Carta de Jorge Pires (Piricas) ao CD do MPLA

Cota
0046.000.051
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Jorge Pires (Piricas)
Destinatário
Comité Director do MPLA
Locais
local doc
URSS
Data
1963
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
3
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…». Fotocópia cedida pela Surene (viúva de Piricas) em Julho 2004



Moscovo, [?] de Janeiro de 1963

AO COMITÉ Director do MPLA
Antes de mais desejava-me apresentar. Sou estudante em Moscovo, pertenço ao grupo de 16 angolanos que fugiram de Portugal, num barco, para Marrocos. Até vir para Moscovo soube de diversos problemas que tinham surgido, um deles era que os indivíduos brancos não podiam pertencer ao MPLA por motivos tácticos. Mas soube que se ia realizar a reunião de quadros de Dezembro e que se ia focar o problema racial.
Mas até aqui nada sei das conclusões a que chegaram. Eu sou branco, filho de portugueses, natural de Angola, sem que isso me dê de antemão o direito de me intitular angolano. (Ora o que eu quero não é mais do que conquistar o direito à cidadania angolana). E acho que nesta altura, a melhor maneira de a conquistar é com as armas na mão. Eu sei, perfeitamente que me vão apontar uma série de obstáculos, como por exemplo o da cor da pele, e à reacção das massas angolanas ao verem um branco que se diz também angolano, mas que é da mesma cor dos colonialistas e filho de colonialistas. A isto eu posso responder que não é após a independência que se vão habituar a ver brancos, filhos ou não de Angola que estão com eles de corpo e espírito, porque só duma delas não é muito satisfatório.
Podem argumentar também que sou mais útil tirando um curso e indo depois trabalhar em Angola. Mas vejamos o meu caso particular. Tenho ainda 19 anos de idade, estou neste momento a estudar a língua russa para depois ingressar na universidade para tirar o curso de economia planificada. Em resumo sou novo. Por muito que dure a guerra em Angola quando ela acabar ainda estou a tempo de estudar. Se morrer na guerra o problema não é grande, pois como estudante o curso que ia tirar não era dos mais urgentes para Angola. Peço que desculpem a maneira como apresento o problema, mas se eu dissesse só que queria ir para o “maquis”, respondiam-me provavelmente com os argumentos que aqui apresento. Ora, o que eu desejo, é ir o mais depressa possível para o combate. Acho que eu estou dentro da razão por isso espero que deêm o mais depressa possível viabilidade ao meu pedido, isto é mandando-me para Angola, combater, contactar com o povo para evitar após a independência contradições entre quem tem um nível cultural superior e a grande massa analfabeta.
Com as maiores saudações patrióticas.
[assinado por Jorge Alves Pires]

Carta de Jorge Pires (Piricas) ao Comité Director do MPLA

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