Entrevista a Lúcio Lara para a Rádio Ghana

Cota
0060.000.047
Tipologia
Entrevista
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Autor
Lúcio Lara - Membro do gabinete Político do MPLA
Data
Mar 1964
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

 Está em Accra o camarada Lúcio Lara, líder nacionalista angolano e membro do Gabinete Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Combatente da primeira hora e bastante conhecedor das coisas angolanas, o camarada Lara aceitou fazer uma declaração para os ouvintes de língua portuguesa de Rádio Ghana. P: Camarada Lara, pode dizer-nos em que ponto se encontra a luta em Angola? R: O povo angolano continua a bater-se heroicamente de armas na mão pela conquista da independência nacional. Perante a concentração das tropas colonialistas no Norte de Angola e a sabotagem sistemática que Adoula e Holden têm feito para impedir o desenvolvimento da luta armada, o MPLA decidiu proclamar a palavra de ordem “Alargamento imediato da insurreição armada a todo o país”. Esse alargamento é possível na medida em que o povo angolano tem adquirido uma grande experiência política e sabe que não são só as armas que permitem causar golpes profundos no inimigo. De Norte a Sul do país o povo angolano está intensificando a sabotagem económica, destruindo as plantações de produtos coloniais, sabotando as vias de comunicação, e criando um clima de insegurança cada vez maior que leva os colonos a preparem-se mais apressadamente para fugir. Em suma, a existência de uma situação revolucionária angolana oferece ao nosso povo as melhores perspectivas para o prosseguimento de uma luta até a aquisição dos objectivos principais, independência, trabalho e pão para o povo. P: O Governo colonialista português já deu mostras de uma mudança de atitude? R: Não!... O Governo colonialista mais não faz do que tentar criar sofismas que desmobilizem o ardor combativo dos patriotas e frenem os ataques de que a sua política é alvo nas Nações Unidas e no mundo. As pseudo-reformas e a mascarada eleitoral que os colonialistas portugueses apregoam não contêm em si mesmas a menor mudança de atitude. O sofisma do “Portugal de Além-Mar” persiste. Nenhuma reforma tem valor desde que ela não parta do reconhecimento do direito do povo angolano à autodeterminação e à independência. P: Sabemos que o MPLA enviou à Conferência de Lagos um memorial [memorando] em que recusa as recomendações do Comité dos Nove da OUA sobre o reconhecimento de um “Governo Angolano”. Quais são em resumo as razões do MPLA? R: Efectivamente o MPLA reagiu energicamente contra o erro gravíssimo que o Comité dos 9 cometeu e para o qual pretendeu arrastar os Países independentes de África, ao recomendar o reconhecimento de um governo carnavalesco que pretende representar o Povo angolano. Foi por isso que uma delegação constituída pelo Presidente do MPLA, Dr. Agostinho Neto, e pelos dirigentes Daniel Chipenda e Miguel Baya, apresentou ao Conselho de Ministros da OUA em Lagos um longo memorial em que expõe as razões de direito e as razões políticas que levam o MPLA a recusar e a denunciar as recomendações da Missão de Bons Ofícios e consequentemente as do Comité dos 9. Uma razão, de ordem política, é que o grupo que pretende impor-se como governo não possui a menor representatividade, dado que não saiu de uma unificação ou de um acordo de todas as organizações verdadeiramente patrióticas angolanas. Esse agrupamento é uma criação congolesa, de inspiração americana, que mais não visa que a impor na Angola futura um regime que mantenha a escravidão e a exploração das nossas riquezas em benefício do Imperialismo. Outra razão, de direito, é que a recomendação do Comité dos 9 sobre o reconhecimento se baseou, como disse, em falsas conclusões de uma missão de bons ofícios que se atribuiu poderes que não possuía. Essa missão, sentou-se num Gabinete e não fez o menor esforço para conciliar as organizações patrióticas angolanas. Limitou-se a aceitar as sugestões de Adoula e as afirmações fantasistas de Holden sobre feitos extraordinários, sem a menor verificação. Recusou-se além disso, a ouvir o Dr. Neto como presidente da Frente Democrática para a Libertação de Angola (FDLA) pretextando que só tinha mandato para ouvir o MPLA e o FNLA. Recusou, finalmente, ouvir o Dr. Neto como Presidente do MPLA pretextando falta de tempo. Sucede também que o Comité dos 9 não tinha mandato de Addis Abeba para recomendar qualquer reconhecimento. O trabalho de esclarecimento feito pelo MPLA fez com que alguns dos países que induzidos em erro, reconheceram o governo fantoche tenham revisto a sua posição no sentido de, pelo menos, garantirem o seu apoio à luta revolucionária de MPLA. O MPLA saiu bastante fortalecido da Conferência de Lagos na medida em que convenceu a maioria dos Países africanos da justeza das suas posições. P: A sua passagem em Accra está ligada à vossa campanha de esclarecimento? R: Sim, em parte. Além disso o MPLA não perde nunca a oportunidade de trocar impressões com o grande líder, Dr. Kwame Nkrumah. A sua posição intransigente face ao imperialismo, que faz com que tenha escapado a três atentados, serve de guia aos patriotas e africanos. Agradeço aos irmãos da Rádio Ghana a oportunidade que me oferecem para prestar uma sentida homenagem aos mártires tombados no 4 de Fevereiro e durante as lutas travadas contra o inimigo, bem como saudar a coragem dos camaradas que continuam a resistir nas cadeias e nas matas. O MPLA apela com insistência para o Povo angolano para que ponha todo o seu esforço na organização e na unificação do movimento de libertação nacional. O MPLA continuará na vanguarda da Luta, para garantir ao Povo uma Independência que traga Justiça, Paz e Trabalho. VITÓRIA OU MORTE P: Camarada Lúcio Lara, agradecemos que tenha [vindo] aos nossos estúdios e fazemos votos pela vitória do Povo angolano.

Cópia da Entrevista a Lúcio Lara para a Rádio Ghana (Accra, Março 1964)

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