Carta-circular de Miguel Trovoada

Cota
0095.000.005
Tipologia
Circular
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
Miguel Trovoada
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Acesso
Público
AO COMPANHEIRO ……………………
Caro Companheiro,

É na qualidade de um Responsável nacionalista consciente da grave situação que reina no Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe, que te escrevo, em nome dos Membros do C.L.S.T.P. residentes em Libreville e de todos os Compatriotas cuja honestidade política impõe o dever de zelar pelos interesses da nossa terra.
Como é do teu conhecimento, a luta de libertação nacional do Povo de São Tomé e Príncipe encontra-se bastante atrasada relativamente às outras colónias portuguesas. Uma das causas desse atraso é a dispersão dos elementos que constituem a ala activa do Movimento nacionalista, o que favoreceu um certo número de manobras tendentes a satisfazer as concepções, para não dizer as ambições, de alguns companheiros.
Daí nasceu uma crise séria cujo epílogo foi o comunicado virulento publicado em ACCRA contra o Comité Director do C.L.S.T.P., por um grupo de companheiros. Esse comunicado que se diz emanado de uma reunião realizada no Ghana no mês de Julho de 1965, foge totalmente ao espírito e à letra dos resultados de tal encontro como se pode verificar pelas tomadas de posição de alguns companheiros que nela participaram, entre os quais dois que faziam parte do “novo Comité Director” criado pelo dito comunicado.
A secessão apenas lançou uma maior confusão no seio do C.L.S.T.P., aprovando as dificuldades já enormes da luta de libertação, e impedindo assim a solução dos problemas reais com que as conforta o Movimento.
O desenvolvimento de enormes contradições presentes no seio de um grupo que se erigiu sobre intrigas e calúnias, não poderia deixar de provocar a derrocada de uma coesão meramente táctica. O grupo de Accra subdividiu-se escassos meses após a sua formação, assistindo-se hoje a todo um rosário de críticas e acusações de uns contra outros.
Perante este clima insalubre de intrigas, gerador de oportunismo extremamente sinistros para os interesses de São Tomé e Príncipe, pensamos que apenas uma larga e verdadeira confrontação poderia permitir no nacionalismo santomense o saneamento necessário ao empreendimento de uma acção revolucionária realmente consequente.
Nessa óptica, nós os Membros do C.L.S.T.P. residentes em Libreville temos envidado todos os esforços no sentido de realizar um Congresso cuja ideia a adesão de quase todos os Santomenses que se encontram no exterior do País. Quase porque até então não tínhamos podido auscultar a opinião dos companheiros João Guadalupa Viegas de Ceita, Hugo José Azancot de Menezes e António Barreto Pires dos Santos. Após um encontro que teve lugar entre mim e o Hugo Menezes, fiquei absolutamente convencidos que a unanimidade fora atingida, pela garantia de participação que me deu o meu interlocutor, em seu nome e no dos seus companheiros do Togo.
Porém, nos meados do passado mês de Junho, recebi a seguinte carta, assinada pelos Guadalupe V. da Ceita e Hugo Menezes, datada de 3/6/67:
“Caro Compatriota Miguel Trovoada. Aquando da passagem por Libreville, em Maio último, de Hugo Menezes, membro do nosso Comité Director, foram evidentes os teus propósitos de colaborar no CLSTP. Tal facto vem ao encontro dos princípios orientados da nossa tendência política, pelos quais são bem vindos todos os nacionalistas que leal e sinceramente desejam devotar-se à causa de libertação do Povo de S. Tomé e Príncipe.
Queiras aceitar, pois, o convite que por este meio te endereçamos, de te deslocares até aqui, afim de, em conjunto, estudarmos as bases da tua colaboração.
Sendo de grande importância a presença do Pires dos Santos, como é obvio, e encontrando-se este ausente, em cumprimento duma missão, será de toda a convivência o seu prévio regresso o qual te será comunicado oportunamente.
Saudações fraternais”.
Segue-se a resposta, em data de 22/6/67:
Caríssimos Companheiros Hugo Menezes e Guadalupe Ceita
Tenho presente a vossa carta de 3/6/67 a que passo a responder com imenso prazer.
Efectivamente recebi em fins do mês de Maio último um telegrama em proveniência de Brazzaville e assinado pelo Hugo Menezes, que me pedia um encontro ao bordo do navio francês General Mangin. Convencidos de que essa “démarche” fosse o fruto de uma meditação séria dos três companheiros que se encontram no Togo sobre a situação da luta anticolonialista em São Tomé e Príncipe e da nítida intelecção da infecunda e perigosa prolongação das divergências entre grupos de nacionalistas no exterior, aceitamos sem reservas esse encontro, o que aliás se situa na coerência da nossa directriz política que prescreve o diálogo sincero como método de solução dos problemas intestinos. Foi na mesma ordem de ideias que não hesitamos tão-pouco em ter uma conversação com os companheiros António Medeiros, José Fret e Virgílio Carvalho, em Alger, onde me desloquei no mês de Agosto do ano passado.
Porém, ao lermos a vossa carta não podemos deixar de lamentar a deslocação que existe entre as afirmações do Menezes então, e as vossas intenções reais.
Embora a vossa atitude me leve a convencer-me da inanidade absoluta dos reforços que empreendemos para encontrar as bases da participação activa na luta de todos os santomenses desejosos dar uma contribuição efectiva mesmo modesto à causa da Libertação do nosso Povo, vou relembrar-vos as linhas das ideias trocadas entre mim e o Menezes.
Após as considerações preliminares sobre os inconvenientes que emergem da situação actual do nacionalismo santomense, o Menezes preconizou um encontro em terreno neutro (Lagos, por exemplo) entre o grupo de Lomé e o da Libreville para a discussão das modalidades de uma acção comum no futuro contra o colonialismo português. Desse encontro seriam excluídos, segundo o Menezes, os companheiros Medeiros por “ambição de leadership e desejo discutível de trabalho sério”; Virgílio, por “pouca seriedade e falta de capacidade”: o Sigismundo Mata por incapacidade igualmente, e os indivíduos que “passam todo o tempo na Europa e só vão aos Congressos e reuniões para fazer a sua provisão de peixe salgado e óleo de palma” (nomeadamente o Pinto da Costa e o Fret).
Informei então ao companheiro Hugo Menezes dos passos que demos para obter os meios necessários à realização de um Congresso em Libreville que reunisse o maior número possível de compatriotas sem qualquer espécie de distinção, pois a Libertação de São Tomé e Príncipe não será a obra exclusiva de universitários e intelectuais, mas a resultante das forças convergentes de todo um Povo.
Fiz no entanto uma reserva referente ao José Fret que, além de nunca ter colaborado senão em Organizações estudantis das Colónias portuguesas, exprimiu ultimamente a sua decisão de não se interessar por nada que se relacionasse com o C.L.S.T.P.
Expus claramente que apenas aceitamos uma reunião estreita na completa impossibilidade de se efectuar o Congresso. Mas nessa contingência, presenças há que consideramos indispensáveis; o companheiro Menezes teve a amabilidade de tomar nota dos nomes que assinalei.
As razões dessas exigências foram expostas com nitidez e o meu interlocutor foi informado pormenorizadamente das causas que motivam a nossa ausência na reunião da Accra. Depois de demonstrar que certas insuficiências e omissões, por vezes voluntárias, na organização da dita reunião poderiam ter como resultado senão dificultar a nossa participação, não me foi difícil fazer com que o Hugo reconhecesse que, em virtude do clima cuidadosamente preparada em Accra, toda e qualquer justificação da nossa ausência, por mais válida que fosse, seria interpretada como um pretexto para escapar ao banco dos réus.
É evidente que dessa troca de ideias se confirmou mais uma vez a falta de probidade do companheiro Pires dos Santos que, na linha das instruções recebidas ou levado pelo benefício que tiraria da ausência dos que melhor conheciam a sua actuação no seio do Movimento, não hesitou em atribuir-nos sem pudor algum as mais fantásticas intenções e afirmações, ao mesmo tempo que omitiu os factos reais.
O Hugo Menezes, mostrando um espírito construtivo, aprovou a reunião de Libreville, e prometeu que os do Togo não só participariam pela, mas seriam igualmente os seus promotores na medida em que pagariam uma parte dos bilhetes dos Delegados.
Felicitamo-nos da identidade das nossas posições e eu avancei a hipótese de uma viagem minha a Lomé no mês de junho ou de Julho, para utilizar convosco os preparativos materiais do Congresso. O Hugo sugeriu então que a minha presença permitiria a formação de uma Delegação que partiria em certa missão de contactos, etc. Afastei tal eventualidade, arguindo que antes da Reunião ou do Congresso em que a situação fosse claramente estudada e a verdade restabelecida, não seria possível, do ponto de vista do pragmatismo político, que aparecêssemos em Delegação junto de entidades estrangeiras, sem lembranças sobre os nacionalistas santomenses o descrédito total.
Por conseguinte a nossa decepção foi grande ao constatarmos que os termos de vossa carta se situam nos antípodas das posições afirmadas pelo vosso porta-voz. E não se pode deixar de reconhecer a simetria entre este caso e a contradição idêntica que se verificou entre as afirmações do Pires dos Santos em Libreville e as que fez em Accra, há dois anos exactamente. Por isso sinto a necessidade de vos perguntar: QUAIS SÃO AS VOSSAS INTENÇÕES REAIS?
Com efeito, na vossa carta, vocês dizem que das conversações ao bordo General Mangin, “foram evidentes os meus propósitos de colaborar” com o “vosso Comité Director”. Caba-me relembrar ao Menezes que, no decurso do nosso encontro, não se falou em nome de nenhum Comité Director. Ouso esperar que a omissão desse pormenor bastante importante tenha sido involuntária. Não se trata para mim de pedir a adesão ao vosso grupo. O único desejo que manifestei é de nos encontrarmos (vocês, nós e todos os nacionalistas que pudermos reunir) à volta de uma mesa, para que, no interesse superior da luta pela Libertação do nosso Povo e pela restauração da sua Dignidade humana, discutíssemos os problemas, eliminássemos tudo quanto nos separa e trabalhássemos num programa de acção comum, independentemente de quaisquer questões subjectivas.
Infelizmente parece-nos caros Companheiros, que a vossa preocupação primária não é a procura sincera de uma plataforma de acção concentrada, mas apenas a legitimação do vosso “Comité Director”. Se assim é não procurem sabotar uma reunião onde vocês poerão demonstrar a honestidade da vossa conduta, a justeza das acusações e críticas que nos fazem e a mim em particular, e obter de todos a legitimidade que pretendem para o vosso comportamento
O vosso Comité Director, dizem vocês, está pronto a estudar as bases da minha colaboração. Tenho a dizer-vos que não estou só e que lamentamos profundamente que os cálculos políticos vos tenham levado a interpretar o nosso desejo de diálogo como um símbolo de fraqueza. E Vocês, claro está, não resistirem à tentação de querer “esmagar o adversário”. Falso raciocínio que está na base de muitos erros políticos. Quanto a nós, não pretendemos “liquidar” ninguém nem impor os nossos pontos de vista por meio de práticas de interesse revolucionário duvidoso.
A maturidade que atingiu a maioria dos nacionalistas santomenses deveria impor-nos uma maior seriedade de intenções e de conduta. A incapacidade de que temos dado mostras para resolver certos problemas torna-nos ridículos perante os nacionalistas combatentes das outras colónias portuguesas e nos trará, se prosseguirmos nesta via, o desprezo dos patriotas de São Tomé e Príncipe.
O vosso Comité Director convida-me a Lomé. Para ser franco, não sei de que Comité Director se trata. O que foi votado em Accra e cuja presidência me foi confiada, ou o que nasceu, dias depois de um comunicado virulento que vocês publicarem contra mim, e que foi desaprovado por quatro pelo menos dos sete indivíduos que participaram na reunião de Accra? A quem deveria eu eventualmente pedir a minha “adesão”? Ao vosso presidente que está no interior, ao vosso secretário-geral que está em Alger ou ao secretário para as relações com o interior que está em Brazzaville?
Evidentemente vocês dirão que na vossa direcção colegial a ausência do presidente ou do secretário-geral não impede a tomada de decisões. No entanto parece-me que um dos apanágios da colegialidade é a regra da maioria, que nunca será atingida por três indivíduos num grupo de seis, tendo em conta que o vosso presidente estará perpetuamente no interior e os outros dois companheiros (Virgílio Medeiros) se recusam a toda e qualquer colaboração convosco, conforme pude constatar pessoalmente em Alger e em Brazzaville.
Como vêm, caros Companheiros, a situação não é propícia para fantasias. O uso de papel timbrado não dá vida a uma Organização assim como o carimbo não confere a autoridade nem legitima uma Direcção. Não é com comunicados logomáquicos que libertaremos a nossa Patria.
O Povo de São Tomé e Príncipe que tem os olhos gravados em nós julga-nos neste momento mesmo e o seu veredicto será tanto mais severo quanto as nossas bizantinices quixotescas prolongarem o seu sofrimento.
Mas estou quase certo que o bom senso triunfará. Vocês sempre afirmam que a honestidade e a preocupação da verdade eram o cimento da vossa acção. Isso encoraja-nos a esperar sem receio de desilusão que nessa grande confrontação todos nós poderemos patentear a nossa boa vontade e desejo sincero de servir a causa do Povo.
Aguardo que vocês nos confirmem o número de bilhetes que poderão pagar, além dos vossos evidentemente, e nos façam as sugestões que julgarem úteis sobre a data do Congresso. Se propusemos o mês de Setembro é para possibilitar a presença dos companheiros que prosseguem os estudos na Europa.
UNIDADE NA ACÇÃO PARA A EFICÁCIA DA LUTA
EFICÁCIA NA LUTA PARA A LIBERTAÇÃO DA PATRIA

Saudações fraternais e revolucionárias”

Como vês, caro companheiro, as dificuldades para fazer avançar a nossa luta não parecem diminuir.
O erro táctico que consiste em sabotar o diálogo quando o adversário o aceita já foi cometido varias vezes em outros movimentos nacionalistas conduzindo sempre a um beco sem saída. Porém mais uma vez se confirma que o exemplo dos outros não nos serve para nada.
Contudo, absolutamente certos da justeza das nossas intenções, mantemos a ideia de realizar o Congresso do C.L.S.T.P em Libreville, nos princípios do mês de Setembro próximo
Propomos a data de 8 a 12 e esperamos que nos faças as sugestões que te parecem úteis a esse respeito.
Em relação das nossas limitações financeiras, não podemos dizer o número dos participantes efectivos mas faremos tudo para que o Congresso seja o mais representativo possível.
Saudações fraternais de

Libreville, 5/7/69
*[Rubricado] Miguel TROVOADA

Carta-circular de Miguel Trovoada

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