Relatório sobre a 1ª Região

Cota
0066.000.018
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
5
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

NOTAS ACERCA DA SITUAÇÃO NA PRIMEIRA REGIÃO Situação política a) ORGANIZAÇÃO Ao longo da fronteira de Cabinda, de Mukonge até Ponta Negra e passando nomeadamente pelos povos de GANABINDA, KIMONGO, SANGA MIKONGE, ILUPANGA e BANGA, o MPLA adquiriu uma posição bastante forte, quer garant­indo a defesa das populações angolanas refugiadas, quer usufruindo de uma grande confiança da parte das autoridades civis e militares congolesas. É sobretudo a situação de confiança oferecida pelo MPLA que faz com que angolanos e congoleses o apoiem. Tal sensação traduz‑se por exemplo, para as populações angolanas, numa protecção armada quando tenham de ir a Angola procurar víveres ou na advertência que é feita quando os portugueses se aproximam das lavras. Para os congoleses, o MPLA representa a possibilidade de protecção das fronteiras na sua maior parte sem a menor representação armada congolesa. Também o facto da existência de quatro postos de assistência sanitária nestas zonas (Miconge, Kimongo, Ilupanga e Banga), os quais asseguram, tanto quanto possível, uma assistência às populações angolana e congolesa, que de outra maneira não existia, contribui para o enorme prestígio do MPLA na região. Mesmo quando há um posto sanitário congolês (caso de Kimongo), a própria população congolesa prefere ser assistida no CVAAR. É por isso que os movimentos dos nossos guerrilheiros, com os quais muitas vezes colabora a própria juventude congolesa, se encontram facilitados. As autoridades respeitam‑nos. No caso Gourgel, a JMNR de Kimongo participou nas démarches junto do “sous‑préfet” e da gendarmerie no sentido de impedir os actos criminosos do referido Gourgel. A população angolana, embora em geral reservada, manifesta por vezes o seu entusiasmo e apoio perante a acção do MPLA e colabora, quer nos serviços de informação, quer pondo guias ao serviço dos guerrilheiros. Se a mobilização é intensa (deve citar‑se aqui especialmente a acção do camarada Swing, para o caso da zona B) a organização dentro das estruturas do MPLA oferece dificuldades, já pela falta de quadros com capacidade e conhecimento de organização, já pela situação especial das populações mobilizadas, vivendo fora do seu meio. No interior propriamente dito é a própria mobilização que já é difícil porque o terror semeado pelos colonialistas leva as populações a colaborarem com eles e a denunciarem os mínimos vestígios da presença dos nacionalistas. O comando da região está a pôr em prática métodos que parecem eficazes e suficientes para ultrapassar em breve estas dificuldades. A viagem da delegação da OMA e da Juventude produziu excelentes resultados no sentido de garantir ao povo que os princípios apregoados pelo MPLA são realizados na prática. A OMA foi vibrantemente saudada, cabendo um papel de menor importância à delegação da Juventude, talvez pelo facto de a sua visita não ter sido cuidadosamente preparada. b) CENTRO DE INSTRUÇÃO REVOLUCIONÁRIA Ainda está por definir o que deverá ser este centro. O projecto apresentado sobre os seus objectivos e o seu funcionamento ainda não foi submetido a uma crítica profunda que é absolutamente necessária, embora te­nha sido elaborado depois de uma troca de impressões com o chefe de Organização e Quadros, que no entanto também não chegou a fazer uma crítica do projecto. Assim ainda ninguém sabe bem o que se pretende: se um centro exclusivamente para formação revolucionária, se uma fazenda agrícola, se um abrigo para refugiados ou se tudo isso ao mesmo tempo. Da troca de impressões entre responsáveis da Organização e da Guerra, aprovou‑se a ideia que seria um centro de formação revolucionária. A ser assim, convinha desde o início uma certa selecção da gente a enviar para o centro. Os primeiros estagiários deviam preencher certos quesitos, principalmente no capítulo de militância e disciplina. As condições anormais provocadas pelo afluxo de antigos militantes da UPA e a necessidade de lhes dar abrigo não se coadunam com a rigorosa selecção dos estagiários, que se impunha. Cabe à Direcção do Movimento encontrar uma solução equilibrada. A infra-estrutura do Centro tem avançado lentamente. Fizeram‑se as primeiras sementeiras, desbravaram‑se algumas porções de terreno, nomeadamente de locais para cultura e construção de casas e adquiriu‑se madeira para a construção de uma primeira camarata com as dimensões aproximadas de 13 m x 6 m x 3 m em que se prevê uma capacidade de 20 a 30 estagiários conforme as necessidades. À construção desta primeira casa seguir‑se‑á a de quatro outras previstas, ficando a residência propriamente dita reservada ao Comando da Região e à Direcção do Centro. O galinheiro será transformado em salas de aula, sendo os animais transferidos para outro local. Eventualmente poderia funcionar também como refeitório. Previa‑se a abertura do Centro em 1 de Outubro, mas dado o estado dos trabalhos, por um lado e a incerteza sobre os objectivos do Centro, por outro lado, só para meados de Outubro, ou muito mais provavelmente para Novembro, ele poderá começar a funcionar como Centro de Instrução. Prevê‑se a instalação de um hospital destinado ao socorro dos guerrilheiros, de uma prisão e de uma escola para crianças, filhas de militantes no activo da organização. Estes problemas carecem de uma solução urgente. Situação militar Merece especial referência o elevado moral dos guerrilheiros. Certos casos, relativamente poucos, de indisciplina, têm sido resolvidos dentro dos princípios, com relativa facilidade. No interior como no exterior queixam‑se os camaradas de uma certa falta de apoio por parte dos militantes em geral do MPLA, tendo‑se por isso pedido à OMA em particular, que organize campanhas de cigarros, de revistas e mesmo de certos “mimos” a serem enviados para o maquis. De cuidar também da assistência sanitária. Os agentes sanitários que têm a seu cargo os guerrilheiros devem ser os nossos melhores homens. No Ilupanga, por exemplo, estavam quatro ou cinco camaradas que tinham vindo do maquis, com paludismo, a serem tratados com injecções de penicilina! Inquirido sobre as razões de tal erro, o camarada agente sanitário declarou não possuir quinino, que podia aliás ter sido pedido ao posto de Kimongo, como foi feito imediatamente. Esse responsável sanitário não parece competente perante a importância do local. Pelo contrário, Kimongo, onde a maioria dos doentes é congolesa, possui um bom agente sanitário. Nas duas zonas e em todos os locais do interior e do exterior, queixam‑se os ­camaradas da falta de ligação com o Movimento, nomeadamente no que diz respeito a publicações em português. Talvez não seria demais estatuir que todo o documento do MPLA devesse existir também em português e assegurar perfeitamente a sua distribuição até os locais do interior. Sucede por exemplo que a Banga apenas chegou um exemplar do último comunicado de guerra. Há uma certa “liberdade” de circulação dos guerrilheiros na linha fronteiriça. Encontra‑se por exemplo, numa ou noutra localidade, sem justificação apreciável, um camarada afectado a uma outra localidade. O comando terá decidido ultimamente a obrigatoriedade da posse de uma guia para todo o guerrilheiro que esteja em trânsito, sem a qual ele não poderá justificar a sua ausência do lugar a que está afectado. O Comando queixa‑se, aparentemente com razão, de um certo desequilíbrio nas atribuições orçamentais, sobretudo no que diz respeito à comida, or­çamentada globalmente no capítulo operações e diversos. É um problema a resolver urgentemente já no próximo orçamento. Na zona A o reconhecimento tem‑se mostrado bastante difícil, mas parece ter finalmente entrado numa fase de progressão. Na zona B o problema próximo a resolver é a instalação de postos avançados. Ambos estes problemas exigem um aumento imediato dos efectivos, pelo menos até completar os destacamentos previstos. Também as obras em curso na base exigem urgentemente um aumento de efectivos. Já há uma casa feita que pode alojar, se necessário, meia centena de camaradas. A aproxi­mação das chuvas exige que se atendam os pedidos de aumento de efectivos e também que se tente fornecer impermeáveis aos combatentes. É urgente o estudo de rações de combate dentro das possibilidades alimentares da região e do próprio Movimento. É urgente distribuir por cada camarada combatente o mínimo de material sanitário que lhe permita sobreviver a qualquer má eventualidade. Exemplo: um tubo de quinino, pensos, comprimidos de antibióticos, etc. É urgente fornecer ao Comando da Região um quadro especial encarre­gado da coordenação dos serviços (finanças, intendência, municiamento, saúde, etc.). Esse trabalho tem recaído sobre o Comando Geral, com manifesto prejuízo da sua capacidade de resolver os problemas prementes da guerra. Necessário pensar urgentemente na criação dum serviço de segurança e espionagem ligado aos assuntos de guerra. A situação da UPA na região tem enfraquecido extraordinariamente, graças aos seus próprios erros, graças à vigilância dos nossos companheiros e graças ao crescimento do poder militar do MPLA. A zona de maior influência da UPA (Kintanze) está já a ser trabalhada por nós impondo‑se que a abertura do posto sanitário previsto para Massabi passe para o próprio Kintanze. Aí os soldados da UPA foram desarmados pelas autoridades congolesas por se terem guerreado entre si. O grupo que ameaçava a secção de Banga desapareceu por se sentir perseguido pelo povo, pelos congoleses e pelos nossos combatentes. Um grupo upista na zona B, próximo de Nfuma 1, continua a lançar o terror nas populações, que desse modo, e porque ainda não nos sentem suficientemente fortes aí, hesitam em ganhar as fileiras do MPLA. Sugestões Instalação de uma escola primária em Ganabinda e no Pangi (Sanga Mikonge). Já há dois professores para o efeito e o povo garante a sua alimentação. Uma campanha de vacinação antivariólica, ao longo de toda a nossa linha fronteiriça, em benefício das populações angolana e congolesa e a cargo dos nossos agentes sanitários. Poder‑se‑ia obter o concurso do próprio Governo do Congo e possivelmente da OMS no fornecimento da vacina. Estabelecimento dos direitos dos estagiários do CIR no que diz respeito a correio e a cigarros. Até ao fim deste mês, e a título meramente provisório, foi‑lhes atribuído um maço de cigarros por semana e uma carta por mês, estabele­cendo‑se ao mesmo tempo que nenhuma carta poderia ser remetida de Dolisie nem recebida em Dolisie, mas sima partir do Bureau de Brazzaville. Brazzaville, 26 de Setembro 1964 [assinatura de L. Lara]

Relatório «Nota acerca da situação na Primeira Região», assinado por Lúcio Lara (Deve ser um relatório sobre a 2ª Região (Brazzaville)

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