Carta de militantes do MPLA na Suíça à Direcção

Cota
0033.000.027
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Militantes do MPLA na Suíça
Destinatário
Comité Director do MPLA
Locais
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»


Lausanne, 17 de Abril de 1962

Caros compatriotas

Escrevi-vos em tempos, dando conta da nossa actividade geral.
Tendo em conta a actual situação e ainda pelo facto absolutamente lamentável de que nada nos foi comunicado, resolvemos escrever de novo mesmo antes de recebermos a resposta à carta que mandámos. Efectivamente só pelos jornais tivemos ­conhecimento da formação do dito governo provisório; mas de tudo o que se passa à volta disso não sabemos puto. Precisávamos de saber pormenores até para podermos saber qual a nossa linha de conduta em relação aos compa­triotas da UPA aqui. Efectivamente nós estamos em vias de organizar aqui em colabo­ração com as associações estudantis locais e com os colegas da UPA uma quinzena de­dicada a Angola; gostaríamos que vocês nos dessem uma opinião sobre até que ponto devemos efectivamente colaborar sem contar claro está com as medidas de precaução que a colaboração com indivíduos mal formados exige. Duma manei­ra geral a nossa atitude quando da formação do dito governo foi a de aparente des­con­tracção e não importância; deste modo e apesar da escassez de notícias re­solvemos nem sequer perguntar nada aos colegas da UPA sobre o tal governo. No entanto eles tentaram provocar a nossa ira, enviando-nos um panfleto edi­tado pela UPA em Léopoldville e em que ela atacava os pardos que têm ver­gonha de mostrar a fotografia da mãe negra mas que lhe fazem versos, e um sem número de baboseiras que começavam pela frase: “A capa do diabo é curta”.
No entanto o Sílvio foi o único que cinicamente ou não (desconfiamos muito destes patifes) veio bater “um papo” connosco manifestando desaprovação pela ­formação do dito g.p.r.a. e também pelo envio do tal panfleto. Veio mendigar cola­boração por parte da nossa malta no sentido de se fazer “um es­forço que possa aliviar a situação miserável em que nos encontramos”. Como acham vocês que devemos reagir sobretudo quando se trata de panfletos deste género que eles têm a coragem de nos enviar. Entretanto nós ameaçámos de fazer a tra­dução desse panfleto para francês e mostrar aos outros colegas africanos o tipo de propaganda da UPA; tenho a impressão que foi por isso que o Sílvio vestiu mais uma vez a sua capa de cordeiro manso.
Um outro ponto importante. Nestes últimos tempos surgiram entre o nosso grupo (MPLA) e o presidente da associação dos amigos suíços de Angola, vio­lentos ­incidentes. Trata-se dum tipo formado em direito e que tem a mania que conhece bem todos os problemas de Angola. Mas o mais grave é que ele nos queria subornar e por chantagem. Veio para cá com prosápias de espertalhão exigindo garantias da nossa parte para após a independência da terra. Dizia ele que nós do MPLA éramos bem capazes de chegar mais tarde à terra e fazer­mos-lhe um “manguito”. É claro que daqui gerou-se uma grande discussão; nós chamámos-lhe de estúpido, ­ignorante, ­assassino enfim tudo o que nos veio à boca. Ele afir­mava que o MPLA era ­comunista, que o Mário é um grande comunis­ta, o mais doutri­nário e mais marxista é o Matias Miguéis etc. etc. Nós dissemos-lhe: “Você tem a mania que é sabichão mas de Angola você não compreen­de nada”. Calcu­lem lá que ele já pretende conhecer melhor o problema de Ango­la do que nós. Em face de tudo isto ele diz que já não quer nada connosco e que a partir de agora só contactava e colaborava com os da UPA. E para já, para já, dizia ele, vou organizar um weekend na próxima semana e só ­convidarei os da UPA. E no fim para rematar disse-nos: E vocês não se esqueçam de que estão a rece­ber dinheiro da Suíça. Então aí é que lhe chegámos do duro. Dissemos-lhe abertamente que se quisessem nos ajudar que o fizessem no campo humanitá­rio mas que jamais admitiríamos subornos e condições humilhantes. Claro que o weekend se realizou e os tipos da UPA que agora estão uns reaccionários descara­dos lá foram; o Sílvio disse que não foi pois não concor­dava com ele etc. etc. Mas o mais importante é que desencadeou sobretudo na Suíça alemã uma grande campanha a favor da UPA e contra o MPLA que acusa de comunista etc. Junto envio um dos artigos que ele fez publicar na Suíça alemã para vocês terem uma ideia. Entretanto o que para nós é importante é que vocês nos escrevam rapi­damen­te:
1) Dando notícias concretas de toda a actual situação.
2) Dando ideias de como vocês pensam [que] deve ser conduzida a nossa activi­dade relativamente aos colegas da UPA.
3) Dando ideias também de como devemos reagir ao tal presidente da Asso­ciação Suíça dos amigos de Angola e sobretudo como fazer frente à actual campanha de imprensa que ele desencadeou contra nós. Nós pensamos escrever artigos para os jornais; mas a ­maneira como vamos fazê-lo é que se torna difícil. A nosso ver não devemos responder directamente às acusações o que seria dar-lhes muita importância; por exemplo se ele diz que o MPLA é comu­nista nós não vamos escrever um artigo só para dizer que isso é ­mentira. Enfim dêem também a vossa opinião. Mas sobretudo mandem-nos notícias da actual situação pois é mediante essa situação que nós vamos orientar a nossa activida­de.
Realizou[-se] há duas semanas na Itália organizada por um certo número de personalidades­ políticas italianas e alguns franceses colóquios sobre o tema: L’Avenir de l’Afrique et la gauche européenne segundo Frants [sic] Fanon. Como re­pre­sentantes de Angola estive eu e o camarada S. Pinto. Os colóquios realiza­ram-se em Milão, ­GÉNOVA e Roma. Foram formidáveis em todos os aspectos. Os trabalhos constaram sempre de 2 partes: 1 sessão à porta fechada só entre os delegados africanos e os representantes da gauche, à tarde, e à noite 1 sessão pública em que se apresentava uma pequena dissertação sobre o tema; as ses­sões da tarde eram uma espécie de ­debates que foram gravados. O S. Pinto falou em Génova e eu em Milão e Roma. Mas o mais importante para nós foram os con­tactos parti­cula­res em que verdadeiramente se podia discutir mais pro­fun­da­mente o tema. Mais tarde darei mais pormenores sobre esse aspecto desta nossa “tournée”. Mas um aspecto muito importante foi o seguinte: Conseguimos fazer uma propaganda in­ten­síssima do problema Angolano (eu servi-me mesmo da minha exposição em Roma para me referir à situação em Angola). Dentro de uma ou duas semanas vai haver em Milão na “Casa da Cultura” uma conferência sobre Angola feita por um de nós de aqui, e seguida de uma breve conferência de impren­sa. Além disso vai ser formado um comité por indivíduos italianos que se puseram à nossa dispo­sição (advogados, jornalistas, tipos do MAF, etc.) para porem em marcha na Itália um sistema de ajuda a Angola por intermédio do MPLA. Para já precisa­mos de muito material de propaganda. Mais tarde quando tudo estiver bem arran­jado dar-vos-emos todos os pormenores. E por hoje ter­mino. Saudações frater­nais da Secção de Lausanne, Suíça.

O Secretariado da Propaganda e Agitação
[assinado: António Rebelo de Macedo e Fernando Octávio]

Carta de militantes do MPLA na Suíça (Lausanne) à Direcção

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