Carta de Armando Myre Dores a «Muito queridos amigos e camaradas»

Cota
0094.000.043
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel Comum
Remetente
Armando Myre Dores
Destinatário
Lúcio Lara
Data
1967
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
2
Acesso
Público
Muito queridos amigos e camaradas Julho 67

É com grande alegria que aproveito esta oportunidade de vos enviar esta carta que terá de ficar sem resposta pelas contingências da nossa luta.
Foi com grande alegria que tive a oportunidade de saber algumas notícias vossas pelo portador desta carta. Há muito que não sabia nada de vós. É claro que sigo com bastante atenção a luta em que participais mas não tinha a mínima notícia vossa há muito tempo.
Disseram-me que o meu afilhado está um homem cheio de energia. Que ele possa viver num mundo melhor que o nosso e pelo qual lutamos são os meus melhores votos, infelizmente as circunstâncias da vida não têm permitido que eu seja para ele aquele amigo e camarada que gostaria de ser mas tenhamos esperança que tarde ou cedo possamos reatar directamente as nossas fraternais relações.
Umas pequenas noticias pessoais - eu encontrei já uma querida companheira que me acompanha na luta e com quem vivo muito feliz. Temos um filho 3,5 anos que é um “gajo bestial” (sem vaidade) -bonito, esperto, activo e que gosta muito de meninas.
Põe a cabeça da mãe à roda com as suas actividades “criadoras” e “destruidoras”.
Dois dos meus irmãos já passaram pelas cadeias salazaristas (um deles julgo que ainda lá se encontra). Este, embora eu não tenha dados precisos sobre as circunstâncias da sua prisão, julgo que foi preso precisamente por Solidariedade com a vossa luta. Isto é tanto mais de admirar quanto ele era um dos elementos da minha família que mais entraves punha à minha actividade nos tempos em que nos conhecemos. Isto mostra bem como os sentim[ent]os de repúdio ao fascismo e ao colonialismo conquistam novas camadas do povo português.
Até agora tenho conseguido escapar aos esbirros, mas isso não significa que não tenho dado a minha contribuição à luta dentro das minhas forças e possibilidades.
Enfim, tendo talvez perdido um pouco da verdura da juventude e, vamos lá, um pouco das ilusões menos fundamentadas na realidade, continuo a ser fiel aos ideais da nossa juventude.
É difícil escrever numa carta tudo o que desejamos contar. Fundamentalmente há aspectos que o estado actual da situação nos nossos países ainda não me autoriza a revelar devido à disciplina do meu P.
Mas enfim, esperamos que não esteja longe o dia em que nos juntemos e possamos continuar as nossas saudosas conversas interrompidas pelas circunstâncias da vida.
Queridos compadres: abraço-vos grande amizade e ao meu afilhado. Desejo-vos os maiores êxitos na vossa luta pela libertação do nosso povo, luta que é afinal a mesma que nós conduzimos noutra frente e noutras circunstâncias. Desejo-vos os maiores êxitos pessoais, grande saúde e felicidade.
Compadre
P.S.: Desculpem esta carta ser escrita à pressa mas tenho grande falta de tempo.

Carta de Armando Myre Dores a Lúcio Lara «Muito queridos amigos e camaradas» [Lúcio e Ruth Lara].

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