Relatório de Williem Bossier sobre MPLA

Cota
0069.000.011
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Williem Bossier
Data
1964 (estimada)
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
3
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

[Sem data – 1964]

RELATÓRIO BRAZZAVILLE
Pela minha profissão de professor de português e as minhas estadias em Portugal, já há muito tempo que mantenho relações com a oposição clandestina portuguesa e sobretudo com os movimentos de libertação das colónias portuguesas. Há muito tempo que conheço particularmente bem o MPLA.
Estava na Argélia, no verão de 1963, quando rebentou a crise do nacionalismo angolano, na sequência das recomendações do “Comité de Reconciliação”, seguidas pelo reconhecimento do GRAE de Roberto Holden pela maior parte dos governos africanos, entre os quais a Argélia. Como a “questão angolana” sempre me preocupou, dediquei-me a uma investigação pessoal, tanto junto dos dirigentes e membros do MPLA que já conhecia, como junto dos dirigentes da FNLA, entre eles o representante em Argel do GRAE, Johnny Eduardo.
Convencido que o reconhecimento do GRAE e o apoio absoluto concedido à FNLA eram um erro, levantei a questão, durante uma entrevista que tive com o Presidente Ben Bella, a 3 de Setembro de 1963 em Villa-Joly. Se bem me lembro, o Presidente Ben Bella declarou-me que tinha todas as razões para acreditar na validade do inquérito do Sr. Sahnoun, segundo o qual o MPLA tinha definitivamente fracassado. Durante esta entrevista, o Presidente Ben Bella dizia-me que o MPLA se tinha comprometido com Fulbert Youlou, que estava pronto a aceitar uma lei-quadro, “eleições” controladas pelos colonialistas portugueses, que a demissão de Mário de Andrade lhe parecia mais uma prova do fracasso do MPLA, e que a escolha perante a qual se encontravam países como a Argélia era esta: ou não se passaria mais nada em Angola durante anos e anos, ou o colonialismo português seria derrotado pela acção do movimento de Roberto Holden.
Confesso com toda a franqueza que esta série de acusações me parecia quase inacreditável e me entristecia profundamente. Disse isso ao próprio Presidente Ben Bella aquando dessa entrevista. Ele respondeu-me que compreendia perfeitamente a minha perturbação pois ele próprio tinha sentido o mesmo.
Desde então passou-se um pouco mais de um ano. Continuei a observar atentamente a situação angolana. Recebia o boletim de informação da representação do GRAE em Argel. Baseando-me nos comunicados militares que aí apareciam, e com vista a dar-me conta da amplitude que Roberto Holden daria à luta armada, calculei um dia quantos colonialistas portugueses morriam em combate. Cheguei ao número de três por dia em todo o território angolano.
Fiz a seguinte reflexão: tendo em conta a envergadura da ajuda africana concedida a Roberto Holden, este número era irrisório. Também, enquanto leitor assíduo da “Révolution Africaine”, fiquei agradavelmente surpreso ao ver que a foto de Agostinho Neto continuou a figurar neste semanário, ao lado de outros dirigentes nacionalistas de territórios africanos ainda não libertados. Em seguida foi o artigo de Mário de Andrade, muito desfavorável a Holden (nº 74), a verdadeira reabilitação do MPLA sob o título “O que se julgava resolvido” (nº 79), a reportagem sobre os grupos de guerrilha do MPLA em Cabinda (nº 78), e uma singular entrevista de Holden (nº 83), à qual terei ocasião de voltar.
Foi então que decidi apanhar o avião para Brazzaville, a fim de retomar contacto com os meus antigos amigos do MPLA, e também a fim de retomar contacto com o CNL congolês (enquanto Belga anti-colonialista activo, tinha certas razões para me encontrar com os nacionalistas da antiga colónia da Bélgica...).
Fiquei em Brazzaville de 20 de Agosto a 6 de Setembro últimos.
Também tive, entre outras coisas, a ocasião de passar alguns dias nas zonas de guerrilha do MPLA em Cabinda. Pude verificar que a reportagem, saída no nº 78 da “Revolution Africaine” era rigorosamente exacta até aos mínimos detalhes. Durante esses dezoito dias que acompanhei os dirigentes e os militantes do MPLA, vi e ouvi tantas coisas que ser-me-ia difícil fazer um relatório completo. Esta estadia simplesmente confirmou a excelente impressão que sempre tive do MPLA, tanto antes como depois do reconhecimento do “governo Holden”. Posso afirmar que a guerrilha que o MPLA leva a cabo em Cabinda é um modelo da actividade de que um movimento é capaz, com os meios de que ele dispõe e no contexto africano no qual é forçado a conduzir a sua actividade. Posso certificar que se contam às centenas os militantes do MPLA que se encontram fora das fronteiras de Angola, e que só esperam o momento em que lhes seja dada uma arma para entrar na guerrilha.
As pessoas que acompanhei não são do tipo de querer aceitar um compromisso neo-
-colonialista com Portugal! E que dizer da sua “conivência com Fulbert Youlou”, quando recebem um apoio total daqueles que, precisamente, expulsaram Youlou.
Quanto a Mário de Andrade, que encontrei também em Brazzaville e com quem tive longas conversas, voltou a juntar-se ao MPLA declarando que este movimento continuou fiel aos princípios que sempre o animaram e que a orientação seguida pela sua direcção, desde Junho de 1963, era justa.
Creio ser supérfluo recordar as declarações de personalidades dirigentes da FNLA e do GRAE que se demitiram recentemente, tais como o médico e o farmacêutico dirigentes do dispensário da FNLA, o representante do GRAE na Áustria e o ministro dos negócios [estrangeiros] do GRAE. Declarações que acusam Holden da responsabilidade do retrocesso da luta, de actividades tribais fratricidas em grande escala e de desvio de fundos e esbanjamento. Encontrei-me também com os três membros do Estado-Maior de Holden, entre os quais o comandante em chefe, que fugiram da base congolesa de Kinkuzu para se juntar ao MPLA em Brazzaville. Esses homens deram-se conta do verdadeiro papel que joga o Holden na questão angolana e reservam as suas revelações em primeira-mão para a nova comissão de inquérito sobre o nacionalismo angolano.
Presentemente, um dos principais instrutores militares do exército de Holden é um tal Ernhard Manhertz, Americano enviado do Vietname do Sul. Parece que o reorganizador do sindicato de Holden (LGTA) é um antigo funcionário de Trujillo.
Apesar de toda a ajuda africana de que dispõe, assim como de um exército de 50.000 homens (segundo ele próprio declara), Holden reconheceu na Conferência do Cairo que perdeu 300.000 km2 dos 500.000 km2 que dizia ocupar em Angola... Isso porque os dirigentes africanos teriam falhado com a sua promessa de ajuda material (explicação fornecida na Conferência do Cairo) e porque uma parte do material fornecido estaria defeituoso (explicação dada na recente entrevista à “Révolution Africaine”)... Na mesma entrevista, ele confirma que tinham sido dadas e executadas ordens para aniquilar todos os grupos militares do MPLA que tentam penetrar em Angola sem a permissão do GRAE e que, aliás, essa permissão não lhes seria concedida.
O que queremos mais?
Não sou o único a pensar que Holden é muito simplesmente um agente americano, encarregue de bloquear por todos os meios os nacionalistas radicais do MPLA e de estar atento para intervir logo que a revolução angolana faça uma viragem perigosa para o Ocidente, o que teria repercussões incalculáveis (e incontroláveis pelo imperialismo) em Portugal e na Espanha. A aliança Holden-Adoula era significativa a esse respeito assim como o modo como o MPLA foi tratado em LÉOPOLDVILLE.
Sobre isso também posso trazer um testemunho pessoal. Fui eu que, faz agora cerca de dois anos, comprei todos os mapas militares do Congo ex-belga e de Angola que pude encontrar na Bélgica, a pedido do MPLA. (Refiro-me, naturalmente, a mapas detalhados que PODIAM servir objectivos militares). Enviei essas encomendas ao MPLA. Não era isso uma prova da decisão do MPLA em combater? Realmente, se o MPLA não conseguiu até agora realizar o que queria realizar, não é certamente culpa sua.
Segundo aquilo que ouvi, o MPLA compreende perfeitamente a situação delicada na qual se encontram os países irmãos que reconheceram o GRAE. Assim não pede, para o período que se segue, uma revisão desse reconhecimento. Tudo o que ele pede é a liberdade de acção para o MPLA e uma assistência material bem concreta por parte de alguns países africanos progressistas, a fim de poder demonstrar por factos aquilo de que é capaz.
Que o governo argelino me permita expressar o meu profundo desejo que isso se realize! Se é normal que o MPLA seja a vítima do ódio de uns, do oportunismo de outros, não é nada normal que seja também vítima de malentendidos por parte dos melhores entre os revolucionários africanos.

Willem BOSSIER

«Rapport Brazzaville» de Willem Bossier

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