Rascunho de discurso para a Conferência de Estados Africanos Não-Independentes

Cota
0061.000.036
Tipologia
Discurso
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Autor
Lúcio Lara
Data
Abr 1964
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
11
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público


Caros companheiros de luta,
É com a profunda consciência das suas responsabilidades que o MPLA participa nesta conferência há já muito tempo desejada pelos Revolucionários angolanos.
Trazemos aqui a sua saudação fraterna e os seus votos de um trabalho prático frutuoso, do qual os nossos respectivos Países e a nossa África possam retirar, quanto antes, todos os benefícios.
Lamentamos que por falta de informação não tenhamos estado presentes no momento da constituição da UNIÃO DOS ESTADOS AFRICANOS NÃO-INDEPENDENTES, tanto mais que o MPLA sempre lutou por uma tal organização, por ter percebido a tempo que os Estados Africanos, ocupados com os seus importantes problemas, também não conseguem dar toda a atenção requerida aos problemas dos Países em luta.
Recordamos que no mês de Abril de 1960, representantes da África do Sul, da Zâmbia, do Zimbabwe, da Suazilândia, do Quénia, do Tanganika e de Angola, tinham decidido justamente encontrar-se em Léopoldville, nas festas da Independência do Congo, para fundar uma organização de Países não-independentes. Sabemos o quanto os acontecimentos de Léopoldville impediram que essa reunião se realizasse. Sabemos o quanto, desde a morte de Lumumba e de seus companheiros Okito e M’Polo, o Congo e a África sofreram com as maquinações imperialistas que não poupam esforços para minar os resultados alcançados pela luta revolucionária dos nossos povos.
O povo angolano regozijou-se com a formação, no ano passado, da Organização dos Estados Africanos, certo que acabava de se inaugurar uma nova etapa na consolidação da Independência Nacional e na liquidação dos últimos bastiões do colonialismo e do Imperialismo.
Decorreu praticamente um ano desde que os Chefes de Estado dos Países Africanos puseram em marcha o aparelho que sabiamente tinham criado.
Quanto a nós, Angolanos, constatamos que a nossa árdua luta sofreu um nítido recuo, ao contrário daquilo que o nosso Povo esperava.
Com efeito, toda uma estrutura de guerra revolucionária erguida em Angola à custa de enormes sacrifícios pelo MPLA, sofreu um violento abalo depois da dita Missão de Bons Ofícios, saída do Comité de Libertação, ter caucionado a sabotagem da Revolução Angolana pelo o Sr. Adoula, instigado pelos imperialistas americanos.
A Missão de “Bons Ofícios” agiu de forma irresponsável ao aceitar a argumentação do Sr. Adoula que a pressionou a recomendar um fictício reconhecimento de um não menos fictício “governo”.
Não nos vamos aqui deter a recordar as peripécias que precederam e que se seguiram à caução dada pela Missão de “Bons Ofícios” e portanto, pelo Comité de Libertação da OUA às actuações do Sr. Adoula contra a Revolução angolana.
Apenas vos diremos que as detenções dos nossos militantes e das nossas armas se tornaram sistemáticas. As nossas representações e as dezenas de centros de assistência aos refugiados angolanos que tínhamos ao longo da fronteira foram fechadas. Os nossos combatentes no interior de Angola foram privados de armas e de reabastecimento.
Dir-vos-emos ainda que as armas que certos países irmãos ofereceram à FNLA do Sr. Holden não chegam ao País. O Povo pergunta-se onde estão as 80 toneladas de armas que a Argélia ofereceu à FNLA. O Povo pergunta-se onde estão as armas que a Tunísia diz ter oferecido à FNLA. O povo pergunta-se, enfim, para que serve a FNLA, pois no interior vê-se que a FNLA age mais de acordo com o Sr. Adoula do que com as outras organizações angolanas.
A caução do Comité dos 9 criou portanto uma situação paradoxal: é que um certo número de Países Africanos, que afirmam a cada momento a sua decisão de combater o Imperialismo por todos os meios, apoiam um grupo nitidamente pró-imperialista, nitidamente devedor dos imperialistas americanos, estreitamente ligado à CIA ao nível do Executivo, e que finge actualmente (seguindo o Conselho dos seus mestres) fazer o que eles chamam uma “abertura à esquerda”, proclamando o seu desejo de visitar a China Popular, ou a União Soviética, em suma, os países socialistas.
E o perigo, caros Companheiros de luta, é que há alguns desses países socialistas, como houve países africanos, que se deixam embarcar nessas manobras imperialistas, sempre argumentando que talvez seja possível mudar a natureza e o carácter dos ­dirigentes da FNLA (i.é. do Sr. Holden).
Ter-se-ia pensado em mudar o carácter de um “Baptista”, de um “Ngo Dinh Diem”, para não dizer de um Jonhson ou de um Erhard?
Ter-se-ia pensado mudar a natureza do Partido Republicano ou do Partido ­democrata dos EUA?
Não, irmãos de luta, a questão que se coloca actualmente é bem clara. Será que se pode lutar, sim ou não, contra os imperialistas e os colonialistas, antigos e novos, em África?
O MPLA responde que sim. Podemos quebrar o embargo imperialista, desde que estejamos unidos. Esta união deve ser activa, concreta e não ficar apenas nas “boas intenções”.
Devemos definir uma estratégia africana que compreenda a luta contra todos os nossos inimigos.
Devemos obrigar os Estados Africanos Independentes a satisfazerem as propostas construtivas que lhes endereçámos.
Devemos denunciar vigorosamente aqueles responsáveis africanos que pactuaram com os imperialistas e traem a causa do seu Povo e dos Povos que lutam ainda pela sua libertação.
Devemos condenar as actuações daqueles que impedem que a ajuda material em armas, munições, dinheiro, medicamentos, chegue lá onde ela faz falta, lá onde a situação de guerra o exige, lá onde se acreditou nas belas palavras de solidariedade, fraternidade, etc., lá onde lutam os movimentos verdadeiramente Revolucionários.
Devemos exigir uma liberdade total de acção dos nossos movimentos nos países limítrofes dos nossos, tendo evidentemente em conta que não nos devemos imiscuir nos assuntos internos desses países.
Seria inútil, caros irmãos de luta, traçar aqui o quadro sombrio das mudanças que aconteceram em África depois das forças imperialistas terem conseguido recompor-se dos primeiros golpes que a luta dos nossos povos lhes tinham aplicado.
Os países como os nossos, que enfrentam a firme determinação dos ultras que se agarram com as últimas forças às riquezas dos nossos povos, devem concertar a sua acção diplomática e militar com vista a forçar o caminho da libertação, que alguns tentam fechar ou criar obstáculos.
Sabemos que os ultras, por seu lado, não deixam de reforçar as suas alianças.
A substituição de Wellensky por Ian Smith, na Rodésia do Sul, apenas mudou um dos termos da “trindade” toda poderosa Wellensky, Salazar e Verwoed. Os seus objectivos são os mesmos, a sua determinação de nos esmagar para explorarem à vontade o nosso solo e o nosso sub-solo é a mesma.
A esses ultras, os países independentes de África só puderam opor-se com o boicote sobretudo diplomático, tendo em conta que o burocratismo e até mesmo o paternalismo do Comité de Libertação se mostra insuficiente para os objectivos que devemos atingir.
Como conceber, por exemplo, que Portugal possa afirmar hoje mesmo que conta com a “colaboração” de certos países africanos para discutir, com o bloco africano, o futuro dos Países sob dominação portuguesa??
Não se tratará de uma cumplicidade duvidosa?
Quem é que esses dignos representantes de África querem servir? A Portugal ou a si próprios?
Recusamos, a quem quer que seja, o direito de discutir o futuro do Povo Angolano com o Governo português.
Apenas os representantes legítimos do nosso Povo, entre os quais o MPLA, são os interlocutores válidos para qualquer discussão, desde que Portugal satisfaça as condições que lhes apresentámos: reconhecimento solene do nosso direito à autodeterminação e à independência; Amnistia incondicional a todos os patriotas presos; retirada das tropas e das bases militares; estabelecimento imediato das liberdades fundamentais e garantia do exercício dessas liberdades.
Sabemos, quanto a nós, que só uma luta verdadeiramente revolucionária poderá garantir ao nosso Povo a vitória contra os nossos inimigos.
O MPLA considera que a situação no Congo-Léo prejudica os interesses da Revolução em África, em geral, e nas regiões do Centro e Sul de África em particular.
O imperialismo americano instalou-se lá com força e prepara-se para reforçar a sua posição.
As contradições entre países imperialistas que disputam entre si o Congo ainda não chegaram a um ponto tal que deixe uma possibilidade de manobra às forças revolucionárias congolesas.
Ainda se está numa fase em que são os próprios imperialistas que tomam a iniciativa. Vê-se o namoro que a França faz a Adoula, sem consideração pelos EUA. Vê-se que a Bélgica se lançou numa vasta operação para reconquistar a sua antiga posição no Congo. Mas tudo isto, apesar de parecer uma disputa entre imperialistas, se resolve de forma a satisfazer todo o mundo, seja no quadro do Mercado Comum, seja pela via dos trusts internacionais que continuam a ser os verdadeiros donos do Congo.
Isto significa que o Congo-Léo perdeu muita importância como base para uma acção revolucionária no Sul da África, pois está controlado pelo imperialismo.
Portanto cabe-nos estudar cuidadosamente uma nova estratégia, adequada às circunstâncias e tendo em conta as realidades. Esta estratégia de conjunto deve visar por um lado pôr os governos dos Países irmãos independentes face aos seus compromissos em Addis Abeba.
Deve, por outro lado, aproveitar ao máximo o que cada um dos nossos movimentos pode dar aos outros. Poderemos, sem dúvida, estabelecer uma base de cooperação realmente frutuosa.
* * * * * * * * * * * *
Numa altura em que a situação internacional continua pouco clara, com as permanentes provocações dos imperialistas um pouco por todo o lado, devemos nos apoiar uns aos outros com todas as nossas forças.
Devemos igualmente apoiar os povos de outros continentes que lutam, também eles, contra os imperialistas ou os seus agentes.
Devemos expressar ao heróico povo cubano o nosso firme apoio contra as provocações, de que tem sido vítima por parte do Pentágono, com o sobrevoo do seu território por aviões EUA.
Devemos expressar ao povo heróico do Vietname do Sul o nosso apoio na sua luta directa contra os militares Yankees.
Devemos expressar ao povo do Congo Léopoldville a nossa solidariedade com a luta que leva a cabo para a sua libertação.
Ao mesmo tempo, devemos condenar as manobras que os imperialistas, e ­nomeadamente os imperialistas americanos, levam a cabo em África.
Devemos advertir solenemente os Países Africanos e todos os países sinceramente votados à causa da libertação nacional dos Povos, que o reconhecimento do pretenso “governo angolano no exílio” constitui um contributo à infiltração dos EUA em África e é dirigido contra o povo angolano.
Devemos advertir aqueles Países Africanos que agem mais no sentido anti-imperialista que não têm o direito de se contentar com as medidas diplomáticas contra Portugal ou a África do Sul; que eles devem dar aos nacionalistas todas as possibilidades em armas e em dinheiro.
Para esse efeito, o MPLA apoia as propostas no sentido de:
“a) o Comité de Libertação inclua 4 representantes de Estados Não Independentes, em substituição de 4 representantes de Estados Independentes;
“b) O Secretariado do Comité dos 9 possa incluir uma maioria de pessoal ­representante dos Estados Não Independentes;
“c) As funções do Comité de Libertação serem descentralizadas e distribuídas entre os vários Estados Africanos gozando de uma posição estratégica para assegurar o máximo de segurança e eficácia na sua tarefa.
O MPLA deseja, para além disso, que o Congo Brazzaville seja considerado um país limítrofe de Angola, e por conseguinte, incluído nos países que deverão pronunciar-se sobre o problema da ajuda.
Pensamos, caros irmãos, que devemos nos lançar ao trabalho!

ABAIXO O IMPERIALISMO
ABAIXO O COLONIALISMO NOVO E ANTIGO
VIVA A ÁFRICA LIVRE E INDEPENDENTE

Rascunho de Lúcio Lara para a intervenção na Conferência dos Estados Africanos Não-Independentes

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