Acta de reunião de nacionalistas angolanos em Frankfurt

Cota
0056.000.044
Tipologia
Actas
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
local doc
Rep. Federal da Alemanha
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

 Acta da reunião de nacionalistas angolanos realizada a 7 de Dezembro de 1963 em Frankfurt/Main para discutir a situação interna e externa do MPLA A reunião foi convocada por iniciativa do militante Luís de Almeida, representante do MPLA na Argélia, que veio à Europa em missão de informação. A 30 de Novembro foi enviada pelo camarada Almeida aos membros responsáveis do Comité de Acção do MPLA na Alemanha uma carta urgente pedindo a organização da reunião. Em razão das necessidades de reconciliação dentro do MPLA, a reunião foi alargada a todos nacionalistas angolanos, mesmo não sendo actualmente membros do MPLA. Estiveram presentes: Teodora Van‑Dúnem, Teresa Carneiro, Carolina Pereira, Luzia de Jesus, Feliciana Martins, Bento Ribeiro, Carlos Rúbio, lvette Sacramento, Graça Tavares, Luís de Almeida, Octávio Sacramento, Jorgelino Andrade, Luísa Gaspar, Alberto Passos e Emília Passos. Foi ouvido inicialmente o camarada Almeida, que fez um relato dos acontecimentos que levaram ao enfraquecimento actual do MPLA: Depois da Conferência Nacional os dirigentes eleitos cometeram o erro de permitir a existência de uma oposição dentro do MPLA e através de sanções aplicadas a militantes aumentaram as divisões. O reconhecimento do governo provisório do Holden assim como a decisão de não apoiar nenhum outro movimento nacionalista e recomendar a unidade do nacionalismo angolano dentro da UPA foi decidida em primeiro lugar pela comissão de inquérito nomeada em Dar-es-Salam e depois confirmada em Dakar pela Conferência dos Ministros dos Negócios Estrangeiros Africanos. Em Addis Abeba o MPLA registou uma grande vitória, que cedo foi anulada pelas suas próprias fraquezas. As cisões internas, as contínuas sanções aplicadas a militantes assim como as dificuldades no Congo foram as razões do enfraquecimento do MPLA. Na altura da reunião do Comité dos 9 que, segundo as resoluções de Addis Abeba, devia reconciliar os diferentes partidos nacionalistas e organizar a ajuda, o governo do CONGO-Léo reconheceu o governo provisório do Holden. Nessa reunião estiveram presentes por parte do MPLA o camarada Dr. Agostinho Neto, Mário de Andrade, Manuel Lima e Mayembe, chefe de um partido que mais tarde viria a constituir com o MPLA o FDLA. Por proposta do MPLA tinha sido nomeada uma comissão destinada a reconciliar o MPLA e a UPA e impedir o reconhecimento do governo do Holden por parte do governo de Léopoldville. Argélia, Uganda, Guiné, Nigéria, Congo-Léo constituíam essa Comissão de conciliação, a que mais tarde se veio juntar o Senegal, que apresentou em Dar-es-Salam um novo partido da Guiné de nome FLING. A delegação da UPA-ELA1 a essa reunião era composta de três representantes, entre eles Jonas Savimbi e Kunzika. Em resposta a uma pergunta do delegado argelino sobre o que impedia à Upa e ao FNLA de fazer a unidade com o MPLA, Savimbi respondeu que para os militantes da FNLA, principalmente para o seu presidente, o principal obstáculo da unidade era a pessoa de Mário de Andrade. Andrade aceitou um afastamento temporário para bem da unidade, não tendo partido para Léo com as delegações do MPLA e da FNLA, seguindo viagem para o Cairo. Assim se explica a declaração de Mário de Andrade feita no Cairo, dizendo que não tinha mandatado o MPLA para fazer negociações com os partidos que integram o FDLA, que se formou pouco depois da chegada das [de]legações a Léo. A comissão de conciliação decidiu ouvir em Léopoldville as autoridades congolesas e os dirigentes do MPLA e da FNLA. Por parte do governo congolês foram ouvidos Bomboko e o ministro dos negócios estrangeiros, que declararam que só reconheciam a UPA como movimento nacionalista angolano. Seguiu-se depois o depoimento do Holden que ficou muito diminuído perante as perguntas que lhe foram feitas, tendo declarado que a UPA e o PDA eram partidos constituídos por emigrados angolanos estabelecidos no Congo. Seguiu-se depois o depoimento do camarada Neto, que quis falar em português visto que não sabe falar francês. A pedido da Comissão, o camarada Neto apresentou‑se com um intérprete tendo começado a falar em nome do FDLA. O delegado da Uganda impediu Neto de falar, dizendo que ele tinha sido convocado para falar em nome do MPLA. O camarada Neto continuou entretanto a falar em nome do FDLA, tendo sido depois interrompida a sessão por proposta do delegado argelino. Viriato Cruz apresentou então um pedido para depor perante a Comissão de inquérito, pedido que foi aceite. Ele declarou então que o MPLA estava fraco e muito dividido e que ele próprio tinha pedido a sua integração no governo provisório do Holden. Depois de uma reunião do Comité Director foi apresentado por escrito um pedido para o camarada Neto depor em nome do MPLA, o que foi recusado pela Comissão, que declarou ter encerrado já os seus trabalhos. Na reunião de Dakar estiveram presentes os camaradas Agostinho Neto, Gentil Viana e Luís de Almeida. Foi então apresentado um memorando por parte do MPLA, mas em face das decisões da Comissão de Conciliação, foi decidido o reconhecimento do governo do Holden. As forças revolucionárias de África dizem hoje que os governos afri­canos não são responsáveis do estado actual do MPLA e que só lhe cabe a ele como Movimento Nacionalista encontrar uma solução revolucionária para a situação presente. Assim, entre o nada e o Holden, preferem apoiar o Holden. Sobre a situação interna do MPLA, o militante Almeida disse que ha­via actualmente três fracções, chefiadas por Neto, Andrade e Viriato. Segundo informações recolhidas por embaixadas de Léopoldville o Viriato tem muita força, e poderá amanhã provocar uma viragem. Face à repressão no Congo, o MPLA está condenado a morrer. As representações no exterior mantêm‑se mas não têm crédito, visto que a organização faliu. Como conclusões, o camarada militante Luís de Almeida diz que a casa faliu, e que face aos acontecimentos há que abrir uma nova casa. O Holden espera que as fracções do MPLA entrem em luta e se liquidem, podendo assim ele assumir o poder. Há uma pessoa que talvez faça a unidade: Mário de Andrade. A delegação do MPLA na Argélia deixou de apoiar qualquer fracção e acredita ainda na reconciliação. Há necessidade que os militan­tes deixem de ser assistentes para assumir um papel activo e levar os responsáveis a assumir as suas responsabilidades. Terminado o relato do camarada Almeida, tomou a palavra Graça Tavares, para fazer também o relato do seu ponto de vista. Começou por dizer que a vida do MPLA se desenrolou em três fases: a fundação do Movimento em Angola, a instalação do Comité Director na Guiné e a sua transferência para o Congo-Léo. O MPLA na Guiné só se interessou pela luta externa. Quando em Setembro de 61 se transferiu a direcção para Léo havia que iniciar o trabalho da organização da luta. Em Outubro do mesmo ano quando se abriram os bureaux em Léo, já a UPA tinha dois anos de trabalho político no Congo. Nos primeiros seis meses a acção do CD foi despendida na formação de quadros e na preparação do enquadramento militar da luta. A reacção da UPA verificou‑se quando o trabalho do MPLA começou a dar frutos. Aproveitando o facto de haver responsáveis mulatos dentro do Comité Director, a UPA entregou-se a campanha de intrigas, explorando o facto de que grande número de mulatos gozam de situações privilegiadas dentro do regime colonial, aliando-se ao colonialista português contra o povo. Como resultado dessas intrigas, os responsáveis mulatos começaram a ser mal recebidos na fronteira, tendo sido decidida então, em Maio de 62 a renovação do CD por forma a integrar militantes que nos últimos tempos tinham desempenhado missões importantes, afastando do CD os militantes em causa. Depois da saída do Dr. Agostinho Neto da prisão, começou uma campanha contra o CD, dizendo‑se que o MPLA era como um elefante de corpo grande e com cabeça pequena. Foi assim que foi realizada a Conferência Nacional, que não se realizou nos moldes propostos pelo CD. O Dr. Neto provocou o afastamento de vários militantes. Quando se estava numa fase positiva da unidade com a UPA, durante a realização de uma conferência em Accra, Agostinho Neto publicou uma carta acusando o Holden. Depois destes acontecimentos, Graça Tavares e Viriato Cruz escreveram uma carta aos países socialistas dizendo que o camarada Agostinho Neto representava a tendência pro‑imperialista e neo‑colonialista dentro do nacionalismo angolano. Numa altura em que todos estes factos não eram conhecidos dos militantes, o Dr. Neto revelou‑os publicamente numa reunião de quadros da comarca de Léopoldville. Foram exercidas pressões económicas contra os militantes Viriato Cruz e Tavares, tendo o primeiro abandonado Léopoldville. Relativamente à existência de três fracções dentro do MPLA, Graça Tavares diz que só há dois grupos: o dos antigos dirigentes e o “grupo” do camarada Agostinho Neto. No que respeita a Mário de Andrade, não há ninguém que o apoie, porque uma revolução não se faz com um homem. Ao MPLA sob a direcção do camarada Neto, Graça Tavares considera um “grupo de traidores”, acusação que pretendeu fundamentar com a leitura de um com­unicado com data de 30 de Outubro deste ano, emitido por um “comité di­rector provisório do MPLA”, constituído em Julho de ‘63 em Léo, e composto por Viriato Cruz, Matias Miguéis, Graça Tavares, José Domingos. José Miguel, António Alexandre e mais quatro elementos. Depois da exposição de Tavares tomou a palavra o camarada Almeida, que denunciou como intriga o facto de chamar traidor ao camarada Agostinho Neto, e disse que ainda muito recentemente Viriato Cruz era de opinião diferente a esse respeito. Referindo‑se à saída do Dr. Neto da prisão, revelou que a fuga do camarada Neto fora organizada por Mário de Andrade e Viriato Cruz, em colaboração com elementos anti‑colonialistas da Europa. Por isso lamentava a publicação de um tal documento. Referindo‑se à opinião de Tavares sobre o camarada Andrade, disse que este embora não tenha nenhum “grupo” a apoia‑lo, representa uma força na opinião de militantes, mesmo dentro do governo do Holden. Graça Tavares esclareceu então que o Dr. Neto era considerado “traidor” pela sua “teimosia” e pelo “caos” que provocou dentro do MPLA. Tomou seguidamente a palavra a camarada militante Luísa Gaspar, que protestou vigorosamente contra o comunicado apresentado por Tavares, que “deturpa os factos”, “não revela nomes” e faz “acusações infundamentadas por meio de palavrões”. O camarada militante Bento falando seguidamente disse que dos três responsáveis do MPLA, aquele a quem se justificava mais a acusação de “traidor” era o próprio Viriato Cruz, de quem tinha partido a acusação contra o camarada Neto. Referindo‑se ao papel desempenhado pelos três dirigentes no desenrolar dos acontecimentos que levaram ao enfraquecimento do MPLA, disse que sobre Viriato Cruz pesava a responsabilidade de se ter aliado ao Holden e aos lacaios do imperialismo para liquidar o MPLA, tendo or­ganizado, durante a estadia da Comissão de Inquérito em Léo ataques a militantes e à sede do MPLA, e um ataque armado ao quartel do Exército Popular de Libertação, apresentando aos países irmãos de África o espectáculo de um movimento nacionalista reduzido a um grupo de aventureiros e o­portunistas. Os militantes do MPLA, em particular os estudantes, tiveram oportunidade de ouvir da própria boca de Viriato Cruz as suas intenções e a sua versão dos acontecimentos durante a realização do Congresso da UGEAN em Rabat, e antes da partida de Viriato para Léo, em conversas que ele teve com os estudantes integrados como voluntários dentro do Exército Popular. Frequentemente em contradição, Viriato recomendou aos militantes do MPLA a sua integração no FNLA do Holden. Sendo ele próprio o único militante mulato com pretensões de liderança nacional, o seu papel foi particularmente oportunista, fugindo a uma confrontação directa com o povo e continuando a controlar os destinos do MPLA através de militan[tes] a ele subordinados. Referindo‑se ao camarada Agostinho Neto, o militante Bento disse que há uma certa inquietação no meio dos militantes devido ao facto do camarada Neto usar de métodos de poder pessoal na direcção da luta como dirigente do MPLA, pondo de parte a direcção colectiva da luta. Relativamente ao camarada Mário de Andrade, diz que ele ainda não assumiu as suas responsabilidades nacionais como dirigente revolucionário, ten­do-se afastado sempre do teatro da luta. Nos últimos acontecimentos a sua única atitude foi fazer um désavouement público do CD no Cairo, o que devido ao facto de ele ser o militante responsável pelos assuntos exte­riores. Os militantes esperavam depois deste gesto que Andrade desempenhasse um papel importante a refazer o prestígio revolucionário do MPLA e servindo de árbitro nas disputas internas, facto que até agora não aconteceu, tendo-se o camarada Andrade recolhido no mais completo silêncio. Face à situação actual do MPLA, que foi provocada exclusivamente pela luta pelo poder realizada entre Agostinho Neto, Mário de Andrade e Viriato Cruz , os militantes de base devem tomar as medidas necessárias para poderem in­tervir activamente no desenrolar dos acontecimentos, destruindo as intrigas. Dos três dirigentes em questão, só o camarada Neto continuou na frente de batalha, continuando a dirigir a luta contra os portugueses. Nele se podem concentrar as forças militantes do MPLA até a situação se esclarecer, visto que tendo sido ele o único dirigente angolano a provocar um levantamento popular, quando as populações de Icolo e Bengo organizaram uma marcha para protestar contra a sua prisão, ele continua a dirigir a luta no meio dos maiores perigos. Bento propôs que se constituísse um comité formado por militantes da base representando os três grupos, que levassem à reunificação do MPLA. Tomando seguidamente a palavra o camarada militante Passos diz mesmo dentro dos militantes que apoiam o camarada Neto, o camarada Andrade tem prestígio. Diz que os estudantes e os militantes da base não foram chamados a intervir no meio das lutas que se verificaram, e propõe que os estudantes na Europa façam contactos entre si para forçar a reunificação. O camarada Octávio, que esteve presente no Congresso da UGEAN, relatou certos pormenores de conversas tidas com Viriato Cruz e disse que ele tinha dito para os militantes aderirem ao FNLA. Apoia a proposta do Passos e pede a formação de uma comissão para contactar outros estudantes. Foi votada então a proposta, tendo a comissão eleita ficado constituída pelos ­camaradas militantes Alberto Passos, Carlos da Paixão Franco Rúbio e Luísa Gaspar. Resolução final, votada por aclamação: “No dia sete de Dezembro de 1963, com inicio às 19 horas e estando presentes quinze nacionalistas angolanos residentes na Alemanha, depois de uma análise e discussão dos problemas angolanos no campo interno e externo, ficou deliberado o que se encontra exarado na presente acta, e faz‑se um a­pelo caloroso às três fracções em questão para se reunirem no mais curto prazo de tempo e encontrarem uma solução à crise em que se debate o MPLA. “Será convocada uma reunião dos estudantes na Europa para o dia 27 de Dezembro, para o que a comissão eleita começará imediatamente as démarches. “Os estudantes angolanos da Alemanha reunidos reconhecem como única solução da crise uma confrontação leal e revolucionária das fracções em presença. Todavia reservam-se o direito de apoiar a fracção que presentemen­te melhor corresponder às necessidades da luta”. No fim da reunião foi decidido por aclamação o envio imediato de um telegrama de protesto ao governo do Congo-Léo, contra a prisão dos camaradas militantes Chipenda e Condesse, assim como o envio de uma carta de protesto à embaixada do Congo em Bonn. Depois de um relato feito pelo camarada Almeida acerca da situação dos estudantes integrados como voluntários no Exército Popular, que perante a situação actual se recusaram a seguir para Brazzaville, foi escrita uma exposição ao Comité Director, que foi assinada pelos presentes. Desta acta foram feitas três cópias pelo camarada Bento, que foram enviadas a cada um dos membros da comissão eleita, tendo o original sido enviado ao representante do MPLA na Alemanha, o camarada militante Jorge Hurst.

Acta de reunião de nacionalistas angolanos em Frankfurt para discutir a situação interna e externa do MPLA. Reunião convocada por Luís de Almeida

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