Carta de Jorge Pires «Piricas» a Lúcio Lara

Cota
0048.000.004
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Jorge Pires (Piricas)
Locais
local doc
URSS
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Moscovo, 2 de Março de 1963
Exº Sr. Lúcio Lara
Antes de mais quero lhe pedir desculpa da ousadia de lhe escrever, a propósito dum problema, que se pode considerar como pessoal.
Faço parte do grupo de estudantes que saiu de Portugal, em Setembro de 1962 e pediu asilo em Marrocos. Aliás, você mesmo contactou com esse grupo em Rabat, quando da sua estadia aí, pouco antes de ir para Argel festejar o 1º de Novembro. Actualmente estudo em Moscovo, este ano a língua russa, para depois ingressar num Instituto de Economia onde estudarei Economia Planificada. Sou filho de pais portugueses e por consequência branco. Ora é devido a essa circunstância que eu lhe escrevo.
Sabendo primeiro pelos jornais que tinha sido nomeado para o Departamento de Quadros, estava para lhe escrever, para me oferecer para o “maquis”.
Mas esperando as resoluções da I Conferência Nacional do MPLA não o fiz, só o fazendo agora, uma vez que tenho conhecimento das ditas resoluções. Mas o problema agora já não é só oferecer-me para o “maquis”, mas sim a minha condição de branco frente ao MPLA.
Numa das resoluções referentes à linha política do MPLA que li no Vitória ou Morte, vem o seguinte:
“Encorajar a acção de grupos políticos dirigidos por portugueses progressistas nascidos em Angola que visem neutralizar o apoio dispensado às forças de repressão pelos colonos, e a lutar pelos objectivos dos movimentos nacionalistas angolanos.”
A conclusão que se pode tirar é que isto é um encorajamento do partido político FUA. Mas para mim, o problema põe-se doutra maneira. Não sou membro da FUA, mas estou como simpatizante do MPLA. Esta resolução é um conselho para todos os brancos aderirem à FUA? Ou é um simples encorajamento à FUA tal como ela está organizada.
Ainda surge outro problema. Actualmente sou considerado como português o que não permite de modo algum ser militante do MPLA e por consequência também não me permite entrar no “maquis”. Sendo esse o meu maior desejo é natural que eu pergunte o que fazer? Qual é a ideia do MPLA em relação ao elemento branco?
Devo esperar que a situação em Angola mude, que a revolução evolua, que se faça um Front, para poder ir combater? Ou devo agregar-me à FUA sem pensar mais em tal solução.
Eu não me estou a oferecer para o “maquis” só pelo prazer de me oferecer. Não tenho prazer nenhum em morrer. Mas tenho uma dupla obrigação: 1º como estudante devo combater ao lado das massas analfabetas para lhes transmitir os meus conhecimentos e as preparar, como branco, para mostrar que nem todo o indivíduo branco é colonialista, porque para acabar com o sentimento de desconfiança para com o branco, é necessário que este combata lado a lado, com uma arma na mão, e não falando e estudando. E não é após a independência que se vai provar que há elementos brancos bons e maus, mas sim neste momento em que o povo luta, lutando também.
Acho que expus o problema duma maneira simples embora houvesse mais a dizer, pois eu sei que ele não é tão simples como eu pretendo. Mas gostaria de saber, qual é realmente a ideia dessa resolução e o que é que eu devo fazer perante ela. Mais uma vez insisto que se realmente há possibilidade de ir combater para o “maquis”, ofereço-me desde já, não cumprindo senão o meu dever.
Esperando uma resposta positiva despeço-me pedindo desculpas de o incomodar com este problema.
[assinado por Jorge Alves Pires]
CCCP
2. MOCKBA-B-218

Fotocópia da Carta de Jorge Pires «Piricas» (Moscovo) a Lúcio Lara

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