mais coesas, e em que a direcção da luta pertença indiscutivelmente àqueles elementos mais avançados e mais capazes a que já nos referimos atrás. Esta é uma questão fundamental já porque nas condições do nosso país o problema de organização é um problema de importância transcendente. Devemos aqui notificar, de resto, que necessitamos imperiosamente de clarificar, sem margens para dúvidas, a nossa posição relativamente ao imperialismo mundial, sem que, no entanto, não poupemos esforços para reforçar a nossa posição política no seio do continente africano. E que a nosso entender a táctica diplomática da nossa organização deve incidir no sentido da intransigência ao imperialismo, e, de uma maleabilidade em relação aos países africanos mesmo os já ditos e conhecidos como pró-ocidentais. Ao adoptarmos tais medidas e tal orientação interna e externa não podemos perder de vista alguns dos outros males naturais nas massas populares africanas e por vezes com repercussões no interior do nosso próprio movimento: referimo-nos ao tribalismo. Um combate cerrado a partir do interior do próprio órgão executivo para a base, é algo que reputamos como essencial. De resto se hoje a nossa organização se encontra numa posição de liderança indiscutível no interior do país, tal como no exterior, o facto de nós termos afirmado sempre como anti-tribalistas e anti-racistas não é das razões de menor importância. E que as massas populares conscientes em geral e os governos africanos em particular, mesmo os reaccionários, são refractários às linhas políticas declaradamente tribais ou racistas. No entanto, o facto de o apregoarmos aos quatro ventos e de tal estar estipulado nos documentos básicos do nosso movimento, não é razão para fecharmos os olhos quando no nosso próprio seio observarmos tais manifestações. Somos líderes do nacionalismo angolano e por isso mesmo o dever revolucionário nos obriga a uma intransigência cada vez maior em relação a tais atitudes dentro do MPLA. Que cada um denuncie em alto e bom som e sem qualquer temor ou hesitação todas as vezes que tais atitudes sejam tomadas. A existência mesmo de uma organização com tais características, aliadas a uma política nitidamente pró-imperialista, é um factor do qual ainda podemos tirar muito partido. É indiscutível que a existência da UPA no seio do nacionalismo angolano tem sido um dos factores que mais nos tem ajudado no combate aos abortos ideológicos que são o tribalismo e o racismo. Necessitamos somente agora de aproveitar ainda mais e melhor a sobrevivência dos fantoches nacionalistas para levantarmos as nossas massas populares a aceitar posições cada vez mais intransigentemente anti-imperialistas. Uma larga campanha de formação e informação ideológica a nível nacional baseada na realidade quotidiana da política fantoche será um dos primeiros passos a dar para atingirmos tal objectivo. Agudizemos hoje a luta ideológica, baseando-nos na existência declarada e reconhecida dos fantoches no seio do nacionalismo angolano. De tudo o que foi exposto podemos concluir que a orientação do nosso movimento deve ter como base os três pontos seguintes: 1- é essencial que se mantenha um estratégia de luta de longa duração por ser a que maiores possibilidades nos oferece de realizarmos uma verdadeira Revolução para além da luta para a Independência Nacional; 2- o nosso movimento deve concentrar todos os seus esforços na implantação, consolidação e organização do interior do país, durante a fase actual; 3- o nosso movimento, devido as exigências da própria luta deve procurar modificar as suas estruturas dentro dos prazos mais breves; para que esta modificação se efective devem ser feitos todos os esforços para a realização, ainda este ano de uma Conferência Nacional no interior do país. VITÓRIA OU MORTE A VITÓRIA É CERTA !
1ª Assembleia Regional das 1ª e 2ª Regiões (Dolisie, 22 a 25 Fev. 1968) - Documento do MPLA «A orientação do MPLA como organização dirigente do povo angolano»
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