Carta de Irene Cohen

Angola 6/2/67

Mariazinha querida, mano Edu e cara Ruth:

Desculpem escrever para os 3, mas as circunstâncias não me permitem fazê-lo doutra forma.

Afinal surgiu uma oportunidade inesperada. Encontramo-nos com um grupo que vai aí buscar material e aproveito a oportunidade para vos dar notícias minhas.
A viagem tem sido razoável. É duro, mas duro. O pior é a fome. Temos até parado por causa dela. Há tanta caça mas só matamos 2 pacaças. Descrever-vos toda seria um romance de aventuras. Enfim, as moças têm se aguentando bem, melhor que muitos rapazes. Veremos se chegaremos ao fim. Toda a malta emagreceu bastante, mas segundo dizem eu tenho bom aspecto. O moral agora vai bem, pois afinal a revolução é difícil, dura e exige muitos sacrifícios.
Por aí como vão? Espero que todos bem, assim como as vossas crianças a quem envio beijocas saudosas.
Quando houver portador enviem-me cigarros, mas entreguem à Jovita pois ela estará ao coerente. Também se tiverem correio para mim, cadernos, bicks.
O Lúcio já regressou? Deem-lhe saudações da minha parte.
Então manos como vão? Nunca mais ouvi a voz da Mariazinha. Esta longa marcha é dura. Imagina que por causa da UPA nos desviamos da rota e temos andado tanto que talvez nos falte cerca de 2 a 3 semanas de caminho. Pensei em ti, quando disseste que os guias são a MPLA.
A malta vem das matas quase nua.
A família do Marcelino segue neste grupo. A mulher está magríssima e 4 crianças. Isto é uma vida terrível. A situação no interior é muito encorajadora e o MPLA está crescendo. É preciso mesmo entrar mais malta.
Há sempre tanta coisa a dizer e contar mas o tempo e papel são limitados.
Esperemos talvez uma nova oportunidade. Acreditem que penso muito em vós e anseio rever-vos. Deixemos o tempo passar e fazer o seu trabalho.
Para todos muita saúde e felicidades.
O meu melhor abraço de saudades vossas.
Irene

P.S. Dá saudades à Teté quando lhe escreveres.
Conto ver-vos cá dentro ainda este ano, ok.
Que tal o Bibi tem escrito?