Rapport de la délégation de l'Angola à la 2ème Conférence

Cota
0040.000.018
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Lúcio Lara - Delegação angolana
Data
Out 1962
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
9
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público


[Nota manuscrita por Ruth Lara: apresentado por Lúcio Lara, 20.10.62]

RELATÓRIO DA DELEGAÇÃO DE ANGOLA
À SEGUNDA CONFERÊNCIA DOS JURISTAS AFRO-ASIÁTICOS

SENHORES PRESIDENTES,
EXCELÊNCIAS,
CAROS DELEGADOS DA ÁFRICA E DA ÁSIA

É com grande alegria e muita esperança que participamos nos trabalhos desta Conferência dos Juristas Afro-Asiáticos.
A hospitalidade tradicional do povo Guineense permitiu que o nosso encontro se realizasse na Capital deste País que, já lá vão quatro anos, abriu, com um NÃO massivo, uma brecha decisiva na dominação imperialista em África.
Agradecemos ao Partido Democrático da Guiné, ao povo e ao Governo bem como a sua Excelência o Presidente SÉKOU TOURÉ por ter convidado a nossa Conferência a realizar-se em Conakry e por ter contribuído material e politicamente para o seu sucesso.
Aos Juristas Guineenses, a todos os que tornaram possível estas sessões, a vós, caros delegados da Ásia e de África, trazemos a saudação fraterna de Angola em armas.
Curvamo-nos, comovidos, perante a memória de milhares e milhares de irmãos de África e da Ásia que tombaram e continuam a tombar no combate contra o imperialismo e contra o colonialismo.
O elevado número, a representatividade, a competência de todos os participantes a esta Conferência são de molde a deixar prever um grande sucesso nos nossos trabalhos. Essa grande afluência de trabalhadores do Direito de todos os países Afro-Asiáticos é apenas o resultado da inscrição na nossa ordem de trabalhos das preocupações principais dos nossos povos: a luta contra o Colonialismo, o Neocolonialismo e o Imperialismo, pela reconquista da liberdade, da dignidade e da soberania plena e total.
Senhores Presidentes,
A nossa Conferência realiza-se num momento de graves preocupações. Do desespero crescente do Imperialismo resulta o encarniçamento em manter as suas últimas posições, razão pela qual os nossos esforços e a nossa vigilância devem redobrar.
No entanto, também temos motivos de alegria. Entre eles, a recente ascensão do Uganda à Independência e a vitória da luta heróica do povo irmão da Argélia que depois de tantos anos de luta, arrancou a sua liberdade aos colonialistas. Desta tribuna, endereçamos-lhes a nossa entusiástica saudação.
Essas vitórias não adormecem a nossa vigilância porque o imperialismo está alerta.
Com efeito, assistimos na Ásia à criação de sucessivos focos de guerra com o apoio que o imperialismo reserva a alguns governos, traduzindo-se em geral por uma intervenção armada directa contra as forças que lutam pela sua libertação. A presença de forças estrangeiras no Vietname do Sul, no Yemen, na Coreia do Sul e noutros lugares constitui um atentado à soberania desses povos e uma ameaça permanente à Paz Mundial.
Na América Latina, o Imperialismo não cessa as suas provocações contra o Povo Cubano. A lição de coragem que Cuba oferece ao Mundo e o eco que a Revolução Cubana encontra junto dos povos Latino-americanos são uma fonte de preocupações para o imperialismo que não só procura liquidar a Revolução através de um boicote abusivo, mas também tenta fomentar nos outros países deste continente a repressão feroz dos movimentos de libertação nacional.
Para levar a cabo essas manobras, o imperialismo conseguiu instalar um pouco por todo o lado bases militares agressivas cujo carácter nefasto a nossa Conferência terá de examinar e condenar.
Em África, o imperialismo procura acomodar-se às mudanças que aí aconteceram. Por um lado, ele muda de rosto para continuar a explorar os povos que se tornaram independentes; por outro lado, colabora com o colonialismo mais retrógrado para explorar os povos ainda submetidos à dominação estrangeira directa.
A luta contra o colonialismo em África encontra-se no seu ponto mais alto. As enormes riquezas da África Central e Meridional transformaram essas regiões nos últimos bastiões do colonialismo. A presença de uma massa bastante importante de colonos, dispostos a não ceder às reivindicações dos povos africanos, arrisca-se a transformar essa parte de África num imenso campo de batalha.
A guerra levada a cabo em Angola, a intensificação das acções nacionalistas nas Rodésias, as sangrentas repressões em Moçambique e na África do Sul, mostram quanto o imperialismo se agarra a essa parte de África.
A aliança já denunciada entre Salazar, Verwoerd e Wellensky não visa outro objectivo. Um último parceiro, o mais nocivo, dessa aliança é o Tshombé que, à custa do apoio desses aliados à manutenção do regime secessionista, põe o Katanga ao serviço dos ultra-colonialistas do Sul de África. O imperialismo impede assim que o problema do Congo encontre a sua solução e dessa forma retarda o movimento de libertação nacional no sul do continente africano.
A intensificação da colonização branca, baseada agora em elementos extremistas vindos da Argélia, piora a situação. Em Angola já se manifestam forças organizadas de colonos que colhem a experiência criminosa da OAS.1
Nas colónias sob dominação portuguesa, a luta de libertação nacional atinge uma fase de grande intensidade. Não tendo, os métodos do colonialismo português, deixado outra via para a reconquista da liberdade senão a luta armada, todas as organizações políticas tiveram de seguir o caminho da acção directa. Na Guiné dita portuguesa, as forças nacionalistas já puderam causar alguns reveses ao exército dos colonialistas portugueses.
No que diz directamente respeito a Angola, o Colonialismo português pretende sufocar o movimento libertador reduzindo imensas regiões do nosso País a grandes cemitérios. Na fase actual da luta, o exército colonialista, de mais de 60.000 homens, ataca sobretudo os grupos populacionais seja por bombardeamentos sistemáticos seja por razias contra as aldeias onde a soldadesca portuguesa dá livre curso à sua ­imaginação assassina sobre os habitantes.
A guerra que Portugal nos impôs não decorre apenas nas frentes de combate. Para além dos massacres de milhares de patriotas, o nosso povo suporta as prisões em massa, os campos de concentração, a tortura, o assassinato, a execução de reféns, o desaparecimento, as deportações...
Isso só fez aumentar a actividade clandestina do povo, seguida por um crescimento do número de prisões. No entanto, os Tribunais colonialistas não sofreram qualquer aceleração no ritmo de trabalho. Esse facto justifica as nossas inquietações sobre o destino reservado pela administração colonial aos milhares de angolanos presos sob a acusação de “crime de patriotismo” e que, na verdade, sempre invocaram a ­incompetência desses Tribunais de excepção e estrangeiros.
Todos esses procedimentos criminosos tiveram como resultado o reforço da determinação do nosso povo em elevar mais alto o seu espírito revolucionário.
No início foram apenas alguns comandos do MPLA que, seguindo a palavra de ordem da acção directa, se confrontaram heroicamente com as hordas colonialistas, nesse memorável 4 de Fevereiro em Luanda.
Em breve, era todo o povo que, de armas na mão, se opunha encarniçadamente à barbárie colonialista que sucedeu aos primeiros confrontos.
Para responder às exigências da luta, acelerámos a formação de quadros políticos, militares e técnicos, a maioria dos quais contribui já para uma melhor coordenação e eficácia das operações de guerra.
O nosso jovem Exército Popular de Libertação de Angola apresenta-se como o garante fiel dos objectivos principais da Revolução.
No entanto, a maturidade política do nosso povo não deixa perder de vista a ­possibilidade de resolver, pela via da negociação, o problema angolano.
É assim que, ao mesmo tempo que reforçamos a nossa resistência armada, estamos prontos, a qualquer momento, a uma resolução pacífica, desde que o Governo português aceite estas condições mínimas:
1º – Reconhecimento do direito de Angola à Independência e à sua Soberania Nacional e Internacional;
2º – Retirada de todas as forças armadas do solo Angolano;
3º – Unidade e integridade territoriais;
4º – Libertação incondicional de todos os presos políticos e regresso a Angola dos refugiados, deportados e exilados;
5º – Garantias para o exercício das liberdades democráticas;
6º – Fixação de um prazo e garantias para a eleição de um parlamento nacional com base no direito de voto igualitário, directo e secreto para todos os cidadão sem qualquer discriminação;
7º – Eleição de órgãos do governo em todas as cidades e vilas;
8º – Fixação da data de ascensão de Angola à Independência.
Senhores Presidentes,
Caros amigos,
No plano internacional, o colonialismo português, já condenado por todas as nações livres, procura salvar a face apresentando pseudo-reformas que apenas permitem fazer sobreviver e perpetuar o regime colonial.
O povo angolano chama a vossa atenção particular para essa manobra grosseira.
O direito internacional do povo angolano à auto-determinação e à independência já foi reconhecido várias vezes pela ONU que também recomendou a Portugal que procedesse a reformas tendentes a transferir a Soberania para o povo angolano.
Que Portugal não está disposto a respeitar essas decisões, fica claramente provado pelo genocídio perpetrado em Angola prova-o claramente. As reformas têm um único objectivo: enganar os Membros da ONU.
É um facto inegável que nenhuma reforma será válida nem estará de acordo com os votos expressos pelas Nações Unidas, se não assentar no reconhecimento do direito dos povos à independência completa.
No que diz respeito a nós e aos povos das outras colónias portuguesas, tais reformas devem incidir sobre as leis que estão na base da estrutura constitucional e Jurídica imposta aos nossos Países, as quais consagram o mito das províncias do ultramar e estabelecem a organização e o processo de exploração colonial.
A revogação do Estatuto dos Indígenas, que quer fazer crer que não há ­discriminação nas colónias portuguesas, não pode satisfazer os nossos povos. Com essa revogação a cidadania portuguesa é alargada aos anteriormente chamados indígenas... Ora, a batalha que iniciámos não é nem nunca foi destinada à conquista de uma cidadania estrangeira.
Do ponto de vista Jurídico, político e de facto ainda estamos no mesmo ponto onde estávamos antes.
Caros Amigos
A nossa ordem de trabalhos inclui o problema das liberdades públicas.
Reafirmemos uma vez mais que aí onde um povo está submetido ao jugo colonial, o Homem, pela própria natureza do sistema, não pode gozar de nenhum direito natural. Isso quer dizer que a primeira de todas as liberdades é o direito dos povos à autodeterminação e à independência.
Recusando o reconhecimento desse direito aos povos coloniais, Portugal não só não respeita as decisões das Nações Unidas, nomeadamente a Resolução 1514 (XV) sobre a Descolonização, como muito pelo contrário, procura reforçar as cadeias de escravatura que mantêm dominados onze milhões de Africanos.
Portugal, pequeno país atrasado e ele próprio submetido à exploração imperialista, não poderia prosseguir a guerra colonial sem o apoio técnico e financeiro dos seus aliados da OTAN.
Mas a intervenção imperialista no conflito que opõe o povo angolano ao Governo português reveste-se ainda de um outro aspecto: é um facto evidente que a independência­ que conquistaremos será mais efectiva, mais eficaz, mais forte perante o assalto do neocolonialismo, se o nacionalismo angolano conseguir desde já a união de todas as suas forças.
Não é de espantar pois, que a nossa luta [seja] já alvo das manobras do imperialismo que tenta lançar-nos uns contra os outros, com o objectivo de preparar para Angola de amanhã condições favoráveis aos desígnios neocolonialistas.
Mas o povo angolano que já pagou e continua a pagar demasiado caro o preço da sua liberdade não a sacrificaria a interesses estrangeiros.
O neocolonialismo, cujas consequências já sofremos pelo atraso que ele traz às lutas de libertação nacional, confrontar-se-á com a firmeza das nossas posições revolucionárias.
É nessa linha que concedemos o nosso inteiro apoio aos países irmãos independentes que se empenharem numa procura activa da Unidade Africana, pela libertação completa do nosso continente.
Caros delegados de África e da Ásia
Os Juristas angolanos estão plenamente conscientes das imensas tarefas que nos esperam a todos para a elaboração de uma Ordem Jurídica Nova, visando preservar a soberania reconquistada e dar aos nossos Estados estruturas políticas e sociais de acordo com os interesses, as tradições, os costumes dos nossos povos.
Esse trabalho é ainda mais difícil porque a longa noite colonial introduziu, em certos espíritos, uma hierarquia de valor estranho ao nosso mundo e o culto de um Direito estrangeiro criado para justificar a exploração e os crimes do colonialismo e do imperialismo.
Para os Juristas angolanos, entre as primeiras responsabilidades dos trabalhadores do Direito afro-asiáticos encontra-se ainda a denúncia e a repressão do crime mais vergonhoso da nossa época: O CRIME DE COLONIALISMO.
É por aí que deveremos começar a cumprir os nossos deveres de Juristas militantes, deveres de servidores de um direito novo, oposto à exploração do homem pelo homem, em síntese, de um Direito ao serviço dos Povos.
O nosso Direito, que liberta, deve visar o desenvolvimento das relações pacíficas entre os estados, a salvaguarda da Paz e os verdadeiros valores universais.
Mas se é verdade que a salvaguarda desses valores impõe o fim das experiências nucleares, não é menos verdade que a exigência imediata dos povos subjugados é a da sua libertação.
Senhores Presidentes
Caros Delegados da Ásia e de África,
Reforçando a solidariedade entre os povos de África e da Ásia, contribuiremos para o estabelecimento de um equilíbrio internacional baseado na justiça e no respeito da Dignidade Humana.
VIVA A CONFERÊNCIA DOS JURISTAS AFRO-ASIÁTICOS!
VIVA A SOLIDARIEDADE AFRO-ASIÁTICA!
OBRIGADO SENHORES PRESIDENTES

II Conferência dos Juristas afro-asiáticos (Conakry, 15 a 22 Outubro 1962) - Relatório da delegação angolana, apresentado por L.Lara

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