Declaração à imprensa de Kalundungu e Liahuca

Cota
0065.000.030
Tipologia
Declaração
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
José Kalundungu (ELNA) e José Liahuca (SARA)
local doc
Léopoldville
Data
1964
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
7
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

 DECLARAÇÃO À IMPRENSA pelos Srs. José KALUNDUNGU – Chefe de Estado-Maior do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA) Dr. José J. LIAHUCA – Ex-Director do Serviço de Assistência aos Refugiados de Angola (SARA) Senhores Jornalistas, Têm ouvido, desde há algum tempo, rumores relativos à situação nos órgãos do “GRAE” e mais particularmente no Exército de Libertação Nacional (ELNA). O Sr. Holden Roberto lançou-se, ultimamente, numa campanha desesperada de difamação dos espíritos e numa tentativa de desacreditar todos os que já não estão de acordo com ele. Procura um bode expiatório para encobrir os seus erros, as suas contradições e o seu falhanço na condução da Revolução Angolana. Somos, portanto, obrigados a fazer alguns esclarecimentos sobre isso. Fui nomeado Chefe de Estado-Maior do ELNA pela Comissão Militar composta por 22 oficiais formados ao mesmo tempo que eu no Exército de Libertação Argelino. O “GRAE”, dirigido pelo Sr. Holden Roberto, confirmou a minha nomeação à cabeça do Exército de Libertação a 30 de Junho de 1962. Se fui designado por todos os meus colegas, foi não só porque merecia a confiança deles, mas também porque as minhas capacidades o recomendavam; isso para responder em resumo às acusações de alguns dirigentes do “GRAE”. O Sr. Holden Roberto proclamou-se, em 1961, Comandante em Chefe do ELNA e desde então não deixou de sabotar o trabalho da reorganização do Exército. Para vos mostrar o quanto o Sr. Holden Roberto estava apegado aos princípios tribalistas, basta dizer-vos que de 22 oficiais formados na Argélia, apenas seis pertenciam a etnias diferentes da dele. O Sr. Holden Roberto sempre utilizou a Base de KINKUZU como meio de propaganda e nunca foi utilizada como escola de formação de quadros. É neste sentido que se explicam as suas declarações de ter formado um exército de 25.000 homens. Na realidade, nunca treinámos ao todo mais de 3.000 homens na base de KINKUZU. A maior parte destes soldados era mantida no campo durante meses, sem nenhuma participação nos combates, porque ele os queria na Base à disposição dos fotógrafos, na sua maioria americanos. Perguntamo-nos aliás a razão pela qual o Sr. Holden Roberto, após ter recusado voluntários argelinos, ter aceitado os serviços do oficial americano Bernard MAINHERTZ. A Base de KINKUZU é uma propriedade do Sr. Holden Roberto. O PDA, que não tem uma participação activa, nunca teve mais de 30 soldados em 1.000. Era impossível manter a ordem no campo de Kinkuzu porque, todos os meses, em cada 10 dias em média, 4 eram de jejum. A maior parte dos militares estava completamente nua. Nunca compreendemos o que os dirigentes do “GRAE” faziam com o dinheiro que recebiam do Comité de Libertação de Dar-es-Salam. A Base de KINKUZU não tem uma personalidade própria porque, à mínima dificuldade, o Sr. Holden Roberto fazia intervir os soldados congoleses. Foi assim que no tempo do Sr. Adoula, o Exército Nacional Congolês interveio duas vezes no nosso campo, levando consigo soldados angolanos detidos e internados nos campos de Luzumu, 65 dos quais nunca mais voltaram. Somos obrigados a concluir que foram pura e simplesmente liquidados. No tempo do Sr. Tshombé também tivemos a lamentar uma intervenção do Exército Nacional Congolês que levou consigo 7 oficiais. Faço aqui um premente apelo à opinião africana e à opinião internacional para que exerçam pressões sobre o governo congolês para libertar imediatamente estes oficiais cujos nomes se seguem: 1) Alberto Sipata (antigo Comandante da zona de Cabinda) 2) Abel Alfredo 3) Agostinho Alberto 4) Firmino Albino (oficial de transmissões) 5) Paulo Cardoso 6) Victor Benguela (especialista de armas pesadas) 7) José Inácio Para além destes oficiais cuja vida corre perigo, as prisões congolesas mantêm, ainda centenas de Angolanos aprisionados porque reclamavam uma luta organizada e a unidade de todos os patriotas angolanos. Soldados do Exército Nacional do Congo-Léopoldville, do Campo Hardy de Thysville, requisitados por. Holden Roberto, prenderam e conduziram para a base de Kinkuzu 325 militares angolanos que tinham tomado a decisão de abandonar a base militar angolana em sinal de protesto contra o arrastar da guerra imposta por Holden Roberto. Como sempre, fez-lhes promessas mentirosas segundo as quais os militares deveriam voltar para a base e esperarem que se encontrasse um barco que os conduziria ao Katanga. Hoje sabemos que ameaças de morte pesam sobre esses militares. Em vez de cumprir as suas promessas, Holden Roberto deu instruções aos militares da sua tribo para matarem um a um, na clandestinidade, no Congo ou nas pretensas missões de serviço no interior de Angola, esses 325 nacionalistas. Chamo a atenção do Povo angolano e do mundo inteiro para o trágico destino que os espera a qualquer instante. A guerra no interior de Angola limita-se actualmente a algumas acções levadas a cabo por alguns grupos descontrolados. Ninguém pode, nesta altura, afirmar levar a cabo uma luta no interior de Angola, nem o GRAE nem a FNLA. Holden Roberto nunca esteve nas zonas de guerrilha como sempre o pretende. Pelo contrário, tornou-se culpado pela liquidação física de milhares de soldados, só porque não eram da sua tribo. Além disso, o ELNA sempre se pronunciou contra o envio de jornalistas estrangeiros ao interior das zonas de guerrilha. O meu Estado-Maior atribuiu o desaparecimento do Comandante MANDAZI da Serra Canda ao envio de jornalistas estrangeiros que serviam outros interesses e não os do Povo angolano. Os insultos com que Holden Roberto cobre todos os patriotas decididos a levar a cabo uma luta na unidade, manifestam a ausência de sentimentos nacionalistas, uma incapacidade total e ignorância dos problemas angolanos. Lanço um apelo solene ao Povo angolano para uma unidade real, para constituir uma verdadeira frente de luta contra o nosso inimigo comum, o colonialismo português sob todas as suas manifestações. Os erros passados bastaram-nos. MILITARES ANGOLANOS, NÃO SIGAM MAIS OS DIVISIONISTAS DO NACIONALISMO ANGOLANO QUE MATAM OS VERDADEIROS COMBATENTES DA LIBERDADE. [Feita no dia 28.08.64] -------------------------------- Pedi a minha demissão voluntária do posto de médico Director do SARA, a 25 de Julho último, para protestar contra a desorganização geral e o arrastar da luta de libertação de Angola, da responsabilidade de Holden Roberto. Está claro agora, para todos, que o Comité de Reconciliação de 1963 fracassou na sua missão de unificar a FNLA com o MPLA e que confiou a direcção da luta à FNLA. A partir dessa data, assistimos à regressão do nível da luta militar, à diminuição da assistência médico-social aos refugiados e ao desaparecimento das escolas para as crianças. O chefe do “GRAE” falhou não só na luta armada mas também na escolarização das crianças, na formação de quadros e na formação cívica do povo. Apesar da ajuda financeira que o “GRAE” recebe da OUA, a República Democrática do Congo só alberga uma escola, que funciona três vezes por semana (metade do dia) para os filhos dos refugiados angolanos. O projecto de uma escola de quadros, que deveria ter aberto há um ano, ainda não foi executado. Perguntamo-nos o que os dirigentes do “GRAE” terão feito das numerosas bolsas de estudo concedidas por vários países aos estudantes das colónias portuguesas, através da ONU. No plano médico-social, basta dizer que só existem 7 dispensários, quase todos situados no Congo-Central; não existe nada nas províncias fronteiriças do Sul-Kasai, Katanga, Lualaba; um único posto de saúde funciona no Kwango. O “GRAE” nunca abriu um posto-dispensário para os refugiados no Congo-Brazzaville. Aliás, como se pode resolver o problema da assistência a mais de 500.000 refugiados, com a ajuda de 3 médicos e alguns enfermeiros, cuja maioria foi “formada” em 4 meses em Israel? Paralelamente a esta carência, o chefe do “GRAE”, através do Governo do Congo- -Léopoldville ordenou o encerramento de 11 escolas e 23 dispensários para os refugiados. É assim que 10 médicos angolanos foram forçados a abandonar milhares dos seus irmãos ao seu trágico destino: morrer de fome, de nudez, de doença e de miséria orgânica. Diante de um tal comportamento estranho de suprimir aquilo que ele não é capaz de substituir, perguntamo-nos se o chefe do “GRAE” se interessa realmente pelo destino do povo angolano. Nunca tendo estado na fronteira para visitar refugiados desde que se encontram no Congo, pede no entanto dinheiro da OUA e das organizações filantrópicas de vários Estados em nome deles; é ainda sobre eles que fala nos seus memorandos à ONU, nas conferências africanas, nas conferências de Imprensa. Mas não empreende absolutamente nada para melhorar o seu destino. Holden Roberto tenta em vão difamar os que se recusam a colaborar com ele na divisão do Povo, na paralisação da Revolução. Ele classifica-os de agentes do imperialismo, seja norte-americanos, seja português, e também se apressa a dizer que eles agem por solidariedade tribal ou universitária. Mas o povo angolano já não acredita nesta tentativa de auto-justificação porque os factos estão aí e nenhuma manobra poderia camuflar a desorganização da Revolução. Contrariamente a essas afirmações, somos e continuaremos a ser os agentes do Povo Angolano que combate pela sua liberdade. São os interesses deste Povo que defendemos: Libertar o país do jugo colonial português; Promover a verdadeira e sincera unidade dos partidos políticos angolanos a fim de aumentar a força combatente; Acelerar a Independência; Evitar as lutas fratricidas e as perseguições tribais no presente e no futuro; Ajudar à formação dos quadros técnicos e políticos para melhor estruturar a Revolução e conduzir o Povo à vitória na via do progresso. Lutamos por uma solução do problema dos refugiados, a escolarização das crianças, a assistência médico-social e a educação cívica. É preciso que, no interesse do Povo Angolano, cessem as detenções arbitrárias dos angolanos levadas a cabo pelo chefe do “GRAE” com a cumplicidade dos elementos da polícia de Segurança e dos gendarmes do Congo-Léopoldville; e cessem as buscas do mesmo género que nem sequer pouparam os escritórios da sede do Partido Democrático Angolano (PDA) e a residência do 1º Vice-Primeiro Ministro do “GRAE”, Sr. Emmanuel Kounzika e do Secretário de Estado do Interior, Sr. Sanda Martin. Agradecemos, Srs. Jornalistas, a vossa amável atenção e a vossa vontade de querer esclarecer o mundo sobre a situação actual do problema angolano.

Declaração à imprensa de Kalundungu e Liahuca

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