Conferência de imprensa de Marcos Kassanga

Cota
0032.000.009
Tipologia
Conferência de imprensa
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Marcos Kassanga - Chefe de Estado-Maior do ELNA
local doc
Léopoldville (Rep. Congo)
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»



EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA
ESTADO-MAIOR

Conferência de Imprensa dada pelo Chefe do Estado-Maior do Exército de Libertação Nacional de Angola, MARCOS KASSANGA.
Depois do desencadeamento da luta armada em Angola, esta é a primeira vez que tenho a oportunidade de me dirigir à opinião pública nacional e internacional.
Agradeço profundamente ao Governo e ao povo da República irmã do Congo-Léopoldville a amabilidade e hospitalidade que tem manifestado para com o nosso povo e muito em especial a ajuda moral e material que tem contribuído concretamente para a libertação do posso país.
Os meus agradecimentos estendem-se também a todos os que tiveram a gentileza de comparecer, correspondendo ao apelo lançado pelo Estado-Maior.
No decorrer desta Conferência de Imprensa, pretendo prestar esclarecimentos à opinião pública nacional e internacional ainda mal informada acerca da luta armada em Angola.
São decorridos alguns dias desde que a UNIÃO DAS POPULAÇÕES DE ANGOLA “UPA”, emitiu falsamente um Comunicado de Imprensa sobre a morte do Comandante JOÃO BAPTISTA TRAVES PEREIRA, membro do Estado-Maior e Chefe das Operações Militares no interior do país. Nesse comunicado a UPA atribui a morte do Comandante Baptista aos portugueses. Um Contra Comunicado do Estado-Maior emitido em 24 de Fevereiro último, declara não se responsabilizar pelo conteúdo do comunicado da UPA. Este comunicado do Estado-Maior criou divergências no seio do partido e para que do facto não resultassem circunstâncias desastrosas, um segundo comunicado foi emitido pelo mesmo Estado-Maior datado de 26 de Fevereiro último, no qual exprimiu a vontade de fazer uma importante declaração. Constituiria matéria dessa declaração o resultado das pesquisas feitas pela comissão de inquérito que o Estado-Maior havia designado para o estudo local das circunstâncias da morte de um dos chefes principais.
A direcção política da UPA consciente da cumplicidade da morte do Comandante JOÃO BAPTISTA, impediu a entrada no interior de Angola daquela Comissão. Não só a Comissão encontrou essas dificuldades, como também a delegação vinda do local onde [ele] fora assassinado pelos dirigentes da UPA, estacionados no Fuesse, (fronteira Congo-Angola) tentando assim impedir que alcançassem Léopoldville; onde seriam prestados os esclarecimentos concretos sobre a morte do Comandante Baptista.
Os cálculos da “UPA” saíram errados quando uma das testemunhas visuais da morte do Comandante BAPTISTA conseguiu vir até Léopoldville e pôr o Estado-Maior ao corrente sobre as circunstâncias da morte daquele herói nacional.
A revolução popular angolana contra a dominação e exploração esclavagista portuguesa, [tornou-se] dias depois do seu começo numa carnificina fomentada pela Presidência­ daquele partido, cujo Chefe é o Holden Roberto. Holden não queria since­ramente lutar pela libertação de Angola, mas sim, impor a luta ao povo para que no decurso fossem facilitadas as suas pretensões de impor a supremacia da sua tribo, a sua religião – o protestantismo – e a língua francesa como de carácter oficial para todo o território nacional. Além disso, visava a eliminação da elite angolana, em virtude da sua falta de maturidade política, por recear uma oposição que impedisse a realização dos seus planos.

DO ESTADO-MAIOR
Por minha iniciativa e do falecido Comandante BAPTISTA, formou-se o Estado-Maior que se ocuparia de fazer os preparativos de enquadramento, com a maior urgência possível de todos os combatentes nacionalistas. Mas, Holden é contrário à organização da luta com receio de que o desenvolvimento da luta nestas condições desse lugar a uma independência imediata de Angola, pois, essa mesma luta é um meio vital para a sua subsistência pessoal.
Contudo, o Estado-Maior, como órgão supremo responsável pela conduta revolu­cionária, fez todos os esforços para pôr em execução os seus planos, começando por enviar para o interior de Angola o Comandante BAPTISTA, em 10 de Abril de 1961.
Holden, desconfiando das actividades do Comandante BAPTISTA que eram as da verdadeira causa nacional, designou-se COMANDANTE EM CHEFE, no decurso duma Conferência de Imprensa que teve lugar no dia 7 de Julho de 1961, em Léopoldville, sem o consentimento das personalidades que constituíam o Estado Maior do “ALNA” [ELNA].
Para não criar divergências no seio do partido, os dirigentes do Estado-Maior não tomaram em consideração as loucas e vagas declarações, dum indivíduo sem os mínimos conhecimentos militares quanto à sua designação como COMANDANTE EM CHEFE, que apenas visava fazer face à tarefa do Comandante BAPTISTA que pretendia restaurar um convívio fraternal em todas as localidades empenhadas na luta pela libertação nacional e social de Angola. Holden, inteirado do enquadramento da maioria dos nacionalistas combatentes deu ordens declarando que todas as decisões acerca do enquadramento do pessoal deveriam partir da sua pessoa. Desta maneira, em vez de cooperar para a sistematização da luta quis e trabalhou sempre para que tal se não realizasse, desconfiando que isso constituiria uma grande barreira para as suas ambições pessoais.
O Comandante BAPTISTA que se esforçou com sinceridade na execução do nosso plano trabalhando unicamente para a libertação de Angola e não para satisfação das pretensões do Holden, foi tido como obstáculo aos seus planos que visam o retardamento da independência de Angola, o aniquilamento físico de todas as personalidades de carácter e com preparação política superior à sua, a imposição da sua religião, a supremacia da sua tribo, a prática do comércio com os recursos económicos da revolução.
O Estado-Maior tanto se esforçou para a manutenção da ordem e desenvolvimento da luta armada no interior do país que, Holden considerou esse acto como actividade subversiva e contrária aos seus planos.
Passámos à luta fratricida.
O Estado-Maior saturado da guerra fratricida desencadeada em Angola pela “UPA” resolveu denunciar e comunicar a verdade pura e real.
A luta armada desencadeada no norte de Angola é sob todos os seus aspectos, uma verdadeira luta fratricida. Um número aproximado a 8.000 angolanos foram selvaticamente massacrados pelos elementos tribalistas da UPA, estupidamente armados e indisciplinados ao extremo. Esse desumano massacre efectuado por angolanos contra angolanos nasce dum cego tribalismo que se apresenta em quatro aspectos: religioso, linguístico, étnico e ideológico. Tribalismo religioso, porque todos devem ser protestantes; tribalismo linguístico porque todos devem falar a língua “kikongo”; tribalismo étnico porque todos devem descender de S. Salvador; tribalismo de ideologia política porque todos devem defender os interesses do Holden e a sua “UPA” falsamente assim denominada.
Assim decorreram 11 meses de luta fratricida fomentada por Holden Roberto apoiado por países que desconhecem o seu carácter tribal, a sua falta de maturidade política e a sua ignorância sobre os problemas angolanos.
Holden, conseguiu enganar vários países que o apoiaram na sua luta fratricida, passando por líder angolano quando na realidade não é angolano e nunca conheceu Angola, não fala a língua que oficialmente é falada no país o qual aspira governar. Enfim, serviu-se de Angola para arranjar um modo de vida e enganar a opinião pública internacional, melhor um aventureiro, um bandido.
Holden ROBERTO faz uma política de intimidação no meio angolano exilado na República do Congo (Léo) afirmando ter uma grande influência sobre eminentes personalidades governamentais congolesas que o apoiam inteiramente nessa política e que as autoridades administrativas locais lhe confiaram a administração dos angolanos exilados no país.
Por exemplo:
Sabemos que a Tunísia e o seu Presidente Bourguiba ajudam desinteressadamente o povo angolano para sua libertação do jugo colonial fornecendo-lhe material de guerra; entretanto Holden apresenta recibos falsos para mostrar que o fornecimento do ­material tunisino foi por ele adquirido à custa de milhares de francos, conforme documentos na posse do Estado-Maior. Sucedem-se os apelos de contribuição financeira dirigidos ao povo angolano e aos países estrangeiros para pagar aquela falsa despesa e outras compras de armamento, quando na verdade as contribuições revertem em favor dos cofres pessoais de Holden.
Na luta fratricida que implantou em Angola, entre os 8.000 nacionalistas angolanos massacrados sob as suas ordens secretas, temos que destacar a do Comandante Tomás FERREIRA e a sua esquadra [coluna] de 21 elementos enviados para o interior do país pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) para reforço da libertação nacional. O Comandante Tomás FERREIRA e seus companheiros, apanhados pelos militantes da “UPA” foram barbaramente enforcados. Agora surge a triste morte do Comandante Baptista, Chefe das Operações Militares no interior de Angola, membro do Estado-Maior da “UPA”. A sua morte à traição foi motivada por não concordar com o extermínio de angolanos por angolanos, por não falar o “kikongo”, por não ser natural de S. Salvador e não ser protestante.
Será ainda possível que venham a existir países que continuem a sustentar este drama? Os que continuarem a fazê-lo responderão algum dia perante a justiça da história do mundo.
Em face das circunstâncias atrás expostas, peço à opinião pública nacional e africana para que tome conhecimento acerca da situação que actualmente reina em Angola, apoiando, sem restrições, as medidas propostas pelo Estado-Maior, órgão supremo da revolução armada, nas seguintes condições:
– que a partir de hoje, o Estado-Maior do Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA) retira totalmente a sua confiança à União das Populações de Angola (UPA) e seus dirigentes, por terem sido os promotores da luta fratricida desencadeada em Angola depois de Março de 1961;
– atira a atenção para a responsabilidade dos dirigentes da “UPA” e seus cúmplices na morte do Comandante BAPTISTA e de 8.000 nacionalistas angolanos de diversas camadas sociais, étnicas e políticas, incluindo os 21 nacionalistas sob a direcção do Comandante FERREIRA do MPLA, todos massacrados pelos mesmos elementos da “UPA” estupidamente armados e completamente indisciplinados;
– denuncia perante a opinião pública o perigo iminente que paira sobre as ameaçadas vidas dos restantes angolanos em guerra pela libertação nacional, e atiram a responsabilidade sobre todos os países em especial os países africanos amigos que sustentam uma guerra fratricida;
– lançam um patético apelo a todos os países afro-asiáticos que na verdade desejam contribuir e ajudar o povo angolano na sua libertação, para que os recursos materiais destinados a esse efeito sejam entregues aos movimentos nacionalistas com sentido e carácter de responsabilidade empenhados no estabelecimento da unidade do nosso povo;
– torna público o perpétuo massacre fomentado pelos mesmos elementos contra todos os nacionalistas angolanos que não apoiam a luta fratricida fomentada por Holden Roberto e seus comparsas no interior de Angola e do assassinato à traição do Comandante Baptista;
– denuncia a intromissão do Holden Roberto no seio do Exército de Libertação Nacional de Angola, designando-se Comandante em Chefe do mesmo, sem o ­necessário consentimento das duas personalidades que dirigiam o Estado-Maior;
– condenam energicamente todos os que a partir deste momento continuem a apoiar Holden Roberto na sua declarada carnificina e extermínio do verdadeiro povo angolano.
Para terminar, o Estado-Maior do Exército de Libertação Nacional de Angola, (ELNA) lança um solene apelo a todas as organizações e movimentos nacionalistas angolanos para que apoiem, sem reservas, as suas propostas e contribuam com todos os meios para a manutenção do Exército de Libertação Nacional de Angola e formação duma Frente de Libertação Nacional de Angola que corresponda sinceramente às ­aspirações do povo angolano impotente em se libertar da dominação e exploração esclava­gista portuguesas e dos dirigentes traidores da UPA.
Os meus sinceros agradecimentos.
Léopoldville, 3 de Março de 1962

Pel’ O EXÉRCITO DE LIBERTAÇÃO NACIONAL DE ANGOLA
O Comandante Marcos KASSANGA
Chefe do Estado-Maior
[carimbo do Estado-Maior do ELNA]

Conferência de imprensa de Marcos Kassanga denunciando a UPA (Léopoldville)

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