Alocução de Amílcar Cabral ao Povo Português na «Voz da Liberdade»

Cota
0084.000.046
Tipologia
Discurso
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel Comum
Autor
Amílcar Cabral
Data
Jul 1966
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Acesso
Público

P.A.I.G.C. - Nº68 . JUNHO DE 1966 -
Libertação
 Unidade e Luta

ÓRGÃO DO PARTIDO AFRICANO DA INDEPENDÊNCIA DA GUINÉ E CABO VERDE

[Só se transcreveu o que está assinalado com esferográfica]

Cabral fala ao povo português através da «Voz da Liberdade»

A NOSSA LUTA NÃO SE DIRIGE CONTRA AS FAMÍLIAS PORTUGUESAS OU CONTRA INDIVÍDUOS PORTUGUESES 
SE PEGÁMOS EM ARMAS FOI PARA ACABAR NA NOSSA TERRA COM A DOMINAÇÃO COLONIAL PORTUGUESA QUE NUNCA CONFUNDIMOS COM O POVO DE PORTUGAL

A guerra colonial que o Governo de Lisboa faz contra o nosso povo e contra os povos irmãos de Angola e Moçambique ganha cada dia mais adversários em Portugal. Se ultimamente em certas esferas da política portuguesa se levantam vozes discordantes a exigir que se ponha termo a essa guerra, o povo humilde e trabalhador de Portugal, que tem sofrido no seu corpo e na sua alma as consequências da política ultra-colonialista do seu governo, já de há muito vem manifestando a sua oposição a essa política, a qual orienta fatalmente o seu país para a ruína.

   Todos nós sabemos que não existem povos colonialistas. O colonialismo é, em última análise, uma forma de opressão e exploração exercida pela minoria dominante de um país sobre o povo de um outro país. Mas, dentro das suas próprias fronteiras, essa minoria, que detém o poder, exerce também uma exploração feroz sobre o seu próprio povo. Por isso é corrente dizer-se, com razão, que nenhum país é verdadeiramente livre enquanto mantiver o seu jugo outros países.

   A opressão e a exploração fascistas sob as quais geme há dezenas de anos o povo português são uma prova evidente dessa verdade.

   A fim de interessar o seu próprio povo na sua política de dominação e exploração de outros povos, os governos colonialistas vem-se forçados a uma propaganda intensa e dispendiosa, enganando criminosamente as massas populares em questões que afectam toda a vida da nação.

   No que respeita à propaganda dos colonialistas portuguesas, ela continua até hoje a usar os argumentos já estafados da incapacidade económica de Portugal para sobreviver sem colónias, da defesa da cristandade e da “civilização ocidental” e dos direitos que uma “soberania de séculos” teria criado para Portugal sobre as nossas terras ... e as nossas pessoas.

   Ao mesmo tempo, fomentando o racismo e o “chauvinismo”, os colonialistas portugueses têm procurado despertar no povo português os meios baixos ódios contra o nosso povo, apresentando-nos como “terroristas”, “bandidos”, selvagens e outros qualificativos que melhor iriam aqueles que, da Lisboa e Bissau, comandam a destruição das nossas escolas, dos nossos hospitais e campos de cultura, semeando a morte entre as populações das pacificas tabancas do nosso país.

   A nossa causa é justa. A justiça não se defende, nunca se defendeu fomentando ? (ilegível). Em nenhum documento do Partido, pela boca de nenhum dos nossos responsáveis, em momento nenhum procuramos criar no nosso povo o ódio ao povo português. Este sabe bem que os seus filhos, os soldados portugueses que, discordando da política criminosa dos seus comandos, têm procurado refúgio entre nós, sempre receberam um acolhimento fraternal e um tratamento humano e levassem de junto de nós a lembrança dos melhores dias que passaram na nossa terra. Sabe também que os próprios prisioneiros de guerra têm entre nós um tratamento que certamente não conheceram nos quartéis onde estavam anteriormente, mantendo até correspondência com as suas famílias e delas recebendo cartas e encomendas.

Não temos necessidade de odiar os homens, o povo, porque, contrariamente aos colonialistas portugueses, nós temos a razão do nosso lado; porque o nosso Partido nos ensinou a respeitar o homem, a sua dignidade, aquela dignidade, que durante séculos, os colonialistas negaram ao nosso e ao seu próprio povo.
 
Dirigindo-se, a 2 de Julho, ao povo português, através dos microfones da “Voz da Liberdade”, emissora da Frente Patriótica da Libertação Nacional - oposição portuguesa - o nosso Secretário Geral, camarada Amílcar Cabral, lembrava justamente este princípio fundamental da nossa conduta.

A luta do povo português contra o fascismo é uma contribuição valiosa para a liquidação do colonialismo português em África. Assim como - e disso estamos conscientes - os golpes duros que temos desfechado contra o colonialismo fazem estremecer perigosamente o fascismo em Portugal. Esta a razão por que, em vez de um inimigo, temos no povo português um aliado com o qual devemos procurar melhorar constantemente as nossas relações, um companheiro de armas que devemos encorajar no seu combate. E, uma vez as nossas pátrias libertadas, nada poderá opor-se a que - como disse Cabral na sua mensagem - os nossos dois povos independentes colaborem ao máximo para fazer uma vida digna, uma vida de progresso, paz e felicidade para toda a gente nas nossas terras.

Fotocópia da alocução de Amílcar Cabral ao Povo Português na «Voz da Liberdade», in «Libertação - Unidade e Luta» nº 68».

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