Carta de Eduardo Santos a «Caros amigos»

Cota
0054.000.010
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Eduardo Macedo dos Santos
Locais
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público


[Nota manuscrita: R 8/8/63]
Caros amigos
Escrevo-vos esta carta num estado de grande depres­são moral que é resultado dos últimos acontecimentos que se desen­rolam por todo o lado e em especial neste país.
A Revolução Africana iniciou o ataque ao nosso movimento. Envio-vos junto o recorte do artigo para que vocês mesmo o possam apreciar. As circunstâncias que determinaram essa prise de posição de Revolução Africana, relacionam-se com a presença na sua redacção da Patrícia Pinheiro e Carlos Lança que se contam entre os principais e mais encarniçados inimigos do nosso movimento.
A nossa situação aqui é muito precária! As autoridades oficiais estão dispostas a jogar a fundo a favor do GRAE. Eu tive a ocasião de o verificar pessoalmente através de um pormenor importante que passo a relatar-vos:
Chegado a Paris, pus-me imediatamente em contacto com o Mário pelo telefone e insisti da necessidade de um diálogo, como aliás combinámos em Brazza, para lhe dar conhecimento da situação que vocês me comunicaram aí e do que eu próprio pude constatar. Assim, eu propus-lhe que se deslocasse imediatamente a Paris no que não fui bem ­sucedido. A leitura de uma notícia no jornal Le Monde na qual se anunciava a deslocação de BB [Ben Bella] a Dakar no dia seguinte, forçou-me a partir imediatamente para Alger, na intenção de lhe explicar convenientemente a situação e, assim influenciá-
-lo a não tomar uma decisão que nos com­prometesse seriamente nos objectivos da nossa luta de libertação nacional. Consegui com muito esforço uma passagem num avião de carga que partiu de Orly às duas horas da manhã. Depois de seis horas de viagem com escala por Marselha, cheguei a Alger, completamente extenuado, dado que passava a minha segunda noite consecutiva em viagem.
Dirigi-me imediatamente à residência de BB e solicitei que me recebesse. Ele ­encontrava-se nesse momento em reunião com os representantes do Holden. Entretanto, o seu director de gabinete, propôs-me que o acompanhasse na sua viagem a Dakar ao que acedi por ter reconhecido tratar-se de uma esplêndida oportunidade para realizar a minha missão.
Eram precisamente 10 horas e quarenta e cinco minutos quando BB desceu as escadas da sua residência para tomar lugar no cortejo presidencial para o aeroporto. No limiar da porta de saída saudei-o e entendi-lhe dizer que tomasse lugar para Dakar.
Ao chegar ao aeroporto BB disse-me que era impossível a minha presença na sua delegação por motivos de ordem política. Informo-vos que os delegados do Holden partiram no avião presidencial incorporados na delegação algerina que se dirigiu a Dakar. Como vêem a Algéria não está disposta a continuar a apoiar-nos.
Mas a debandada atinge também outros sectores de que vos relatarei oralmente.
A série de situações deste tipo tem produzido em mim uma grande influência. Estou num estado de apatia muito grande.
Todos nos recriminam por termos feito o Front: Por esta razão, de comunistas passamos a colaboracionistas. De resto, foi explorando o Front e as posições anteriores do NGWIZACO e MDIA que o Jonnhy Eduardo orientou a sua conferência de presse. Envio-vos um exemplar para que a aprecieis.
Eu creio que é absolutamente necessário realizarmos imediatamen­te uma reunião de quadros, eu digo quadros e não militantes, para determinarmos a nossa acção futura. Essa reunião poderia realizar-se depois de conhecidos os resultados da conferência de Dakar.
Meus caros amigos e irmãos: A situação é muito difícil. Temos de dar provas de ­capacidade e de salvar o nosso querido movimento de todas as calúnias de que é vitima.
E é tudo meus caros. Um abraço do vosso amigo e camarada dedicado
Eduardo [segue assinatura]
Alger 5/VIII/63.

Carta de Eduardo Santos (Argel) a «Caros amigos»

A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Nomes referenciados