Carta de Henrique Abranches a Ruth Lara

Cota
0082.000.011
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel Comum
Remetente
Henrique Abranches
Destinatário
Ruth Lara
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Acesso
Público

Alger, 17 de Janeiro de 1966

Querida amiga Ruth
                 
Informaram-me há dias que estavas veraneando neste Inverno em Paris, até ao dia 25. Deus queira que assim seja o que fará com que ainda leias esta carta e por isso fiques em situação de resolver um dos nossos principais problemas.
Mas primeiro quero eu dar-te algumas informações sobre as nossas actividades aqui, que, estou certo te agradarão imenso e farão mesmo a tua inveja -- caso ainda conserves aquele espírito militante com que te conheci e que me fez estimar-te.
Essas actividades, em suma, andam todas à roda do Centro de Estudos Angolanos, coisa que tu já deves conhecer. Esse Centro -- digo-to para referência -- é um organismo de camaradas angolanos (entre os quais eu, o Pestanita e a Céu e outros que talvez não conheças), de carácter autónomo do ponto de vista orgânico, mas, claro, unha com carne com o MPLA, trabalhando para o MPLA e mesmo, muitas vezes fazendo trabalhos «encomendados» pelo MPLA. Até hoje, o Centro tem cumprido o seu papel e goza de prestígio junto de quem deve. A esse respeito podemos afirmar, por muitas provas que não interessa agora dar, mas sobretudo pela aceitação que a base militante do MPLA tem demonstrado para com as publicações do centro (CEA).
Enfim camarada, toda esta «conversa» é para te mostrar nem eu nem os camaradas estamos a trabalhar em círculos fechados e muito pelo contrário temos um papel a cumprir na Revolução Angolana, papel que temos cumprido e desenvolvido.
Porém entre os diversos problemas que se têm posto ao desenvolvimento desse trabalho tem sido a falta aguda e angustiosa de documentação, que as vezes é sumariamente melhorada para logo em seguida entrar numa pausa. Era absolutamente necessário que os camaradas em Lisboa, em particular os da Casa, se preocupassem em fornecer-nos o material em documentação necessário para os estudos e publicações que a Revolução nos impõe que façamos. Era necessário que a malta la, lesse as nossas publicações para: a)  participar nelas, quer escrevendo também os seus trabalhos dentro do mesmo espírito, quer criticando os que aparecem publicados, quer dando informações sobre o que se vai passando em Angola, em Portugal relativo a Angola, etc;-- isso faz-se (apenas uma indicação) escrevendo para Paris para a morada que vou indicar no P. S.; b) ter uma ideia imediata das nossas principais necessidades através das nossas publicações; c) informar-se sobre o seu pais, sobre a marcha a Revolução, na medida em que as nossas publicações contribuem para essas informações.
Querida Ruth. Parece-me que o que já disse é bastante para te demonstrar a nossa necessidade de documentação de toda a espécie sobre Angola e também a nossa esperança de que possas dar um coup de main a este problema, combinado com a malta que resta lá em Lisboa o que há a fazer. Assim, parece-me que essencialmente se põem os seguintes problemas: 1) estabelecer uma ponte entre Lisboa e o CEA através da qual passem as publicações do CEA para Lisboa e documentação e cartas da malta de Lisboa para o CEA em Alger. Far-se-á por intermédio de Paris com o tal endereço do PS.; 2) Estabelecer outra ponte -- se possível – entre Lisboa e Luanda da qual possa beneficiar também o CEA. Digo estas coisas, está claro, porque não tenho conhecimento nenhum do trabalho que a malta vem fazendo aí em Lisboa.
Fica portanto claro, suponho, que uma das nossas principais necessidades é a de fontes de investigação e informação, ou seja documentação de toda a ordem; outro dos nossos problemas é um maior contacto no exterior incluindo a malta que esta em Lisboa e que muitas vezes é mais seria do que a que esta cá fora; outro problema, enfim é o contacto com o interior mesmo, isto é, Angola.
Agora, amiga Ruth, vou dar algumas indicações sobre as nossas necessidades mais urgentes no capítulo da documentação. Essas necessidades constam principalmente de duas espécies de documentação: jornais e revistas por um lado, livros por outro.    
A lista dos livros encontrá-la-as em anexo por que é muito comprida. Peço-te que, na medida do possível tentes arranjar esses livros indicados em primeira urgência, enviando-os para a tal morada indicada no PS. Seria isso uma contribuição inigualável para o trabalho do CEA, o qual, em muitos aspectos, é a continuação e aprofundamento daquele trabalho que se começou na Casa no tempo em que por lá andamos em bolandas.
Quanto aos jornais e revistas parece-nos que os mais importantes são:
1)    todos os diários de Angola, em particular ABC e Província, e mais O Século e Diário da Manhã, de Portugal.
2)    Boletim Oficial de Angola
3)    Revistas «O Trabalho», «Ultramar» e outras sobre Angola (até mesmo as mais reaccionárias).
Bom, camarada e amiga, ainda não falei daquelas partes sentimentais, tais como a saudade e outras porque primeiro queria falar de coisas concretas. Agora passemos ao segundo aspecto…
Disseram-me que tinhas posto a limpo um certo número de coisas com o «cavilhas» o que eu acho que foi bom. Espero que esse «pôr a limpo» te tenha permitido um aumento de perspectivas políticas e outras, coisa que de resto eu tinha a certeza que ia acontecer se, era sólida a base da minha confiança em ti, como camarada. Disseram-me também que tiveste incómodos com os F. da P. da Pide o que é muito chato mas ao mesmo tempo te deu a primeira experiência na matéria (não te desejo mais experiências dessas. Sobretudo quando isso tiver que acontecer, que não seja uma experiência!). Finalmente disseram-me que eras uma das pessoas que se mantiveram firmes até hoje, o que me parece muito bom até na medida em que as condições de vida em Lisboa não devem ser muito animadoras. Suponho que é preciso muita coragem, muita convicção, muita honestidade.
Como vês tudo o que me disseram é o mais animador possível e deixou-me muito contente, por ver que a minha amiga Ruth continua a ser a mesma «boa pequena» que conheci, ou talvez ainda melhor. Gostaria de saber notícias das outras pessoas. Peço-te que antes de partires me escrevas respondendo a isto tudo e dizendo, tanto quanto possível, quais são as aspirações imediatas da malta em geral em Lisboa, e qual o estado de espírito, e também o que aconteceu em seguida à dissolução da CEI.
Fico pois esperando as tuas notícias e a indicação duma morada segura em Lisboa para poder enviar coisas ou alguém em Paris que se encarregue disso. Entretanto um grande a afectuoso abraço do
Abranches
LISTA  DOS  LIVROS  DE  PRIMEIRA  NECESSIDADE

1)    Anuários das Missões de Angola
2)    Relatórios do Banco de Angola a partir da 1964, inclusive.
3)    Relatórios da Companhia dos Diamantes a partir de 1964 incl.
4)    Relatórios do Caminho de Ferro de Benguela a partir de 1964 incl.
5)    Relatórios da Associação Industrial de Angola (todos que arranjares)
6)    Relatórios da Assoc. Comercial de Angola (todos)
7)    Anuário estatístico de Angola 1963, 1964, e 1965
8)    Censo da População de 1960
9)    Estatística de Educação 1963/64 ou 1964/65
10)    ALMEIDA, António -- «Relações com os Dembos» -- 1938
11)    ALMEIDA, Belo -- «Operações militares no Bimbe» -- 1944
12)    AMARAL, Ilídio -- «Operações militares na região de Sanga» -- 1942
13)    AZEVEDO, Ávila -- «A grande travessia de Capelo e Ivens»
14)    BRITO, Abreu e -- «Um inquérito à vida administrativa e económica de Angola e do Brasil» (escrito em 1592) -- Coimbra 1931
15)    Antigos boletins da Sociedade de Geografia de Lisboa, respeitantes a Angola.
16)    CABRITA, Carlos -- «Em terras de Luenas: breve estudo sobre os usos e costumes da tribo Luena» -- Ag. Geral do Ultramar 1954
17)    CADORNEGA, A. O. («História geral das guerras angolanas» -- AG. Geral do Ultramar -- 1940-42 --
18)    CASTELOBRANCO, Franc. -- «História de Angola», 1932
19)    Catálogo dos governadores de Angola
20)    Todos os livros de Luciano Cordeiro, particularmente «produção comercio e governo do Congo e Angola» e «Escravos e minas de África»
21)    Todos os livros de Ralph Delgado, particularmente «Historia de Angola»
22)    Todos os livros de Gastão Sousa Dias, particularmente «Relações de Angola» -- Coimbra 1934
23)    Diniz, F. -- «Populações indígenas de Angola» -- Coimb. 1918
24)    GALVAO, Henrique -- «Dembos” e também outros livros interessantes que aparecerem.
25)    GUIMARÃES -- «A campanha do Humbe (1897-98)
26)    LEMOS, Alberto -- «História de Angola»
27)    MAGALHAES , Mir. -- «Os Ambundos de Angola e o percurso provável para aquela hoje nossa colónia» -- Porto, 1934
28)    Todos os livros de Oliveira Martins sobre Angola ou sobre o colonialismos, em particular: «O Brasil e as colónias portuguesas», Lisb.51
29)    MONCADA, Cabral -- «A Campanha do Bailundo»,1935
30)    Todos os trabalhos e livros do José Redinha, em particular «Etnosociologia do Nordeste de Angola, »  Agenc. Ger.do Ultram.
31)    SILVA CORREA, E.A. -- «Historia de Angola», reeditado na Colecção dos clássicos da expansão portuguesa no Mundo em Lisboa 1937

Parece serem estes os livros que correspondem à uma primeira necessidade. É claro que não se vai conseguir arranjar todos mas por isso mesmo a lista concebe já essa limitação e recomenda mais do que um livro sobre o mesmo assunto. Se se arranjar todos os livros indicados sobre o mesmo assunto não tem importância, porque é sempre útil. Enfim, nenhum livro deve ser suprimido da lista.
Os primeiros Nove desta lista são indispensáveis e infelizmente insubstituíveis. Era importante arranjá-los integralmente.
Além destes livros recomendo todas as publicações da Diamang e mais os que achares que podem ter interesse. O importante é que venham livros.

 

Carta de Henrique Abranches a Ruth Lara, com lista de livros de primeira necessidade

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Nomes referenciados