Relatório da delegação do MPLA à Conferência dos Países Não-Alinhados

Cota
0067.000.023
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Locais
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
8
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

RELATÓRIO DA DELEGAÇÃO DO MPLA À CONFERÊNCIA Dos PAÍSES NÃO ALINHADOS A 2ª Conferência dos Chefes de Estado ou de Governo dos Países não alinhados, realizou-se na cidade do Cairo, de 5/X/64 a 10/X/64 [acrescentado à mão]. Fizeram-se representar os seguintes países: Como participantes, Afghanistão, Argélia, “Angola”, Arábia Saudita, Birmânia, Burundi, Cambodge, Camarões, Ceylão, Congo (Brazzaville), Cuba, Chypre, Dahomey, Etiópia, Ghana, Guiné, Índia, Indonésia, Iraque, Jordânia, Kénia, Koweit, Laos, Líbano, Libéria, Malawi, Mali, Marrocos, Mauritânia, Nepal, Nigéria, Ouganda, Senegal, Serra-Leoa, Somália, Sudão, Síria, Tchad, Togo, Tunísia, RAU, RCA, R.U., Tanganika e Zanzibar, Yémen, Jugoslávia, Zâmbia; como observadores, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Finlândia, Jamaica, México, Trindade e Tobago, Uruguay, Venezuela, totalizando cinquenta e sete países, isto é, mais de dois terços dos países independentes do nosso planeta. A república do Congo (Léopoldville) não participou porque a Conferência recusou a presença do seu chefe do governo Moyses Tchombé, que foi considerado por unanimidade dos seus membros “personna non grata”. Os trabalhos da conferência foram preenchidos pelas intervenções dos chefes das delegações, na sua grande maioria chefes de estado ou de governo, e terminou com o enunciado de um programa que considera os problemas fundamentais relacionados com o futuro dos povos. Durante as suas intervenções os diferentes oradores expuseram as suas concepções sobre os problemas da acuidade internacional e passaram em revista certos aspectos prementes da nossa época, nomeadamente a luta contra o colonialismo e o imperialismo, a necessidade da defesa da paz, da segurança internacional e de aumentar o nível de vida das zonas subdesenvolvidas. O programa adoptado encerra os capítulos seguintes: I. Acção consertada para a libertação dos países ainda dependentes; eliminação do colonialismo, do neocolonialismo e do imperialismo. II. Respeito do direito dos povos à autodeterminação e condenação do emprego da força contra os exercícios destes direitos. III. Discriminação racial e apartheid. IV. Coexistência pacífica e sua codificação pela Nações Unidas. V. Respeito pela soberania dos estados e pela sua integridade territorial. Problemas das nações divididas. VI. Solução dos diferendos sem ameaça nem recursos à força, conforme os princípios da Carta das Nações Unidas. VII. Desarmamento geral e completo, utilização pacífica da energia atómica, interdição de todas as experiências de armas nucleares, criação de zonas desnucleizadas [sic], prevenção da disseminação das armas nucleares e abolição de todas as armas. VIII. Pactos militares, armadas e bases estrangeiras. IX. As Nações Unidas; seu papel nos problemas internacionais; aplicação das suas resoluções; revisão da Carta. X. Desenvolvimento económico e cooperação. De uma maneira geral, o programa reflecte, por um lado os problemas que representam inquietação para os países recentemente independentes e por outro lado, preconiza as soluções e avança os meios para regular os diferendos internacionais susceptíveis de perturbar e de agravar as condições da nossa época. No que se refere ao capítulo que se relaciona directamente com a nossa actividade revolucionária, o texto começa por uma série de considerações sobre determinados princípios, tais como, a legitimidade do recurso às armas pelos povos colonizados, o direito à autodeterminação e à independência, afirma o engajamento dos países não alinhados na luta pela extinção do colonialismo, neocolonialismo e imperialismo, reconhece nos movimentos nacionalistas em luta os representantes autênticos dos seus respectivos povos, condena Portugal pela sua recusa obstinada em reconhecer o direito à autodeterminação e independência das suas colónias e de aplicar a declaração sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais, afirma a sua determinação de ajudar a luta dos movimentos de libertação nacional tanto no plano diplomático como nos planos financeiro e material e termina por adoptar as seguintes resoluções: 1. Pede instantemente aos países participantes que dêem todo o apoio material, financeiro e militar necessário aos combatentes da liberdade nos territórios sob dominação colonial portuguesa. 2. Estima que é conveniente apoiar o “GRAE” e os movimentos nacionalistas em luta pela independência das colónias portuguesas e de ajudar o Bureau Especial criado pela OUA no que se refere a aplicação de sanções contra Portugal. 3. Pede aos Estados participantes que rompam as suas relações diplomáticas e consulares com o governo português e que tomem medidas efectivas a fim de suspenderem todas as suas relações comerciais e económicas com Portugal. 4. Pede aos países participantes que tomem todas as medidas a fim de obrigar Portugal a aplicar as decisões da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Se considerarmos as opções políticas da maior parte dos países participantes, somos forçados a concluir que a Conferência tomou posições corajosas susceptíveis de permitir o reforço da luta dos movimentos de libertação nacional. No caso específico de Angola, o facto de se citar no ponto (2) o “GRAE” não pode levar a inferir que o MPLA sofreu uma derrota diplomática. Pelo contrário, o ponto (2) representa uma vitória para o nosso Movimento na medida que a Conferência não foi capaz de adoptar uma resolução concreta, exclusiva em relação ao “GRAE” apesar de nela estarem representados todos os governos que reconheceram o dito “governo”. A Conferência reconheceu indiscutivelmente o dualismo do MPLA-“GRAE” existente no seio do movimento de libertação nacional angolano. A nossa delegação constituída por Luiz de Azevedo Jr., Mário Pinto de Andrade e Eduardo dos Santos, aproveitou a concentração no Cairo das personalidades políticas africanas, asiáticas e europeias para criar as condições mais favoráveis ao MPLA junto dos organismos mandatados pela OUA para decidir sobre o problema do nacionalismo angolano, e para dar a conhecer os sucessos obtidos pelo nosso Movimento na luta contra a dominação colonial portuguesa do nosso país. Para esse efeito, a delegação realizou vários contactos, dos quais salientamos as entrevistas de Mário de Andrade com os presidentes das repúblicas da Guiné e da Argélia. Tanto Ben Bella como Sékou Touré mostraram-se favoráveis à unidade e deram a impressão de ter evoluído em relação às posições que sustentaram no decorrer da Conferência dos Chefes de Estado da OUA. A delegação do MPLA foi recebida pelo presidente da república da Jugoslávia, marechal Tito, juntamente com as delegações da FRELIMO e do PAIGC. O presidente Tito informou-nos ter recebido Roberto Holden e fez considerações relativas à necessidade da Unidade no seio dos movimentos de libertação nacional para o reforço e o sucesso das respectivas lutas. A delegação realizou duas reuniões com os dirigentes da FRELIMO e do PAIGC respectivamente Marcelino dos Santos e Amílcar Cabral que concluíram a necessidade da reorganização da CONCP e consideraram irrealistas as proposições do Secretário Geral da OUA, Diallo Telhi sobre as medidas a adoptar para reforçar a actividade dos movimentos de libertação nacional. Essas proposições estabeleciam a necessidade de um controle da OUA sobre os movimentos de libertação nacional através do alojamento dos militantes em campos financiados pela OUA e pelo abandono das suas representações exteriores aos países africanos independentes. Segundo a proposição do Secretário-geral, a OUA passaria a representar as organizações nacionalistas junto das instâncias internacionais, tais como conferências, Nações Unidas, etc. A delegação apoiou a proposta apresentada na reunião dos movimentos de libertação nacional sugerindo como seu porte-parole à Conferência, Amílcar Cabral. O secretário-geral do PAIGC teve assim oportunidade de subir à tribuna dos oradores para exprimir a opinião dos diferentes movimentos de libertação nacional africanos e de Puerto-Rico. O “GRAE” fez-se representar por Holden Roberto, Viriato da Cruz, Johny Eduardo Pinock, Matias Miguéis e os seus representantes no Cairo. Cerca de três dias depois de iniciada a Conferência, a nossa delegação reuniu-se para apreciar e decidir o pedido de Viriato da Cruz para se encontrar com Mário Andrade. Depois de ponderada a situação concluiu, ou melhor, decidiu-se pela afirmativa. Mário de Andrade deu-nos conta dos resultados dessas conversações que se resumem no seguinte: Viriato da Cruz continua a considerar-se representante da tendência pura do MPLA e afirmou-se disposto a depor na Comissão dos três na qualidade referida. Considera que dadas as circunstâncias actuais, a luta de libertação nacional de Angola só tem probabilidade de sucesso através do canal “GRAE”. Revela-se disposto a ultrapassar todas as querelas e sugere um encontro entre as “duas tendências” do MPLA para se encontrar a fórmula da sua unificação. Afirmou a possibilidade da sua instalação em Brazzaville, através de intermediários (Aquino Bragança informou-nos posteriormente da existência de uma correspondência assídua entre Viriato da Cruz e Lunda) e da exploração das contradições do governo congolês que segundo Viriato da Cruz não existe unanimidade no seu seio. Propôs-se servir de intermediário para uma entrevista entre Mário de Andrade e Holden Roberto. Com o acordo prévio da delegação, Mário de Andrade encontrou-se com Holden Roberto, um dia depois de encerrados os trabalhos da Conferência. Segundo Mário de Andrade, Holden Roberto não se demonstrou desfavorável à unidade, afirmando no entanto que não poderia naquele momento nada decidir, que teria de consultar os seus camaradas. Não foi possível à delegação certificar-se da sinceridade dos membros do FNLA. Entretanto o facto de Holden Roberto se ter negado a depor na Comissão dos três, sob o pretexto de não lhe reconhecer o mandato, e ter feito correr no seio das várias delegações, inclusive junto de Sékou Touré, que se tinha encontrado com Mário de Andrade como que a pretender que se concluísse que o acordo era perfeito, permite-nos talvez pensar que o presidente do FNLA faz uma manobra de diversão que lhe permita ganhar tempo. A delegação, sob sugestão do Ministro da Justiça da república da Zâmbia, enviou uma carta ao ministro M. Chona (ministro da justiça) na qual pedia a libertação de Daniel Chipenda e Ciel da Conceição e o convite para o MPLA se representar nas festas da independência daquele país. O ministro garantiu-nos que se interessaria pelos nossos pedidos e que poderíamos contar com a libertação dos nossos camaradas logo que [a] Zâmbia acedesse à independência. A Comissão dos três, reuniu-se no dia 13 de Outubro de 1964 para ouvir o MPLA. Estiveram presentes: pela comissão: Os representantes da RAU – Director dos Assuntos Africanos do M. N. Estrangeiros que presidiu à sessão. Os representantes do Ghana: M. Sam (embaixador no Ouganda) e M. John K.; A. Quashie (embaixador no Congo-Léopoldville). Os representantes do Congo (Brazza): Eugène Mankou (Director Assuntos políticos do M. N. Estrangeiros) do [?]. O secretário G. da OUA: – Diallo Telhi – apenas durante alguns minutos. O secretário adjunto da OUA: – Sahnoun – “ “ “ “ O secretário do secretário-geral da OUA esteve presente durante toda a sessão. O camarada Eduardo Santos depôs como porte-parole da delegação estando presente os restantes membros que compunham a nossa delegação. O presidente começou por indicar a natureza do mandato confiado à Comissão (ver processo geral da 8ª sessão da Conferência dos Chefes de Estado Africanos, 21 de Julho de 1964 anexo a este relatório) após o que se seguiram as questões levantadas pelos seus membros. (Em anexo texto das questões postas à delegação do MPLA pela Comissão). A delegação baseou as suas respostas nos seguintes pontos: 1. O MPLA está disposto ao diálogo com o FNLA a fim de se encontrar a fórmula da unidade. 2. O MPLA é uma força essencial para a vitória do Movimento de libertação nacional angolano. Foram avançados os elementos estatísticos inscritos no texto do Bilan das actividades. 3. O MPLA não considera o “GRAE” representativo. 4. O MPLA considera inaceitável a proposta do FNLA pretendendo que as organizações nacionalistas angolanas solicitem através da redacção de uma carta a sua adesão ao FNLA. 5. Não existe divisão no seio do MPLA. Viriato da Cruz e os seus correligionários foram expulsos pelo Comité Director, decisão sancionada em Janeiro de 1964 pela Conferência de Quadros, por actos de indisciplina visando a liquidação do MPLA. 6. Está estabelecida uma corrente centrífuga no seio do FNLA que se tornou manifesta com a demissão de Jonas Savimbi, Kalundungo e Lyauca [sic] respectivamente “MNE”, chefe de estado-maior do FNLA e Director do SARA. 7. O MPLA é a força nacionalista que detém actualmente a iniciativa da luta contra o colonialismo português. 8. O MPLA tem consciência das consequências da mutação política ocorrida nos 2 Congos e não pensa aproveitar essas condições para reivindicar uma posição de hegemonia no seio do Movimento de libertação nacional angolano. 9. O Congo-Adoula foi sempre hostil ao MPLA. 10. Insistiu-se que a Comissão visitasse os nossos maquis. 11. Provou-se a irresponsabilidade de Holden Roberto. 12. Demonstrou-se a falta de representatividade do “GRAE” na base dos seguintes elementos: demográfico, político, não democrático, irregularidade na formação, falta de perspectivas, concorrência, ineficacidade. Na véspera da partida do Cairo, o camarada Eduardo Santos, por uma questão de cortesia, procurou o presidente da comissão para lhe apresentar os cumprimentos de despedida da nossa delegação. Foi assim possível saber que a comissão tinha adoptado resoluções muito favoráveis ao MPLA que previam a visita a Brazzaville no dia 3 de Novembro corrente para se inteirar da força do nosso movimento e propunha ao Comité dos nove o auxílio financeiro imediato às nossas actividades. O presidente da comissão informou também que a comissão tinha decidido reunir-se no próximo dia 10 do corrente em Dar-es-Salam com o FNLA, em sessão conjunta com o comité dos nove, dado que recebeu uma carta de Holden Robert a justificar a sua ausência por motivo de doença e revelando-se disposto a colaborar com a dita comissão. Aconselhou-nos a permanecer em atitude expectante dado que é possível que sejamos convocados para a mesma reunião a fim de dialogarmos com o FNLA. Ainda antes da partida, a delegação reuniu-se com os representantes do ANC, a pedido deste. O ANC sugere a necessidade de uma colaboração entre os movimentos progressistas da África austral. CONCLUSÕES 1. A Conferência dos países não alinhados foi uma reunião anti-imperialista e pode abrir perspectivas animadoras à luta contra o colonialismo. 2. O MPLA deve continuar a colaborar com a Comissão dos três, mostrar-se favorável à unidade e através da demonstração da sua força e capacidade deixar a comissão ser levada a concluir a necessidade da OUA apoiar a nossa actividade nos planos diplomático, material e financeiro. 3. O processo verbal da reunião dos chefes de estado africanos (anexo a este relatório) revela o grau de engajamento da África com o “GRAE”. No entanto estamos convencidos que é possível ultrapassar a situação actual com a intensificação da luta no interior do país e com o desenvolvimento de uma acção diplomática realista e eficiente. 4. O MPLA deve combater imediatamente o ponto de vista posto a circular pelos argelinos no qual se considera a ineficácia do “GRAE” relacionada com a presença de TCHOMBE à frente do governo do Congo-Léo. 5. O MPLA deve ser intransigente em relação à não permissão da instalação do FNLA no Congo-Brazzaville. 6. O MPLA deve convencer o Savimbi e o Kalundungo a instalar-se na Rodésia do Norte com o fim de paralisar o Holden e de organizar os angolanos ali instalados a fim de criar as condições para a abertura de uma segunda frente em Angola. 7. O MPLA deve continuar as relações com a Argélia na base da prudência de a levar a aumentar o apoio ao nosso movimento e considerando-a simultaneamente por enquanto susceptível de nos prejudicar para favorecer o FNLA. 8. O MPLA deve reforçar as suas alianças com o Ghana e o Congo-Brazzaville. 9. O MPLA deve realizar uma diplomacia activa em relação à Jugoslávia e à RAU a fim de ganhar estes dois países. 10. O MPLA deve realizar uma política de abstenção em relação ao conflito sino-soviético. Deve ganhar os chineses e os soviéticos. 11. O MPLA deve preencher o mais rapidamente possível o lugar no secretariado afro-asiático. 12. O MPLA deve interessar-se pela estruturação da CONCP e levar esta organização a defender as suas posições junto dos países africanos e da opinião pública internacional. 13. O MPLA deve reforçar a sua colaboração com os movimentos progressistas da África austral. A política exterior do MPLA deve visar imediatamente os seguintes objectivos: Criar as condições para o desenvolvimento da luta; paralisar a diplomacia do “GRAE”; impor o nosso movimento como interlocuteur valable [sic]. Brazzaville, 23 de Outubro de 1964 Pela delegação

II Conferência dos Países Não-Alinhados (5 a 10 de Outubro de 1964) - Relatório da delegação do MPLA à Conferência dos Países Não-Alinhados (Cairo).

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