Discurso de Che Guevara no Seminário Afro-asiático de Argel

Cota
0097.000.046
Tipologia
Discurso
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
Ernesto Che Guevara
Locais
Data
1967
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
10
Acesso
Público
*[Manuscrito: “Revista tricontinental nº de 1967-p.19/30”
“Tradução do discurso de Che Guevara”
“Ao cam. Lúcio Lara 21.10.71”]
*[Rubricado]

DISCURSO DE CHE GUEVARA NO SEMINÁRIO AFRO-ASIÁTICO DE ALGER (22 A 27 DE Fevereiro de 1965)

Queridos irmãos,

Cuba chega a esta Conferência para elevar sozinha a voz dos povos da América e, como noutras ocasiões e reafirmamos, também falo na sua condição de país subdesenvolvido que ao mesmo tempo constrói o socialismo. Não é por acaso que a nossa representação se permite emitir a sua opinião no círculo dos povos da Ásia e a África. Uma aspiração comum, a derrota do imperialismo, unemos na nossa marcha para o futuro; um passado comum de luta contra o mesmo inimigo uniu-nos ao longo do percurso.
Esta é uma assembleia dos povos em luta; desenvolveu-se em duas frentes da igual importância e exige o total dos nossos esforços. A luta contra o imperialismo, para libertação dos entraves coloniais ou neo-coloniais que se conduz por meio das armas políticas, das armas de fogo ou por combinação de ambas, não está desligada da luta contra o atraso e a pobreza; ambas são etapas de um mesmo caminho que conduz à criação de uma sociedade nova, ao mesmo tempo rica e justa. É imperioso obter o poder político e liquidar as classes opressoras, mas depois há que afrontar a segunda etapa da luta que adquire características provavelmente mais difíceis do que a anterior.
Desde que os capitais monopolistas se apoderaram do mundo, mantiveram na pobreza a maioria da humanidade, repartindo-se os lucros entre o grupo dos países mais fortes. O nível da vida desses países está baseado na miséria dos nossos. Para elevar o nível de vida dos povos subdesenvolvidos, há que lutar, pois, contra o imperialismo. E sempre que um país se desprenda da árvore imperialista ganha-se não somente uma batalha parcial contra o inimigo fundamental, mas também contribuir-se para o seu real debilitamento e dá-se um passo para vitória definitiva.
Não há fronteiras nesta luta de morte; não podemos permanecer indiferentes face ao que ocorre em qualquer parte do mundo; uma vitória de qualquer país sobre o imperialismo é uma vitória para nós, da mesma maneira que a derrota de qualquer nação é uma derrota para todos. O exercício do internacionalismo proletário é não só um dever dos povos que lutam para assegurar um futuro melhor, mas é também uma necessidade indeclinável. Se o inimigo imperialista, americano ou qualquer outro, desencadeia a sua acção contra os povos subdesenvolvidos e os países socialistas, uma lógica elementar determina a necessidade da aliança dos povos subdesenvolvidos e dos países socialistas; se não houvesse nenhum outro factor de união, o inimigo comum deveria constituí-lo.
Claro que estas uniões não se podem fazer espontaneamente, sem discussões, sem que anteceda um parto, por vezes doloroso. Sempre que se liberta um país, repetimos, o sistema imperialista mundial sofre uma derrota, mas devemos concordar que o desengajamento não de mero facto de se proclamar uma independência ou de se conquistar uma vitória com armas numa revolução; sucede quando o domínio económico imperialista cessa de exercer sobre um povo. Por conseguinte, aos países socialistas interessa como coisa vital, que se produzem efectivamente esses desengajamento e é nosso dever internacional, o dever fixado pela ideologia que nos dirige, contribuir com os nossos esforços para que a libertação se faça o mais rápido e profundamente possível. De tudo isto deve extrair-se uma conclusão: o desenvolvimento dos países que começam agora a percorrer o caminho da libertação deve pesar sobre os países socialistas. Afirmamo-lo desta forma, sem a menor intenção de fazer chantagem ou escândalo, ou de buscar uma fácil maior aproximação para o conjunto dos povos afro-asiáticos; é uma convicção profunda. Não pode existir socialismo se nas mentalidades não se operar uma mudança que provoque uma nova atitude fraternal frente à humanidade, tanto de índole individual, na sociedade onde se constrói ou se até a construir o socialismo, como de índole mundial em relação a todos os povos que sofrem a opressão imperialista. Cremos que com este espírito deve ser encarada a responsabilidade da ajuda aos países dependentes e que não se deve falar mais de desenvolver um comércio de benefício mútuo baseado nos preços que a lei do valor e as relações internacionais da troca desigual, produto da lei do valor, impõem aos países atrasados. Como poder haver benefício mútuo, se se vende a preços do mercado mundial as matérias primas que custam suor e sofrimento sem limites aos países atrasados e se compra a preços de mercado mundial as máquinas produzidas nas grandes fábricas automatizadas do presente?
Se estabelecermos este tipo de relações entre os dois grupos de nações, temos de acordar que, os países socialistas são, de certa forma, cúmplices da exploração imperialista. Pode-se arguir que o montante do intercâmbio com os países subdesenvolvidos constitui uma parte insignificante do comércio exterior destes países. É uma grande verdade, mas que não elimina o carácter imoral da troca.
Os países socialistas têm o dever moral de liquidar a sua cumplicidade táctica com os países exploradores do Ocidente. O facto de que hoje seja pequeno o comércio não quer dizer nada: Cuba, em 1959 vendia ocasionalmente açúcar a algum país do bloco socialista, sobretudo através de corretores ingleses ou de outra nacionalidade, e hoje, oitenta por cento do seu comércio efectua-se nesta área.; todos os seus abastecimentos vitais vêm do campo socialista e de facto ingressou nesse campo. Não podemos dizer que este ingresso se produziu pelo mero aumento do comércio, nem que tenha aumentado o comércio pelo facto de romper as velhas estruturas e encarar a forma socialista de desenvolvimento; ambos os extremos se tocam e se interrelacionam.
Nós não começamos a estrada que terminará no comunismo com todos os passos previstos, como produto lógico de um desenvolvimento ideológico que marcha com um fim determinado; as verdades do socialismo, as mais cruas verdades do imperialismo, forjaram o nosso povo e ensinaram-lhe o caminho que adoptamos conscientemente. Os povos da África e da Ásia que alcancem a sua libertação definitiva deverão empreender esta mesma rota; empreendê-la-ão mais tarde ou mais cedo, ainda que o seu socialismo tome hoje qualquer adjectivo defini(?). Não existe outra definição do socialismo válida para nós, que a abolição da exploração do homem pelo homem. Enquanto não se produzir isso, está-se no período da construção da sociedade socialista, e, se em vez de se produzir este fenómeno, a tarefa da supressão da exploração estanca ou ainda, retrocede, não se pode sequer falar em construção do socialismo.
Temos que preparar as condições para que os nossos irmãos entrem directa e conscientemente na rota da abolição definitiva da exploração, mas não podemos convidá-los a entrar se nós próprios somos cúmplices nessa exploração. Se nos perguntarem quais são os métodos para fixar preços equitativos, não poderíamos responder; não conhecemos a magnitude prática desta questão, só sabemos que, depois de discussões políticas, a União Soviética e Cuba assinaram acordos avantajosos para nós, através dos quais venderemos até cinco milhões de toneladas a preços fixos aos normais no chamado mercado livre do açúcar. A República da China também mantém esses preços de compra.
Isto é somente um antecedente, a tarefa real consiste em fixar preços que permitam o desenvolvimento. Uma grande mudança de concepção consistirá em mudar a ordem das relações internacionais; não se deve ser o Comércio Exterior a fixar a política, mas ao contrário, aquele deve estar subordinado a uma política fraternal para os povos.
Analisaremos rapidamente o problema dos créditos a longo prazo para desenvolver indústrias básicas. Frequentemente deparamos com países beneficiários que se apressam a fundar as bases industriais desproporcionadamente com a sua capacidade actual, cujos produtos não se consumirão no território e cujas reservas se comprometerão com o esforço. A nossa forma de pensar é que os investimentos dos países socialistas no seu próprio território pesam directamente no orçamento estatal e não se recuperam a não ser através da utilização dos produtos no processo completo da sua elaboração, até chegar aos últimos extremos da manufactura. A nossa proposta é que se pense na possibilidade de realizar investimentos deste tipo nos países subdesenvolvidos.
Desta forma poder-se-ia pôr em movimento uma força imensa subjacente nos nossos continentes que foram miseravelmente explorados, mas nunca ajudados no seu desenvolvimento e começar uma nova etapa de autêntica (?) divisão internacional do trabalho baseada não na história do que se fez até agora, mas na história futura do que pode ser feito.
Os estados em cujos territórios se façam os novos investimentos teriam todos os direitos inerentes a uma propriedade soberana sobre os mesmos sem haver prazo para o pagamento de qualquer crédito, ficando os possuidores obrigados a entregar determinadas quantidades de produtos aos países investidores, durante determinada quantidade de anos a um preço determinado.
É também digna de estudar a forma de financiar a parte local dos gastos que um país terá que defrontar ao realizar investimentos deste tipo. Uma forma de ajuda, que não represente pagamento em divisas livremente convertíveis, poderia ser o fornecimento de produtos de venda fácil aos governos dos países subdesenvolvidos, mediante créditos a longo prazo.
Outro dos problemas difíceis de resolver é o da conquista da técnica. É bem conhecido por todos a carência de técnicos de que sofrem os países em desenvolvimento. Faltam instituições e quadros de ensino. Falta, por vezes a real consciência das nossas necessidades e a decisão de levar a cabo uma política de desenvolvimento técnico, cultural e ideológica a que se atribua a primeira prioridade.
Os países socialistas devem prestar ajuda para a formação dos organismos de educação técnica, insistir na importância capital deste facto e fornecer os quadros que supram a carência actual. É preciso insistir mais sobre este último ponto: os técnicos que vêm para os nossos países devem ser exemplares. São camaradas que deverão enfrentar um meio desconhecido, muitas vezes hostil à técnica, que falam uma língua e têm hábitos completamente diferentes. Os técnicos que aceitam a difícil tarefa devem ser, antes de mais, comunistas, no sentido mais profundo e nobre da palavra; só com essa qualidade, mais um mínimo de organização e flexibilidade, far-se-ão maravilhas.
Sabemos que tudo isto pode ser atingido porque os países irmãos têm-nos enviado um certo número de técnicos, que fizeram mais pelo desenvolvimento nosso país que dez institutos e contribuíram mais para nossa amizade do que dez embaixadores ou cem recepções diplomáticas.
Se se pudesse chegar a uma efectiva realização dos postos que abordámos e, além disso, se pusesse ao alcance dos países subdesenvolvidos toda a tecnologia dos países adiantados, sem utilizar os métodos actuais das patentes que cobrem descobertas de uns e de outros, teríamos progredido muito na nossa tarefa comum.
O imperialismo tem sido derrotado em muitas batalhas parciais, mas é uma força considerável no mundo e não se pode aspirar a sua derrota definitiva sem o esforço e sacrifício de todos.
Na verdade, o conjunto das medidas propostas não se pode realizar unilateralmente. O subdesenvolvimento dos subdesenvolvidos deve custar aos países socialistas; de acordo, mas também devem pôr-se em tensão as forças dos países subdesenvolvidos e tomar firmemente a rota da construção de uma sociedade nova -ponha-se-lhe o nome que se quiser- onde a máquina, instrumento de trabalho, não seja instrumento de exploração do homem pelo homem. Também não se pode pretender a confiança dos países socialistas quando se está na balança entre capitalismo e socialismo e se utiliza ambas as forças como elementos contrapostos para sacar dessa competição determinadas vantagens. Uma nova política de absoluta seriedade deve reger as relações entre os dois grupos de sociedade. É conveniente realçar uma vez mais, que os meios de produção devem estar preferentemente nas mãos do Estado, para que gradualmente desapareçam os sinais da exploração.
Por outro lado, não se pode abandonar o desenvolvimento à improvisão (?) mais absoluta; há que planificar a construção da nova sociedade. A planificação é uma das leis do socialismo e sem ela não existirá socialismo. Sem uma planificação correcta não pode existir uma garantia suficiente de que todos os sectores económicos de qualquer país se ligam harmoniosamente para dar saltos em frente exigidos pela época que vivemos. A planificação não é um problema isolado de cada um dos nossos países, pequenos, com o seu desenvolvimento distorcido, possuidores de algumas matérias primas, ou produtores de alguns produtos manufacturados ou semi-manufacturados, e carentes da maioria dos outros.
Desde o primeiro momento, esta deverá tender para uma certa regionalidade, para que as consciências dos países se compenetrem e cheguem assim a uma integração sobre a base de um autêntico benefício mútuo.
Cremos que o caminho actual está cheio de perigos que não são inventados ou previstos para um futuro distante por alguma mente superior, são o resultado palpável de realidades que nos cercam. A luta contra o colonialismo alcançou as suas etapas finais mas, na era actual, o status colonial é evidentemente uma consciência da dominação imperialista. Enquanto o imperialismo existir, por definição, exercerá o seu domínio sobre os outros países; esta dominação é hoje chamada néo-colonialismo.
O néo-colonialismo desenvolveu-se primeiramente na América do Sul, em todo um continente e hoje começa a fazer-se notar com intensidade crescente em África e na Ásia. A sua forma de penetração e desenvolvimento tem características distintas; uma, é a brutal, que conhecemos no Congo. A força bruta, sem considerações ou capa de espécie alguma, é a sua arma extrema. Há outras mais subtis: a penetração nos países que se libertam politicamente, a ligação com as nascentes burguesias autóctones, o desenvolvimento de uma classe burguesa parasitária numa estreita aliança com os interesses metropolitanos apoiados num certo bem estar ou desenvolvimento transitório de nível de vida dos povos, devido a que, em países muito atrasados, o passo simples das relações feudais às relações capitalistas significa um grande avanço, independentemente das consequências nefastas que acarreta a longo prazo para os trabalhadores.
O néo-colonialismo mostrou as suas garras no Congo; esse não é um sinal de poder mas sim de debilidade; teve que recorrer à sua arma extrema, a força, como argumento económico, o que engendra reacções opostas de grande intensidade. Mas também se exerce noutra série de países da África e da Ásia de forma muito mais subtil e está a ser criada rapidamente aquilo que alguns chamaram a sul americanização destes continentes, quer dizer, o desenvolvimento de uma burguesia parasitária que nada acrescenta á riqueza nacional; que, inclusivamente, deposita fora do país, nos bancos capitalistas, os seus enormes lucros mal ganhos e que pactua com o estrangeiro para obter mais benefícios com um desprezo absoluto pelo bem estar do seu povo.
Há também outros perigos, como o da concorrência entre países irmãos, amigos politicamente e por vezes vizinhos, que estão a desenvolver o mesmo tipo de investimentos ao mesmo tempo e para mercados que muitas vezes não o admitem.
Esta concorrência tem o defeito de gastar energias que poderiam ser utilizadas numa complementação económica muito mais vasta, além de permitir o jogo dos monopólios imperialistas.
Certas vezes, perante a impossibilidade real de realizar determinado investimento com a ajuda do campo socialista, está realizada mediante acordos com os capitalistas. E esses investimentos capitalistas têm não só o defeito da forma como se realizam os empréstimos, mas outros complementares de muita importância, como é o estabelecimento de sociedades mistas com um vizinho perigoso. Como em geral, os investimentos são paralelos ao de outros Estados, estes tende para divisões entre países amigos por diferenças económicas e instaura o perigo da corrupção emanada da presença constante de capitalismo, hábil na apresentação de imagens de desenvolvimento e bem-estar que ensombram o entendimento de muita gente.
Tempos depois, a caída dos preços nos mercados é a consequência de uma saturação da produção de similares. Os países afectados vêm-se na obrigação de pedir novos empréstimos ou permitir investimentos complementares para a concorrência. A queda da economia nas mãos dos monopólios e um retorno lento, mas seguro, ao passado, é a consequência final de tal política.
Na nossa opinião, a única forma segura de realizar investimentos com a participação das potências imperialistas é a participação directa do Estado como comprador íntegro dos bens, limitando a acção imperialista a contratos de fornecimentos e não deixá-los entrar para além da porta da rua da nossa casa. E aqui, sim, é ilícito aproveitar as contradições inter-imperialistas para conseguir condições menos onerosas.
Há que prestar atenção às “desinteressadas” ajudas económicas, culturais, etc., que o imperialismo concede directamente ou através de certos estados fantoches melhor aceites em certas partes do mundo.
Se todos os perigos apontados não se veem a tempo, o caminho neocolonial pode inaugurar-se em países que começaram com fé e entusiasmo a sua tarefa de libertação nacional, estabelecendo-se a dominação dos monopólios com subtileza, numa graduação tal que é difícil perceber os seus efeitos até que estes se façam sentir brutalmente.
Há toda uma tarefa por realizar, problemas imensos que se põem aos nossos dois mundos, o dos países socialistas e este chamado Terceiro Mundo; problemas que estão directamente relacionados com o homem e o seu bem-estar e com a luta contra o inimigo principal do nosso atraso. Frente a eles, todos os países e povos conscientes dos seus deveres, dos perigos que entranham a situação, dos sacrifícios que representam o desenvolvimento, devemos tomar medidas concretas para que a nossa amizade se ligue nos dois planos, económico e político, que nunca pode andar separados, e formar um bloco compacto que por sua vez ajude os novos países a libertar-se não só do poder político, mas também do poder económico imperialista.
O aspecto da libertação pelas armas de um poder político opressor deve tratar-se segundo as regras do internacionalismo proletário: se constitui um absurdo pensar que um director de empresa de um país socialista em guerra hesite em enviar os tanques que produz a uma frente onde não há garantia de pagamento, não menos absurdo deve parecer o facto de se averiguar a possibilidade de pagamento de um povo que luta pela libertação ou necessita dessas armas para defender a sua liberdade. As armas não podem ser mercadorias nos nossos mundos, devem entregar-se sem qualquer pagamento nas quantidades necessárias e possíveis aos povos que as peçam para disparar contra o inimigo comum. Esse é o espírito com que a URSS e a República Popular da China nos ofereceram a sua ajuda militar. Somos socialistas, constituímos uma garantia da utilização dessas armas, mas não somos os únicos e todos devemos ter o mesmo tratamento.
Ao ignominioso ataque do imperialismo norte-americano contra o Vietnam e o Congo deve responder-se abastecendo esses países irmãos com todos os instrumentos de defesa que necessitem e dando-lhes toda a nossa solidariedade sem qualquer condição.
No aspecto económico, necessitamos de vencer o caminho do desenvolvimento empregando a técnica mais avançada possível. Não podemos pôr-nos a seguir a larga escala ascendente da humanidade desde o feudalismo até a era atómica e automática porque seria um caminho de ingentes sacrifícios e parcialmente inútil. Há que ir buscar a técnica onde esta; há que dar o grande salto técnico para ir diminuindo a diferença que existe hoje entre os países mais desenvolvidos e os nossos. A técnica deve estar nas grandes fábricas e também numa agricultura convenientemente desenvolvida e, sobretudo, deve ter os seus pilares assentes sobre uma cultura técnica e ideológica com o suficiente força e base de massas para permitir o abastecimento contínuo dos institutos e centros de investigação que deverão ser criados em todos os países e dos homens que vão exercendo a técnica actual e que sejam capazes de se adaptar às novas técnicas adquiridas. Estes quadros devem ter uma clara consciência do seu dever para com a sociedade em que vivem; não poderá haver uma cultura técnica adequada que não esteja complementada com uma cultura ideológica. E, na maior parte dos nossos países, não poderá haver uma base suficiente de desenvolvimento industrial, que é o que determinam o desenvolvimento da sociedade moderna, se não se começar por assegurar ao povo a comida necessária, os bens de consumo mais imprescindíveis e uma educação adequada.
Há que gastar uma boa parte das receitas nacionais nos investimentos chamados improdutivos da educação e há que dar uma atenção particular ao desenvolvimento da produtividade agrícola. Esta alcançou níveis realmente incríveis em muitos capitalistas, provocando o paradoxo da crise de super-produção, da invasão de grãos e outros produtos alimentares ou de matérias-primas provenientes dos países desenvolvidos, quando há todo um mundo que padece da fome e que tem terra e homens suficientes para produzir várias vezes o que o mundo inteiro necessita para alimentar-se.
A agricultura deve ser considerada como um pilar do desenvolvimento, e para isso, as modificações da estrutura agrícola e a adaptação as novas possibilidades da técnica e às novas obrigações da eliminação da exploração do homem, devem constituir aspectos fundamentais do trabalho.
Antes de tomar decisões custosas que podem ocasionar danos irreparáveis, é preciso fazer uma prospecção cuidadosa do território nacional, constituindo este aspecto um dos passos preliminares da investigação económica e exigência elementar numa planificação correcta.
Apoiamos calorosamente a proposta da Argélia no sentido de institucionalizar as nossas relações. Queremos, somente, apresentar algumas considerações complementares:
Primeiro: Para que a união seja um instrumento da luta contra o imperialismo, é preciso o concurso dos povos latino-americanos e a aliança dos países socialistas.
Segundo: Deve velar-se pelo carácter revolucionário da união, impedindo o seu acesso a governos ou movimentos que não estejam identificados com as aspirações gerais dos povos e criando mecanismos que permitam a separação de todo aquele que se afaste da rota justa, seja governo ou movimento popular.
Terceiro: Deve propugnar-se pelo estabelecimento de novas relações, em pé de igualdade, entre os nossos países e os capitalistas, estabelecendo uma jurisprudência revolucionária que nos ampare em caso de conflito e dê novo conteúdo às relações entre nós e o resto do mundo.
Falamos uma linguagem revolucionária e lutamos honestamente pelo triunfo desta causa, mas muitas vezes enredamo-nos nas malhas de um direito internacional criado como resultado de confrontações das potências imperialistas e não pela luta dos povos livres e dos povos justos.
Os nossos povos, por exemplo, sofrem uma pressão angustiosa de bases estrangeiras no seu território ou devem transportar o pesado fardo das dívidas externas de incrível magnitude.
A história destas tarefas é bem conhecida de todos: governos fantoches, governos debilitados por uma longa luta de libertação ou desenvolvimento das leis capitalistas do mercado, permitiram a assinatura de acordos que ameaçam a nossa estabilidade interna e comprometem o nosso futuro.
É a hora de sacudirmos o jugo, impor a renegociação das dívidas externas opressivas e obrigar os imperialistas a abandonar as suas bases de agressão.
Não queria terminar estas palavras, esta repetição de conceitos conhecidos de todos nós, sem chamar a atenção para o facto de que Cuba não é o único país americano; simplesmente é o que tem oportunidade de falar hoje diante de vós; que todos outros povos estejam derramando o seu sangue, para conquistar o direito que nós hoje temos e, a partir daqui e de todas as conferências e em todos os lugares onde produzam, simultaneamente com a saudação aos povos heroicos do Vietnam, do Laos, da Guiné chamada Portuguesa, da África do Sul ou da Palestina, a todos os países explorados que lutam pela sua emancipação, devemos estender a nossa voz amiga, a nossa mão e o nosso alento, aos povos irmãos da Venezuela, da Guatemala e da Colômbia, que hoje com as mãos armadas, estejam dizendo definitivamente NÃO ao inimigo imperialista.
E há poucos cenários para afirmá-los, tão simbólicos como Alger, uma das mais heroicas capitais da liberdade. Que o magnífico povo argelino, treinado como poucos nos sofrimentos da independência, sob a decidida direcção do seu Partido, com o nosso querido companheiro Ahmed Ben Bella à cabeça, nos sirva de inspiração nesta luta sem quartel contra o imperialismo mundial.

Tradução do Discurso de Che Guevara no Seminário Afro-asiático de Argel (22 a 27 de Fevereiro de 1965, publicado na revista Tricontinental nº 2, pag 19-30).

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