Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»
MEMORIAL A SUA EXCELÊNCIA GODEFROID MUNONGO ILUSTRE MINISTRO DO INTERIOR E DE FUNÇÕES PÚBLICAS DO GOVERNO DA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO LÉOPOLDVILLE Rev. DOMINGOS DA SILVA – Presbítero da Igreja Metodista em Angola, Representante legal do Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados (CVAAR) e 1. Vice-Presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA, vem respeitosamente expor a Sua Excelência, Senhor Ministro do Interior os seguintes casos: Vai cerca de um ano desde que o Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA – se agoniza, vítima de medidas tão injustificadas quanto discriminatórias que lhe foram impiedosamente infligidas pelo Governo do sr. Adoula em consequência de que resultaram o encerramento do Bureau do MPLA e a interrupção de todos os serviços de assistência aos refugiados ao longo de toda a fronteira Congo-Angola, condenando com este procedimento muitos milhares de angolanos refugiados à uma profunda miséria indescritível! Tudo isto sem justificação se lembrarmos de que o CVAAR é uma instituição alheia a todas as vicissitudes da política congolesa, cujo alvo era só de bem fazer e bem servir não só aos refugiados mas também ao povo hospitaleiro. A investidura da nova equipa Governamental desta República Democrática do Congo presidida por Sua Excelência Moíse Tshombé desperta nas massas angolanas a esperança de ver o seu problema lembrado com equidade e justiça dignas dum povo que serve de sustentáculo ao povo irmão que luta pela sua liberdade. Os olhos de milhares de angolanos estão postos em vós, Senhor Ministro. O seu rápido resgate da escravidão de quinhentos anos ou o seu total extermínio pelas metralhadoras de colonialismo português e pela miséria e doença sem recursos possível, dependerá da atitude da meritosa equipa do Governo dum povo de que estamos identificados e confundidos em profundos laços familiares. Para que dizer mais, historiar mais sobre as nossas seculares relações? Vossa Excelência, Senhor Ministro, e todo o povo congolês o sabe de sobra. Por isso, em nome do povo sofredor angolano, em nome da Instituição de Assistência aos Refugiados Angolanos (CVAAR) e em nome do MPLA, elevo para junto de Vossa Excelência senhor Ministro, para que sirva nas instâncias do seu Governo o advogado dum povo vítima hoje de toda a espécie de exploração dos homens ambiciosos. A observação de tantas medidas de salvação pública, de tanta generosidade manifesta pela libertação incondicional de muitas centenas de prisioneiros políticos deste país, de tantas medidas transcendentes que o actual Governo de transição desta República prodigaliza com vista de arrancar o povo congolês do caos nos anima a vir expor a Vossa Excelência e suplicar o seguinte: a) Considerando que o número de refugiados aumenta de dia para dia num estado deplorável em que a fome, a nudez, as enfermidades ultrapassam tudo quanto se pode considerar calamidade que ameaça o extermínio dum povo; Considerando que o dito Governo Revolucionário Angolano no Exílio do Holden Roberto está ultrapassado pelo desenrolar dos acontecimentos em toda a sua extensão; Considerando que as Instituições filantrópicas que presentemente se esforçam em vão a fazer face à situação estão também ultrapassadas pelas circunstâncias; Não será de desprezar a ideia de reabertura dos Dispensários do CVAAR. É nesta ordem de ideias que pede a Vossa Excelência: Autorização da reabertura dos serviços do Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados – CVAAR – e de todos os Dispensários dos serviços sociais ao longo da fronteira Congo-Angola. b) Autorização da reabertura do Bureau Central do MPLA em Léopoldville. c) Liberdade de acção sobre o território congolês que lhe torne possível a continuação da luta pela libertação de Angola. d) Vigiar para que o senhor Holden Roberto deixe de perpetrar nas ruas e nomeadamente no Beach FIMA desta cidade, os raptos de angolanos já em si aflitos pela miséria e pela morte impostas pela repressão impiedosa, tarefa esta ajudada pelos certos agentes da sûreté congolesa que possivelmente corrompe. Desapareceram desta arte durante os últimos dias os seguintes militantes do MPLA: António dos Santos Ambrósio, António Mubemba, Jacinto Manuel, Arsénio Mesquita, Manuel Morais e João Zombo Necongo e Manuel Carnoth, este último foi encontrado assassinado no Lemba, sendo muitos amolestados. A vida de angolanos está sendo motivo de caça e vingança por parte do senhor Holden Roberto e de certos agentes por ele corrompidos, numa hora em que deixa em paz os portugueses – nosso inimigo comum! Esse procedimento que foi facilitado pelo Governo cessante do senhor Adoula, além de ser um abuso de confiança e uma violação ao espírito hospitaleiro do Governo e do Povo Congolês, ainda procura sobreviver e mandar os sagrados humbrais deste Governo. Acrescenta-se o facto de que vários elementos angolanos que desprezam todos os perigos conseguem de romper a barreira de mil e uma dificuldades impostas pela repressão portuguesa para vir nesta capital em busca de medicamentos e roupas que se destinam a socorrer a muitos angolanos que se agonizam nas florestas angolanas, ao seu regresso são presos e esbulhados [sic] na fronteira por certos agentes desta República a soldo do Sr. Holden Roberto. Por isso pedimos a Vossa Excelência a sua intervenção no sentido de pôr termo a este estado de coisas. Com o protesto do meu profundo reconhecimento subscrevo-me com a máxima consideração, De Vossa Excelência muito Atento Venerador e Obrigado, Rev. Domingos Francisco da Silva Léopoldville, 30 de Outubro de 1964
Exposição ao Ministro do Interior da RDC, assinado pelo Reverendo Domingos da Silva (Léopoldville).