Carta de Deolinda Rodrigues ao Comité Director do MPLA

Cota
0098.000.041
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel Comum
Remetente
Deolinda Rodrigues
Destinatário
Comité Director do MPLA
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
4
Acesso
Público
Kinkuzu, 21/12/67

Queridos
Camaradas do C.D.
Brazza

Às portas das Festa da Família espero que haja a oportunidade para a maioria da nossa família Revolucionária passar esse dia em boas condições de saúde e de trabalho.
Cá estamos sempre ansiosas por receber notícias vossas já que as da rádio não nos alcançam sempre e na integridade. Gostamos de ouvir que Simaró e os outros chegaram porque podem pôr-lhes a corrente de tudo.
O estado de saúde de todos os camaradas aqui é precário, como sempre, principalmente. os homens e a camarada Engrácia. Quanto à nossa situação, isto é, libertação, não o Sr Gourgel que nos mantém aqui. O Peterson diz que vamos ser espalhados para trabalhar com eles em Elisabethville, Tshipapa, Léo, etc; ora vai mandar-me para Angola (isto para me amedrontar), ora vai mandar enterrar vivo o Camarada Benedito; ora há zunzuns de que Lucrécia e Teresa vão ser soltas e as restantes três vão ser dadas a maridos. Enfim, não compreendemos verdadeiramente o que querem fazer de nós. Suplicamos que nos enviem drogas para nos matarmos no dia em que quiserem forçar-nos a aceitar maridos. Por favor! Talvez por causa da doença da Engrácia, a ração para nós melhorou um pouco nestes 2 últimos meses. O pior é a situação dos nossos camaradas. Se daí nos enviassem dinheiro podíamos ajudá-los de vez em quando. Para isto (dinheiro) e para as vossas cartas, o método de enviá-lo é enfiarem isso (depois de envolvido em plástico) nos tubos de Pepsodent visto que à entrada fazem muita revista e as notícias sobre o nosso MPLA fazem-nos muita falta. Camarada Benedito está a ficar cego, além de sofrer de hemorroides (mal geral aqui) e dor de dentes (idem). O Velho Folhas Caídas sofre de reumatismo. Os outros (incluindo eu), anemia.
Quanto ao resto: pedimos que nos programas de rádio expliquem bem ao Povo o que é o MPLA que está a armá-lo. Estes agora andam muito orgulhosos das nossas SKS, AK, etc. Os Camaradas aí não podem imaginar o que sentimos quando vemos os guardas da nossa prisão a vigiar-nos com as nossas armas. Recomendamos, sempre que pudermos, para que tratem bem destas armas. Nós sentimos também nesta gente uma grande preocupação de aproveitarem os quadros do MPLA.
Chegou recentemente de Angola um tal Malunji, secretário do Margoso, que alega terem aniquilado os nossos destacamentos Kamy e Cienfuegos e terem recebido o nosso armamento lá dentro. Será verdade? Consta que o tal Margoso está a caminho daqui. Têm enviado soldados a Cabinda e brevemente parte mais gente para o interior. Não sabemos se levarão as armas conseguidas pelo Movimento.
A partir desta semana, há um destacamento especial de soldados da fronteira de Kasongo-Lunda a guardar a “nossa” área que inclui também a estação deles da TSF e a moradia do “Estado-maior”. Estamos assim um tanto isoladas do resto da gente aqui. Parece que temem um ataque por ocasião das festas; aliás, vivem sob este constante cauchemar.
O Movimento teria mandatado o Rev. Andrade para tratar de um plano de fuga para nós? Ou seria uma cilada que estão a tramar-nos? Precisamos de saber ao certo.
Continuamos ansiosas por saber o paradeiro do Ludi, Chargé, Jó, Sangue-do-Povo porque ouvimos todas as versões sobre a morte deles. Tashkent também, assim como Ndoji e Kalé.
Do fundo do coração agradecemos a OMA, JMPLA, UEA e outras organizações amigas pela campanha que têm feito a nosso favor. Que não se cansem. Apertar mais a UGEC de Louvanium para pressionar a nossa libertação. Esperamos que o Movimento e suas organizações de massas continuem a crescer e a fortalecerem-se, apesar de tantas dificuldades. São essas barreiras mesmo que nos ajudam a crescer revolucionariamente e a aprender dos nossos erros. Portanto, nada de desânimo. Se um dia sairmos daqui, óptimo, se não, que o povo angolano saiba vencer, apesar da dor de nos perder, muitos outros combatentes passaram por isto e talvez outros passarão, infelizmente.
Aqui muitas vezes apresentam-nos aos congoleses e aos militantes que vêm do interior como “as criminosas, soldadas dos tugas, que iam ao interior, matar os combatentes do grae”. Que coisa!
Nós queremos que o Movimento diga o que devemos fazer se nos obrigarem a trabalhar para eles: greve de fome, suicídio? Simples recusa não deve dar nada. Estamos prontas a fazer o que o MPLA quiser e nos disser. Esperamos directrizes. Não se preocupem muito connosco.
O importante é que o trabalho avance e o Povo angolano saia vitorioso contra o colonialismo português, sob a bandeira do MPLA.
Quem é o moço que ultimamente tem falado na rádio? Parece-nos desconhecido. Enfim, curiosidade feminina, mesmo da prisão!...
Bem, vão todos os nossos melhores votos para Dirigentes e não Dirigentes do nosso MPLA. Que em 1968 a luta avance ainda mais. Coragem e sempre em frente.

VM Deolinda

Carta de Deolinda Rodrigues (presa em Kinkuzu) ao Comité Director do MPLA.

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