Declarações de Joaquim de Jesus Veiga

Cota
0098.000.038
Tipologia
Declaração
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel Comum
Autor
Joaquim de Jesus Veiga
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
3
Acesso
Público
DECLARAÇÕES DO DESERTOR JOAQUIM DE JESUS VEIGA

Natural de Guedieiros (conselho de Tabuaço, distrito de Viseu), nascido a 5 de Janeiro de 1944, filho de Aníbal Veiga e de Urbana de Jesus (residente em Guedieiros, solteiro).

Foi incorporado na Figueira da Foz, na Companhia de Instrução de condutores Auto (CICA 2 e esteve no Regimento de Artilharia Pesada 3) Fª da Foz. Exercia a profissão de empregado de café restaurante em Sintra e de mercearia em Lisboa.
Partiu para Angola em 22 de Janeiro de 1966 no Batalhão 1874, Cª 1492. O batalhão desembarcou em Cabinda, enquanto outros três Batalhões que vinham no mesmo barco continuaram para Luanda. O seu Batalhão foi para o Belize e dali dividiu-se entre Beliza (2 companhias), Luali (1 Cª) Caio Njembo (1 Cª), Miconje (1 Cª). A sua companhia foi para o Luali.
As tropas estão distribuídas em companhias. No Luali não teve nenhuma acção. Esteve lá cerca de 15 meses. Faziam algumas patrulhas. As viaturas iam do Luali ao Buco Zau, passando por Belize.
DOCUMENTOS QUE POSSUI – BI civil e BI de tropa, Carta de condução militar (Os 2 primeiros estão com autoridades congolesas).
FUGA – Estava já no Massabi, onde passou depois de 15 meses no Luali. Tinha uma ferida na perna direita que não sarava. Mandaram-no para Cabinda. A primeira vez que foi ao médico surgiu um problema com uma guia de marcha que lhe exigiam e que não lhe tinham dado para escapar à situação irregular passou a comer em quarteis alternadamente, tendo estado algum tempo ausente do quartel onde os tinha apresentado, o que causou estranheza ao capitão que o deu como desertor. Quando soube disso já estava realmente com ideias de fugir e tinha entrado em contacto em uns alemães tripulantes de um barco que estava a desembarcar tubos para os americanos do petróleo. Um desses era um tal FRIEDRICH SCHROEDER, Lauensternster. 18 2 Hamburg 33 e outro era um tal HEINZ OPOLKA 4934 HORN/LIPPE, Mauerstr, 12.
No fundo a sua fuga era pelo desejo de ganhar como devia ser, pois ali só ganhava 751$ nos meses de 30 dias. Uma das razões que o faziam fugir era não só o ordenado baixo, mas as penalidades a que como condutor estava sujeito por causa dos acidentes. Em tempo de chuva era um caso sério, pois as derrapagens custavam caro.
Conheceu o Fernando Conceição no café em Cabinda na altura em que estava a falar com os alemães. Combinaram fugir num barco pequeno, mas falhou por falta de combustível e resolveram roubar uma Land Rover na casa Nogueira. A fuga deu-se de para 5 de Novembro. Era um sábado.
FARDAMENTO- Trouxe a sua farda não camuflada.
QUARTEIS MAIS IMPORTANTES QUE TEM CONHECIMENTO-
MASSABI- 1 companhia de caçadores e tropas TE (tropas especiais do Tati).
Além da companhia tem 8 homens para o canhão (2 guardas por dia)
4 morteiros (não conhece o calibre). O quartel está cercado por arame farpado não electrificado. No total possui cerca de 200 homens. O quartel está a 4 km da fronteira. Dentro do quartel há um regime ligeiro. Praticamente não há formaturas. Chamam para o café às 7h e depois distribuem-se alguns trabalhos (água, lenha, limpezas, etc.)
O quartel está cercado por arame farpado a cerca de 10 ou 15 metr.
O canhão também está cercado. As sentinelas rendem-se de hora e meia em hora e meia. Há um paiol de madeira, cercado por um montão de terra que só deixa adivinhar o teto. O sentinela de paiol está quase sempre no refeitório.
Há no quartel 5 oficiais, 4 alferes e um capitão. Em geral sai um pelotão em operações, podendo demorar-se 3 ou 5 dias. No Massabi as tropas são portuguesas.
LUALI - Há neste quartel 1 companhia e 1 pelotão de TE.
DINGE - Há muita tropa (CCS – Companhia de Comandos), 1 secção de morteiros, 2 pelotões TE.
BELIZE - duas companhias do Batalhão 1886
PRATA - uma companhia
TANDO ZINZE – “ “
MICONJE - uma companhia de madeireiros e açoreanos
CAIO NJEMBO - uma companhia
ALEXANDRE TATI - é o comandante dos TE de Cabinda. Dizem que ganha cerca de 15 contos por mês. A 3 km do Massabi para o Dinge, do aldo esquerdo, há um posto TE. A inscrição dos TE (tropas especiais – Tati) é com eles.
FORTES – Julga ter visto um angolano que se teria entregue, Barbudo e cabeludo, em Cabinda, na rua e no cinema, no mesmo dia. Ouviu uma conversa que ele contou (?) sobre a fuga na base em que estava preso.
AVIAÇÃO Só conhece o NORATLAS que vem diariamente de Luanda excepto à 6ª e domingo.
OPVD – Nunca ouviu falar
PIDE- Sabe que em todos os batalhões ou mesmo companhias há sempre um ou dois, mas não sabe quantos são.
LEVANTAMENTOS Não assistiu a nenhum apesar de não faltar vontade. Há lá um feroz capitão, o cptº REIS.
ALIMENTAÇÃO Spagheti, batatas, arroz com peixe e atum de conserva. De vez em quando – carne.
A ração de reserva (para operações – Latas de conservas, comporta e bisnaga de leite, etc.
MPLA – Ouviam-se algumas vezes o programa daqui: os oficiais não mandavam mudar mas sim apagar.
INFORMAÇÕES GERAIS – Cabinda está cheia de americanos. Já se declara que ele está disposto a ajudar Portugal na guerrilha para salvar as aparências. Os americanos continuam a fazer sondagens. Estacionam na maior parte entre Lândana de Cabinda (aérea de Malembe).
MORAL das tropas – No princípio a malta acredita nas histórias, mas para o fim alguns deixam de acreditar.
Instrução – Houve uma vez um grande borburinho por causa de falsificação de certificados da 4ª classe a troco de 500 esc. Quem falsificou foi o sargento Viegas. Esses quinhentos escudos, muitos diplomas fizeram preencher, é o sargento do 1º pelotão de Massabi.
LIGAÇÕES COM OPOSIÇÃO – Nunca se interessou por política porque em Portugal não se pode abrir a boca. Nunca votou.
Futuro – estava disposto a ir para onde arranjasse trabalho, nomeadamente. Não se importa de ir para Alger.
Está disposto a fazer um croquis do Massabi, canhão e estrada.

17 de Dezembro de 1967

Declarações de Joaquim de Jesus Veiga (desertor do Exército português).

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