Relatório confidencial de Chipenda ao Comando Regional Prov. da 3ª Região

Cota
0090.000.031
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
Daniel Chipenda
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Acesso
Público
CONFIDENCIAL

Dar-es-salaam, 14 de Fevereiro de 1967

Aos
Camaradas do Comando Regional Provisório da
3. Região e Comandos de Zonas
ALGURES


Caros camaradas:

Tem-nos chegado regularmente os comunicados de guerra que mostraram bem o avanço que se tem verificado nas frentes de luta, o que leva a dizer-vos AVANTE, porque a VITÓRIA É CERTA . Estamos certos que toda a vossa preocupação coincide com a nossa de elevar cada vez mais o nível da nossa luta.

O começo é sempre difícil e ele obriga-nos a cometer erros que normalmente só nos servem de lição.

Temos procurado dentro do possível tentar ajudar a reabastecer os camaradas no capítulo do armamento. Mas temos que começar a pensar a sério em aumentarmos no interior os nossos planos visando o reabastecimento a partir do inimigo. Isto está dentro das vossas preocupações porque assim o senti quando conversei com o camarada MONIMANBO, mas será bom incutirmos esta ideia a todos os camaradas de forma a chegar a ser a primeira preocupação de cada um. Se conseguimos incutir este pensamento, não haverá combate em que não recuperemos armas do inimigo. As condições em que lutamos nesta região, em que é difícil reabastecermo-nos do exterior, temos que pensar sempre que o exterior pode em qualquer momento, estar cortado. E se isso acontecer, não creio que teremos que parar a luta.

Por isso é bom que contemos com o material do inimigo de forma que o que vem do exterior seja uma coisa esporádica. Nos multiplicaremos os nossos esforços para que as coisas continuem a chegar, mas partamos do princípio que elas podem chegar ou não.

Com o CLA, (Comité de Libertação d’Africa), as coisas estão bem encaminhadas, já se fez a primeira tentativa. Deram umas coisas que já se encontram em Mbeya, agora aguardamos que os donos da terra onde está o Camaxilo venham para fazer seguir a coisa na nossa cubata. Se esta missão correr em beleza, estou certo que teremos vencido uma das grandes dificuldades que sempre se nos apresentou de reabastecer o interior a partir do exterior.

Recebemos alguma alimentação que deverá ser enviada para aí, mas tudo esta empatado por falta de finanças. Um dos camiões teve uma grossa avaria, já está pronto, mas agora só falta levanta-lo. Logo que tenhamos condições faremos avançar tudo. Sabemos quanto isto prejudica o andamento do trabalho e isto nos preocupa sobremaneira.

O trabalho que se tem feito no interior, tem feito com que o exterior comece a ver mais claro o problema do Nacionalismo Angolano, mas outros há que continuar a confiar nos aventureiros que continuam semear confusão dentro da nossa luta de Libertação Nacional.

Como sabem, o MPLA, não esteve presente na 10ª Sessão do Comité de Libertação d’Africa, que teve lugar em Kinshasa. O nosso Movimento esteve ausente porque não compreendia a sua presença em Kinshasa, quando o comportamento daquele governo em relação ao MPLA tem sido hostil. Disse mesmo que só iria, uma vez queria libertassem os militantes do MPLA que estavam presos em Kinshasa.

O chefe dos Kissondes declarou à imprensa congolesa que as suas milícias tinham prendido o BENEDITO e mais militantes do MPLA e que não libertaria enquanto o MPLA não libertasse os seus militantes, Matias Miguéis e José Miguel, porque a prisão dos militantes do MPLA se fez em represalia à prisão dos mencionados, pelo MPLA em Brazzaville. Podeis ver camaradas que tal afirmação num país independente mostra bem o apoio que ele goza, do respectivo governo.

O Comité de Libertação debruçou-se sobre o problema angolano. Nos apesar de não estarmos presentes em Kinshasa tínhamos entregue em Dar-es-salaam um memorandum do qual vos mando um exemplar.

O chefe dos kissondes atacou o CLÃ dizendo que ele na recebia ajuda nenhuma, mas que o Comité só ajudava o MPLA. Evocou o comportamento do Comité em relação a Moçambique em que só ajudava a FRELIMO e não a coremo e a Guiné dita portuguesa em que só se ajudava o PAIGC e não a fling. Continuando disse: no caso Angola o “grae” era a única organização reconhecida pelos países africanos da OUA como representante válido do povo angolano em luta, mas que o Comité ajudava mais o MPLA que o “grae”, afirmando mesmo que desde 1964 ele recebeu apenas 26.500 libras esterlinas. Falou apenas do passado. Os países conscientes viram que o chefe dos kissondes apoiado hoje pelos seus amigos quer arranjar uma tábua de salvação. A comissão de finanças desmentiu-o categoricamente, apresentando cheques acompanhados de recibos assinados por ele do dinheiro que ele recebeu que somava 86.900 libras esterlinas fora o dinheiro que recebeu para administração.

Enfim o chefe dos kissondes, está atrapalhado, porque na sua intervenção pediu que a comissão militar, de que eu já vos falei, que está dentro dos acordos do Cairo e que foi nomeada pelos chefes de estado africanos em Addis-Abeba começasse imediatamente o seu trabalho que é de ir a Angola a investigar da presença dos focos de luta dos movimentos de libertação angolanos. Aqui é que está o nó do problema. É que o Holden sabe da entrada do primeiro grupo do MPLA na região dos Dembos e Nambuangongo que entrou em Julho do ano passado e do 2°grupo de 150 camaradas entre estes 6 raparigas que entrou em Janeiro deste ano. Estes grupos entraram todos bem armados, e logo que começarem a actuar o robertinho saberá que o seu fim chegou. Agora quer que a comissão vá o mais depressa possível para ele poder fazer uma montagem ao pé da fronteira. Porque ele sabe que dentro de 4 ou 5 meses, aquela região estará sob o mando do MPLA.

O Comité é claro, decidiu que a comissão trabalhe logo depois da próxima reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros que deverá reunir-se no fim deste mês em Addis-Abeba.

Como sabem a tal comissão militar é composta pelos países seguintes: SENEGAL, CAMEROUN, ETHIOPIA e KENYA. É uma comissão que de forma alguma pode ser justa, mas de qualquer forma nós teremos que trabalhar para que a própria desonestidade deles esteja comprometida.

4 DE FEVEREIRO
Foi comemorado condignamente. Houve uma reunião pública onde apareceram alguns membros do corpo Diplomático acreditado na Tanzânia. Falaram os camaradas do ANC, ZAPU, SWAPO, FRELIMO e o Encarregado dos Negócios do Vietnam do Norte. Depois eu fechei a reunião. Antes da reunião foi mostrada aos visitantes uma exposição de fotografias que mostravam algumas fases da nossa actividade nas 3º regiões. Foi na realidade um sucesso.

TANZÂNIA
Concerteza que já ouviram falar da Declaração de Arusha, em que a TANU e o Governo da Tanzânia, resolveram optar pelo socialismo. O governo tomou já algumas medidas encorajantes, como o da nacionalização de Bancos, e das Companhias Despachantes, que se ocupam das entradas das mercadorias externas. Agora falta ao Governo fortalecer e formar um Partido de vanguarda para poder mobilizar as massas de forma a fazer avançar as medidas que se prontificaram seguir.

Para o MPLA, é favorável a posição tomada, mas obriga-nos a aproveitar esta situação para andarmos depressa. Porque os imperialistas não estão satisfeitos com esta medida. Por enquanto não conseguirão fazer nada porque houve uma boa reacção do povo, o que se verificou pelas manifestações das Organizações de massas da Tanzânia, em apoio às decisões do Governo e Partido da TANU. Mas o imperial nunca abandona a sua tarefa de lutar contra todas as forças revolucionárias. Por isso fará certamente a sua campanha que temos de antemão contar.

A nossa representação em Dar-se-salaam, enviou uma mensagem ao Presidente NYERERE, apoiando totalmente as medidas que tomou da nacionalização de Bancos e de outras empresas e fizemos votos para que outras medidas sejam tomadas para a consolidação da Independência do povo irmão da Tanzânia.

Kinshasa.
Entre os dias 11 a 13 a convite do Presidente Mobutu, reuniram-se em os seguintes países, CONGO-KINSHASA, TANZÂNIA, ZÂMBIA, CONGO-BRAZZAVILLE, SUDÃO, BURUNDI, UGANDA, KENYA, REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA e RWANDA. Estiveram presentes os Presidentes Alphonse MASSAMBA-DEBAT, Congo- Brazzaville, Joseph MOBUTU, Congo-Kinshasa, Keneth KAUNDA, Zambia, Milton OBOTE, Uganda, Ismaile E. AZHARI, Sudão e Michel MICOMBERO, Burundi. Diz-se que na discussão, tratou-se do problema da segurança destes países, do problema da Rodésia da luta pela independência económica do Congo-Kinshasa, e que também se discutiu o problema angolano. Claro que não temos pormenores desta reunião.

Devemos enviar mais 67 camaradas, que deverão completar o número daqueles que já foram enviados para Céu. Eu sei que as condições em que fazemos o recrutamento são muito difíceis, a começar mesmo pela falta de um médico, que possa fazer uma inspeção rigorosa. Acontece que a maioria do grupo que enviamos é doente e muitos deles doenças sérias que os impossibilitarão, de participar activamente na luta, porque alguns deles estão no hospital em vez de fazerem o treino. Para nós isso representa não só uma perda de tempo como uma perda de energias. Aliás, a isso, há mesmo as reafirmações dos amigos que pedem que nos preocupemos mais com a escolha. Devíamos usar um critério. Por agora, devíamos enviar os camaradas, fortes, que tenham dado provas de militância no Movimento. Porque de futuro, penso que teremos que cortar, com este envio em massa dos camaradas para o estrangeiro, e os que sairão, serão aqueles que forem dando provas de combatividade e de competência na nossa luta armada. Para estares camaradas está saída servirá como repouso, ao mesmo tempo que aumentarão os seus conhecimentos militares.

O camarada KANGA, escreveu-me e disse-me que o grupo com que seguiu ao chegar cerca de 25 camaradas foram todos hospitalizados. E segundo informações alguns são tuberculosos.

PROBLEMA DA SAÚDE
Parece que teremos em parte resolvido este problema. Espera-se brevemente a chegada do Dr. Américo BOAVIDA que se ocupará dos trabalhos de saúde da 3ª região bem assim como o camarada Ribeiro de SOUSA enfermeiro, que até aqui tem trabalhado na 2ª região com grande dedicação. Já foi anunciada a chegada deles a Dar-es- salaam.

Por hoje é tudo.
Aceitem, caros camaradas, as minhas saudações revolucionárias.

VITORIA OU MORTE
A VITÓRIA E CERTA

*[Assinado: Daniel Júlio Chipenda]
Daniel Júlio CHIPENDA
JT/.
*[Carimbado: “M.P.L.A. Representative in Tanzania”]

Relatório confidencial de Chipenda ao Comando Regional Prov. da 3ª Região (Dar-es-Salaam).

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