Relatórios dos Dispensários de Fronteira do CVAAR

Cota
0050.000.069
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
CVAAR - Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
1963
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»


CVAAR
CORPO VOLUNTÁRIO ANGOLANO DE ASSISTÊNCIA AOS REFUGIADOS
Organização de assistência médico-social aos refugiados angolanos
Sede provisória – 47 Avenida Tombeur de Tabora – Léopoldville
Para toda a correspondência: CVAAR – Caixa Postal Nº - 856
Léopoldville – Rep. CONGO
Secção de Informação e fundos.
Doc. Nº - 8/963. [carimbo do CVAAR]
RELATÓRIOS DOS DISPENSÁRIOS DE FRONTEIRA
MENSAGENS DAS EQUIPAS MÓVEIS.
Mês de Maio, ano 1963.
KIMPANGU – Faço questão de vos dizer que vos enviei uma mala vazia para que pudessem me mandar outros medicamentos, mas não paguei o seu transporte. Não tenho dinheiro; nem sequer para comer. Peço-vos encarecidamente, escrevam para nós, nunca se esqueçam de nós porque estamos no pior canto; sempre com os portugueses diante de nós. Vemo-los do outro lado da fronteira; Angola fica apenas a 30 minutos de distância, a pé. As últimas notícias dizem que os soldados portugueses continuam a matar os nossos irmãos; nem mesmo as mulheres e as crianças escapam. Aqui todos sofremos muito com a fome. Os refugiados mesmo nós que estamos aqui para tentar ajudar os refugiados. Não temos nenhum dinheiro e aliás é a mesma coisa com os medicamentos. Tudo acabou; não temos nada para dar aos que nos procuram e a maior parte está gravemente doente.
Esperamos com muita impaciência a visita mensal do médico. Há muitos doentes e é preciso Penicilina, Vitaminas e Sulfamidas.
LUALI – Aqui há cada vez mais doentes com malária, anemia, pneumonia, sarna e micoses do couro cabeludo. Se pudessem enviar medicamentos para essas doenças seria muito interessante. O ideal seria enviarem-nos também antibióticos, asterol, argirol, antepar, xarope de codeína ou outros; algumas injecções para anestesia local. Enviem-nos com urgência três seringas de 10 c.c.; se não houver, mesmo uma; isso é muito urgente. Não posso fazer uma lista de tudo o que preciso; não sei o que vocês têm. Enviem-me envelopes, selos e um pulverizador manual, líquido para matar insectos e creolina.
Aqui há quatro viúvas numa situação muito pobre. Podem ajudar essas pobres viúvas imediatamente? Elas precisam muito de algumas roupas e alimentação. Será totalmente impossível arranjarem-nos um rádio: Estamos muito isolados e não sabemos de nada do que se passa no mundo.
Ainda aguardo roupas para homens, mulheres e crianças. Durante o mês de Abril fizemos 133 consultas, 1459 Pensos, 234 injecções, 17 casos de desparasitação.
BOMA – Homens de boa vontade que moram perto de nós e que se apercebem da nossa infelicidade e das necessidades juntaram para nós 7675 francos congoleses. Foi o único dinheiro que tivemos durante as grandes destruições da última inundação. Esta ajuda encorajou-nos muito e aliviou-nos um bocado.
KIMWEZA – Desta vez demos impressos com instruções sanitárias e toda a gente estava muito interessada e queria saber mais. Depois das consultas, comemos juntos e brincámos com as crianças que nos pediram uma bola.
MATADI – Durante este mês, tratámos 888 refugiados, fizemos 216 consultas e demos 325 injecções. Aqui o trabalho nunca acaba mas estou contente porque os refugiados vêm de boa vontade para que os trate. Precisamos de medicamentos de base: penicilina, cloroquina, multiplex e ligaduras.
QUIPINDI – Aborrecemo-nos muito por causa do nosso primeiro enfermeiro Simão. Abrimos um outro posto do CVAAR com alguns medicamentos enviados pela delegação de Tumba-Mani. Durante todo o mês, tratámos 411 doentes. Agora precisamos de equipamento e de medicamentos para o novo posto bem como de algum dinheiro e alimentação para as pessoas que constroem a casa para o CVAAR.
KINDOPOLO – Durante todo o mês fizemos 107 consultas, 539 pensos e 84 injecções. Também tratámos 30 congoleses. As doenças mais frequentes são sempre sarna, anemia, malária, diarreia, feridas, reumatismo, tosse e parasitas.
KAHEMBA – Aquando da nossa terceira viagem para locais mais próximos da fronteira, visitámos 52 aldeias e contactámos 1439 refugiados. Devido à falta de comida, de assistência médica e de vestuário, há refugiados aqui que estão desesperados e falam em voltar para Angola para serem mortos pelos portugueses e pelo menos assim todas as desgraças acabam. Nessas aldeias há uma enorme falta de tudo. Por isso pedimos uma autorização para abrir aqui um posto médico e fomos autorizados. Agora estamos a construí-lo. No entanto, é preciso enviarem-nos medicamentos, vestuário, uma bicicleta, um relógio, um mapa de Angola e um fogão primus.
Os nossos irmãos que moram ao longo da fronteira vivem nas piores condições e ficámos com eles durante 3 semanas. Não me recordo ter descansado uma única hora durante todo esse tempo. Todos os dias chovia muito. Pergunto-me se a revolução argelina foi como a nossa. Sofremos muito de fome. Às vezes temos uma mandioca por dia... De certeza que os que vêm trabalhar aqui no posto médico vêm de boa saúde mas regressam doentes.
Outra coisa: as minhas roupas estão completamente rotas. O que devo fazer para encontrar pelo menos umas calças e uma camisa? A verdade é que também tenho vergonha de passear assim quase nu.
BOCO – Durante a visita médica deste mês não apareceram muitos doentes no primeiro dia; no entanto no segundo veio muita gente e foram embora muito contentes. Mas o próximo médico que vier deve trazer antibióticos e roupas tanto para as crianças como para os adultos. Os refugiados querem duas visitas médicas por mês.
MALELE – Os refugiados esperam a abertura de uma segunda escola do CVAAR para as crianças das aldeias mais distantes. Já há 99 crianças inscritas.
Os congoleses encorajam muito o CVAAR. Os “sobas” (chefes angolanos) e os refugiados receberam-nos muito bem e visitámos algumas aldeias de refugiados. Vimos que os refugiados necessitam muito de vestuário, a tal ponto que muitos deles estão nus. Também há uma grande necessidade de cobertores. Um dia desses os refugiados ouviram dizer que alguns cobertores tinham chegado. Não podem imaginar como eles chegaram aqui. Quando souberam que os cobertores não eram em número suficiente para toda a gente, foram-se embora a chorar.
Os enfermeiros também se queixam da falta de medicamentos porque os doentes são cada vez mais numerosos.
O professor da escola pede ao CVAAR roupas para os seus alunos que vêm às aulas quase nus. Também precisam de livros quer em kikongo, quer em português.
Durante a visita às aldeias trepámos a montanhas que tinham pedras e por causa da chuva havia muita lama. Andámos muito sem sapatos porque não podia ser de outra forma e passámos mesmo um rio por uma ponte de cordas. Mas como trabalhamos para o bem-estar do Povo Angolano, temos força para vencer todas as dificuldades.
MOERBEKE – Até agora ainda não recebemos os medicamentos que nos enviaram. Pedimos também que nos seja enviado o mobiliário para o nosso posto: uma cadeira, camas, colchões, almofadas e um balde. A estação seca chegou e aqui temos muitas dificuldades com a água. É preciso fazê-la vir da Companhia do Açúcar e é preciso pagar o carro que a traz.
SONGOLOLO – Já não há medicamentos no hospital congolês, que nos ajudou muito. Pedimos alguns medicamentos ao hospital da missão mas recusaram ajudar-nos. Assim, o único medicamento que damos a cada doente é uma solução de comprimidos de multivitaminas do CVAAR.
Um outro problema aqui é a malária. Há mosquitos como nunca vi em toda a minha vida e tudo está infectado. Os refugiados estão a fazer as colheitas das lavras e por isso há um bocado menos de fome.
A imensa falta de medicamentos e de vestuário continua. Por favor, enviem-me o que quer que seja.
[Acrescentado à mão: LUKALA]
Caro Amigo, Caro Benfeitor
Eis alguns extractos dos relatórios que nos chegam mensalmente dos nossos Dispensários situados ao longo da fronteira CONGO/ANGOLA e das nossas equipas móveis no interior de Angola. A nossa dificuldade reside na falta de recursos. Faça, você mesmo, alguma coisa, individual ou colectivamente.
No mais breve espaço de tempo possível, precisamos de receber as necessidades urgentes do Mês:
– Um carro qualquer (qualquer um)
– 1000 dólares em dinheiro (ou 50.000 F. Belgas)
– 1 microscópio binocular e uma caixa com o material mínimo cirúrgico de urgência
– 2000 comprimidos de Nivaquina 100 mg (Specia); 1000 comprimidos de Nivaquina 300 mg (Specia)
– 500 frascos de 125 ml de Nivaquina Xarope
– 1000 comprimidos de Complexo B e 2000 cápsulas de Sulfato ferroso.
CARO AMIGO o povo angolano já sofreu demais. O destino dos refugiados angolanos pode mudar se você ou os seus amigos se decidirem a fazer alguma coisa. Nas nossas necessidades urgentes, escolha o que pode enviar, ou o que pode encontrar junto dos seus amigos, ou o que pode recolher com os seus amigos. Mas envie-nos hoje mesmo alguma coisa.
Se for necessário um nome para o envio de qualquer coisa, faça-o em meu nome.
Agradeço-lhe antecipadamente, em nome do povo angolano que sofre.
Doutor Gentil TRAÇA
Responsável [do] CVAAR pela informação e fundos

Relatórios dos Dispensários de Fronteira do CVAAR (Léopoldville, Maio 1963

A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.