Relatório de viagem de Gentil Viana

Cota
0025.000.011
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Gentil Viana
Locais
local doc
Rep. Árabe Unida
Data
Ago 1961 / Set 1961
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
16
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público


Casablanca – Cairo – Belgrade – Cairo, de 25 de Agosto ao 19 de Setembro 19611
R E L A T Ó R I O
redigido por Gentil Viana
A Delegação do MPLA a BELGRADO era constituída por MÁRIO DE ANDRADE – Presidente do Movimento e Chefe da Delegação – e GENTIL FERREIRA VIANA – Militante do Movimento Popular de Libertação de Angola.
De acordo com os objectivos que anteriormente lhe tinham sido assinalados, a Delegação iniciou os seus trabalhos logo após a chegada do Mário a Casablanca, em 25 de Agosto de 1961.
Em Casablanca, beneficiando da chegada a Marrocos do Presiden­te da República do Mali, foram iniciados os primeiros contactos com os elementos malienses e ­marroquinos, julgados úteis para facilitar o nosso trabalho. Assim, não obstante as dificuldades encontradas para a realização desses contactos, conseguiu-se a apresentação da Delegação ao Rei, ao embaixador de Marrocos em Paris, ao Presidente KEITA e membros das respectivas comitivas. Isto assegurou, pelo menos, a possibilidade de futuros contactos, quer no Cairo, quer em Belgrado.
[...]
Contactaram-se as embaixadas da China e da Yougoslávia, onde além dos visas, se recolheu a documentação existente relativa à Conferência.
O problema dos bilhetes de avião para Cairo e Belgrado (ida e volta) tinha já sido resolvido pelo Secretário-Geral da CONCP junto do Ministro Marroquino para as Questões Africanas – Dr. KHATIB.
No dia seguinte, 26 de Agosto, continuaram-se os trabalhos de preparação dos documentos para a Conferência, tendo também sido conce­didas entrevistas a um jornalista polaco e à MAP (Maghreb Arab Press).
[...]
No dia 26 ainda, foi contactado o Ministro Marroquino, Dr. Kathib, junto de quem se definiu a situação da luta em Angola, a posição actual do Movimento e suas perspectivas para o futuro.
No que se refere à Assistência, foram abordados os seguintes pontos: – Auxílio à CVAAR (segundo uma lista de necessidades trazida de Conakry); – Possibilidade de ­estágios clínicos para os médicos que se destinam à CVAAR; – Possibilidade de preparação de quadros militares em Marrocos; – Transporte desses quadros militares; Possibilidades de estudo nas escolas médias e superiores marroquinas; – Bolsas para os estudantes ­destinados àquelas escolas;– Auxílio aos nossos estudantes no que respeita ao Congresso da UGEAN e criação da UNEA (União Nacio­nal dos Estudantes Angolanos).
A tudo isto o Ministro (Dr. Kathib) respondeu positivamente, dizendo que o auxílio à CVAAR necessariamente seria concedido; que os estágios médicos e ­militares poderiam também fazer-se; que quanto à preparação militar, actualmente o Marrocos disponha de boas escolas de gendarmes onde poderiam ser preparados bons sabotadores e que, inclusiva­mente, também se poderiam utilizar os campos do FLN no Marrocos; que o problema do transporte quer dos materiais do CVAAR quer dos instruen­dos também não era insolúvel; que sobre os estudantes havia 70 bolsas à ­disposição dos estudantes estrangeiros; que, enfim, em matéria de escolas, tinham tão bom ensino como em França; e que sobre o Congresso já estava tudo resolvido, só faltando agora o esforço dos estudantes angolanos para que o êxito fosse completo. Contudo, os pormenores con­cretos sobre todas as alíneas enunciadas, só poderia ser definitivamente ­resolvido, mais tarde, em reunião mais prolongada.
Antes que se terminasse a audiência, pediu-se ao Ministro que procurasse ­estabelecer-
-nos os contactos necessários para que o Rei pudesse receber-nos. De seguida, o Mário encarregou o Edmundo Rocha (que também estava presente) de ultimar as negociações com o ministro Dr. Kathib quanto à CVAAR e questão dos Estudantes.
No dia 27 seguiu-se viagem de Rabat ao Cairo passando por Casablanca; Paris; Frankfurt; Roma.
[...]
No dia 30 seguiu-se viagem para Belgrado onde fomos recebidos por dois yougoslavos, membros qualificados do Partido. Foi-nos ofere­cido a companhia permanente dum intérprete – Basic, inválido da resistência e membro do Partido.
No dia seguinte (31 de Agosto) fomos à Aliança Socialista ­– Instituição que conta hoje cerca de 7.000.000 de filiados e que exerce profunda influência na vida política yougoslava. Ali contactámos o Chefe do Gabinete para as relações exteriores, a quem foi exposta a situação actual da luta em Angola; a posição do Movimento; as perspectivas futuras e os objectivos da nossa missão em Belgrado. Neste último aspecto, fizemos-lhe um pedido de cooperação de modo a satisfazermos as necessidades imediatas da nossa Delegação e as necessidades actuais do Movimento no que respeita a luta em geral, em Ango1a.
Em resposta ficou combinado o seguinte:
1 – Que nos emprestariam uma máquina de escrever; cederiam papel e químicos.
2 – Que uma vez batido à máquina o original do memorandum à Conferência, o mesmo seria considerado como documento circular da Conferência e por ­conseguinte, passado em quatro línguas e posto à disposição de quem quisesse obtê-lo, no secretariado daquela mesma Conferência de Belgrado.
3 – Que seria passado a copiógrafo, depois de traduzido para francês e inglês, o original do trabalho sobre a génese do Movimento.
4 – Que seria traduzido em francês e inglês e em seguida copiografado um original do programa imediato do Movimento.
5 – Que todos esses documentos constituiriam um dossier que Aliança enviaria a cada um dos chefes das Delegações dos Estados presentes à Conferência – O memorandum seria o documento base; o trabalho sobre génese constituiria anexo nº 1; e o programa faria de anexo nº 2.
6 – Como lhes tivéssemos pedido também ajuda para compra de roupas, dispuseram-
-se logo a comprar o que nos fosse necessário.
7 – Sobre necessidades do Movimento em fundos, armas, munições, CVAAR, ­estudantes etc, responderam-nos que seria vantajosa a apresentação dum memorandum à Aliança, onde tudo isso fosse exposto de molde a ser possível um estudo por parte da Yougoslávia sobre os termos em que seria possível a assistência.
Marcou-se para dali a cinco, seis dias um rendez-vous para a apresentação do referido documento.
[...]
No dia seguinte (1 de Setembro) assistiu-se à abertura solene da Conferência.
Almoçou-se com o embaixador yougoslavo na Guiné – TOPALOVSKY­ – o qual nos comunicou o facto de ter estado na Yougoslavia, duas ou três semanas atrás, o presidente da UPA. Sobre a actividade desenvolvida pelo Gilmore pouco ou nada nos soube dizer. Comprometeu-se no entanto a recolher mais e melhores informações sobre o assunto. Chamou no entanto a nossa atenção para o prejuízo que poderia resultar para o Movimento a actividade desenvolvida pelo Holden dada a má informação que as autoridades yougoslavas tinham da evolução dos acontecimentos em Angola e acção dos diversos movimentos nacionalistas. Todavia, sempre nos foi dizendo que o Gilmore se apresentara como único dirigente da luta armada em Angola e único esforçado na realização da unidade entre todos os angolanos.
O embaixador aconselhou-nos a contactar o mais possível com as altas esferas yougoslavas no sentido de contrabalançar a acção de propaganda do Holden. Aconselhou-nos também a entrar no combate em massa, a fim de realizarmos uma verdadeira união com as nossas populações. Disse mesmo que só encontraríamos verdadeiro apoio nos diferentes países quando apresentássemos resultados positivos ganhos em combate.
Disse-nos que era esperada uma Delegação da UPA à Conferência.
Assistiu-se depois à sessão da tarde e continuou-se a coligir a documentação sobre a Conferência.
Dum modo geral, a partir do dia primeiro de Setembro, a actividade da nossa Delegação ficou um tanto limitada, quer porque se tor­nava necessário assistir a todas as sessões da Conferência – Sessões da tarde e da manhã – quer porque na qualidade de convidados da Yougoslávia não podíamos deixar de satisfazer os programas diários que nos eram oferecidos. Assim, no dia dois de Setembro além de assistirmos às sessões, foram dadas entrevistas a alguns jornais estrangeiros (eram 800 jornalistas presentes à Conferência) e contactados quase todos os Movimentos de libertação nacional aceites como observadores não ofi­ciais em Belgrado.
Para o início de alguns desses contactos, aproveitou-se uma recepção que a Aliança Socialista ofereceu no dia 2 de Setembro aos membros das Delegações representativas desses Movimentos. Além dos movimentos considerados observadores não oficiais, contactámos também elementos de partidos e movimentos que na altura se encontra­vam na Yougoslávia. Assim por exemplo, contactámos o Secretário-Geral do Partido Comunista Indonésio a quem se pediu uma acção no sentido de fazer mais objectiva e rápida a atitude da Indo­nésia na defesa das nossas posições.
Com a Partido Socialista Unificado de França (PSU), chegámos ­a fazer uma reunião, juntamente com o PAI e UDENAMO.
A reunião foi pedida pelo PSU que, em nome dos movimentos progressistas ­portugueses e espanhóis requeria a nossa iniciativa (MPLA; UDENAMO; PAI e ­quaisquer outros Movimentos Nacionalistas das Colónias Portuguesas) no sentido de cooperarmos num ataque conjunto a Salazar e Franco.
Falando pelo MPLA, o Mário disse que a posição do Movimento era em ­princípio de cooperação em toda a luta anticolonial. Todavia, a iniciativa num ataque a Franco e Salazar, não podia partir do nosso Movimento visto que esse problema nos aparecia como uma questão que interessa­va mais directamente à oposição portuguesa e ­espanhola. Os respectivos povos que tomassem a iniciativa desse ataque e só então [o MPLA] poderia encarar o estudo duma cooperação. Nós angolanos estamos seguros de que cum­primos a nossa missão quando iniciámos e sustentamos a guerra em Angola. No entanto o Mário comprometeu-se a apresentar a questão ao órgão da Direcção do MPLA.
Os dirigentes dos outros movimentos africanos presentes já tinham aliás expressado a mesma opinião.
A reunião encerrou-se ficando nós de trocar com o PSU documentação relativa aos nossos movimentos. No dia seguinte (3 de Setembro) fomos às sessões e mantivemos os contactos. De todos estes contactos (Imprensa, Movimentos nacionalistas, membros de Delegações) a impressão com que íamos ficando era de que o problema angolano seria sublinhado muito embora sem grande intensidade, na resolução final da Conferência.
No que respeitava a dados sobre a UPA, fomos ficando com a ideia de que a UPA estava conseguindo, dum modo apreciável, lançar uma grande campanha de mentiras perturbadoras, quanto à constituição da Frente Unida, Comando das Forças Nacionalistas e defesa dos interesses das Populações de Angola.
Foram concedidas diversas entrevistas, nas quais se procurava sublinhar o mesmo, isto é: Génese do MPLA; evolução dos aconte­cimentos a partir de 4 de Fevereiro; ­situação actual; perspectivas de futuro; a questão dos dois movimentos – UPA e MPLA; Missão em Belgrado.
À noite, houve recepção oferecida pelo Presidente Tito aos Chefes de Delegação e respectivas comitivas, tendo também sido convida­dos os representantes dos Movimentos observadores não oficiais a Conferência.
Nessa noite já apareceu à recepção o Gilmore e o João Eduardo Pinok.
Verificámos que, pelo menos na aparência, o Gilmore mantinha relações especiais de amizade e camaradagem com alguns membros do FLN como sejam: OUSSEDIK.
No dia quatro de Setembro, além da presença às sessões, foram dadas entrevistas a jornais franceses, americanos, chineses etc., enquanto que eram mantidos contactos diários já habituais.
Ainda que brevemente, contactaram-se os presidentes Bourguiba; Ben Kheda; N’Krumah. Qualquer deles se declarou pela libertação de Angola. Bourguiba afirmou que estava disposto a oferecer-nos ajuda e achou interessante a ideia de fazermos deslocar uma delegação do MPLA a Tunis. Ben Kheda afirmou que iria estudar com cuidado a questão angolana e as possibilidades de cooperação na nossa luta pela ­independência. N’Krumah disse que se oferecia como medianeiro numa reunião entre o Gilmore e o Mário.
Entretanto as tentativas para o encontro com o rei de Marrocos iam-se fazendo e, nessa conformidade, conseguiu-se contactar – SAADANI – responsável pela Secção para as Questões Africanas junto do Ministé­rio dos Negócios Estrangeiros de Marrocos. Por ele foi confirmado que o rei estava interessado no auxílio directo ao MPLA para uma mais rápida vitória do nosso povo. Soube-se também que o rei estava disposto a receber a nossa Delegação, mas infelizmente, só em Marrocos, dada a falta de tempo disponível por parte daquele soberano.
Por fim fomos convidados a almoçar com o SAADANI. Ao almoço compareceram os representantes dos movimentos Africanos presentes à Conferência excepto a UPA.
Fomos contactados pelo encarregado de negócios da URSS na Yougoslávia.
No dia 5 de Setembro assistimos à sessão solene de encerramento da Conferência.
Entretanto, e como a sessão de encerramento só teve lugar às 2,30 horas da madrugada do dia 6 de Setembro, tentámos um contacto prévio com Thomas Kanza – represen­tante do Congo (Lumumba) na ONU – a fim de preparar a recepção por parte [de] Gizenga e Adoula.
O contacto foi impossível naquele dia.
Almoçámos com o embaixador yougoslavo TOPALOVSKY o qual voltou a insistir nos mesmos conselhos e advertências que já fizera anteriormente. Chegou mesmo a dizer que ele pessoalmente e outros como ele, não estavam persuadidos de que o MPLA já fizera tudo para conseguir a frente unida. Disse que em sua opinião a Frente Unida deveria ser agora a nossa mais urgente preocupação. Alertou-nos para o facto de que uma pressão americana no sentido de substituir o governo de Salazar por um governo liberal neocolonialista, podia verificar-se de um momento para o outro, o que viria colocar-nos numa posição difícil pois, nessa altura, seria o Holden o mais indicado para negociar com tal governo. A frente unida e imediata, ainda que seja só formalmente, tem o efeito útil de impedir que o Holden seja considerado único interlocutor para uma discussão a mesa redonda, com Portuga1. Depois de nos ter perguntado pela ajuda que a Algéria [sic] nos oferecia, declarou existir forte tendência pelo Holden em alguns meios Argelinos. Disse-nos mesmo que tinha sido o FLN quem conseguira toda a sorte de facilidades para a viagem do Holden à Yougoslávia. Inclusivé fôra o FLN, quem tratara da questão da entrada do Holden na Yougoslávia sem que o visa lhe fosse estampado no passaporte...
Terminado o almoço, concederam-se mais algumas entrevistas e fizeram-se os contactos rotineiros, enquanto se esperava pela leitura das resoluções da Conferência.
Foram vistos na sala de espera para jornalistas (sala onde se encontravam os ­aparelhos de televisão e através dos quais os jornalis­tas seguiam o desenrolar da Conferência) mais dois elementos da UPA­ – WEBBER e SAVIMBI.
Não houve desde a chegada da UPA qualquer espécie de contactos políticos entre as duas delegações angolanas. Apenas contactos pessoais – Gilmore, John Eduardo P.
Assistimos ao encerramento solene da Conferência.
No dia 6 de Setembro fomos recebidos pelo Secretário da Aliança Socialista Federal, o qual é também membro do Comité Executivo da Liga dos Comunistas – VELKO VLAHOVIC.
A visita destinava-se à apresentação do memorando donde constavam as neces­sidades actuais do movimento. Pedia-se o seguinte:
1 – Auxílio urgente à CVAAR. Pediu-se também que sobre este ponto toda a correspondência se fizesse através do encarregado de negócios yougoslavo, no Senegal.
2 – Pedido de fundos.
3 – Armas, munições e meios de encaminhamento. Sobre este ponto esclareceu-se que só nos interessava por agora a aceitação do princípio da ajuda. A concretização seria pedida em cada momento.
4 – Difusão de toda a propaganda feita e a fazer pelo MPLA, através da Yougoslávia (Rádio, Televisão, Imprensa etc.)
5 – Pedido de publicações yougoslavas sobre a luta que travaram em 1941.
6 – Pedido de facilidades para os nossos estudantes.
Em face de todos estes pontos o yougoslavo esclareceu que o seu povo estava pronto a ajudar mas que jamais esqueceriam um princípio: não compromisso nem com um nem com outro dos dois movimentos nacionalistas, pois não queriam interferir nos nossos negócios internos...
Disse que a Yougoslávia estava pronta a difundir o maior número possível de conheci­mentos sobre Angola e a sua luta libertadora. Aceitou a ideia dum aproveitamento da experiência yougoslava, mas aconselhou-nos a só tirar dela aquilo que fosse adaptável às nossas realidades. Sobre os estudantes esclareceu que podiam estudar na Yougoslávia não importando mesmo que não possuíssem os seus certificados portugueses de habili­tações. Chamou a atenção para a necessidade que temos de trabalhar no sentido da orientação profissional dos jovens, a fim de termos um equilíbrio entre a mão-de-obra especializada, média, e não qualificada. Diz que a Yougoslávia aceitava imediatamente a tarefa de formar técnicos em cursos médios. Disse que sobre este ponto era preciso andar depressa pois as aulas começam na Yougoslávia dentro de 3 semanas.
Sobre a CVAAR diz que as coisas podem resolver-se com a cooperação da Cruz Vermelha Yougoslava. Posteriormente, através da embaixada na Guiné, dariam uma resposta concreta sobre todos os pontos focados.
Terminada a audiência, o Mário escreveu uma carta endereçada ao Dr. Khathib e que seguiu com o Marcelino dos Santos (mão própria) para Rabat. Isto porque se achou impossível ir de novo a Marrocos.
Dali seguimos para a Liga dos Antigos Combatentes onde fomos recebidos por uma senhora – NEDA BOZINOVIC, secretária da Federação das Organizações de Combatentes.
A visita constituía um dos pontos do programa organizado pelos yougoslavos a fim de que pudéssemos contactar com os velhos combatentes, os quais se prontificaram a enviar-nos tudo o que tivessem como publicações sobre a guerra de resistência yougoslava.
Contactou-se o Secretário-Geral do PAI que nos afirmou ter falado com o PINOK e SAVIMBI e ter sabido que entre eles lavra um certo descontentamento contra o Gilmore pelo facto de ainda não ter chegado à Frente Unida.
Contactou-se, à noite, o Presidente Dorticos de Cuba o qual fez perguntas várias sobre a evolução da nossa luta, natureza dos nossos inimigos, relações entre os dois movimentos e nossas perspectivas futuras. De seguida, e depois de esclarecido, disse que Cuba está inteiramente com a luta do povo Angolano e que nós MPLA, se estivermos dispostos podemos enviar até Cuba gente que estude os resultados da ­experiência ­revolu­cionária que eles já realizaram. Estão dispostos a ajudar-nos em todos os campos. Logo que regresse a Cuba vai tomar as medidas adequadas a fim de que seja possível uma nossa deslocação para estudo.
No dia seguinte (7 de Setembro) foram dadas mais entrevistas e contactou-
-se o ­delegado permanente do Congo na ONU (Tomas Kanza) e o Chefe da missão ­diplomática do Congo no Cairo – MULELE. Estavam presen­tes mais dois congoleses. Depois de esclare­cidos sobre a evolução da luta em Angola, pediu-se ao KANZA que nos ­introduzisse junto do ADOULA e GIZENGA. A resposta foi positiva e a conversa derivou para as relações entre a UPA e o MPLA, tendo o KANZA afirmado o seguinte:
– Que o Holden é o líder angolano mais conhecido no Congo, principalmente em Léo.
– Que esse facto se deve aos conhecimentos pessoais que o Holden tinha anteriormente em Léo e ainda a circunstância de ser o chefe do único Movimento com bureau em Léo, o que lhe permite um bom aproveitamento da rádio e imprensa que hoje em dia só falam nele.
– Por outro lado há muita gente que pensa que a Frente Unida já existe e que o Holden é o presidente e o Mário o Secretário.
– Que esta ideia falsa já atingiu mesmo as esferas governamentais pró-Adoula.
– Que fora de Léo não há simpatias pelo Gilmore dado que o pensam implicado nos acontecimentos do Congo. É aliás a ideia corrente em Stanleyville.
– Que oficialmente, o[s] E.U. não dão dinheiro ao Holden pois agora já não sabem qual é o verdadeiro jogo que ele pretende fazer. Que o dinheiro vem de um industrial talvez ligado à Alemanha Ocidental (?).
– Que o Gilmore interessou o Mattei (industrial dos petróleos com grandes poderes económicos no Norte de África...) no petróleo angolano. Possivelmente esse MATTEI pedira já um relatório político sobre Angola e um relatório sobre a riqueza petrolífera em Angola.
– Que o próprio Kasavubu começa a desinteressar-se do Holden dada a ­resistência que oferece aos seus planos monárquicos para o norte de Angola.
– Que no entanto a carta monárquica do norte de Angola pode ser jogada a todo o tempo pelo Holden junto de Kasavubu. Os dois têm poucos escrúpulos para que deixem de jogar oportunamente.
– Por tudo isto considera como melhor política a abertura urgente dum bureau em Stanley[ville], a partir do qual poderíamos ganhar a população do Kasai e assim a fronteira com Angola.
– Só esta política poderá restabelecer o equilíbrio entre os dois Movimentos, equilíbrio necessário para a negociação da Frente Unida.
– Que deveríamos falar aos líderes congoleses o mais rápido possível.
– Que em Brazza não temos muita defesa inclusivé do ponto de vista físico.
À noite, numa recepção oferecida a ADOULA pelo encarregado de negócios congolês (de Stanley) fomos apresentados a Adoula que nos disse estar disposto a ajudar-nos desde que fizéssemos primeiramente a união com a UPA. Que no entanto voltássemos a contactá-lo no dia seguinte. Deu a entender que queria ser medianeiro na reunião com o Gilmore.
Contactou-se também GIZENGA o qual nos prometeu toda a ajuda e confirmou as declarações de KANZA quanto à posição estratégica de Stanley. Gizenga disse ainda que achava conveniente uma ida do Mário a Stanley. Afirmou que a fronteira de Angola com Kasai é mais aproveitável do que a de Léo. Acrescentou que era necessária também uma opera­ção diplomática em Léo com vista à abertura de um bureau.
Encerrada esta segunda audiência com Gizenga – a primeira fora muito rápida, durante a recepção, enquanto que esta foi mais longa e já em casa do líder congolês
– regressámos ao Hotel em companhia de KANZA, o qual ficara encarregado de ­telefonar no dia seguinte a fim de ser marcada a hora para o rendez-vous com ADOULA.
No dia 8 de Setembro o Mário deslocou-se a casa do Adoula, o qual nada mais adiantou sobre o que já dissera na noite anterior. Em casa do Adoula encontrava-se também o Gilmore.
Enquanto isso, o Viana cumpria mais um programa yougoslavo, fazendo visitas pelas fábricas e cooperativas agrícolas e túmulo do soldado desconhecido. [...]
No dia 10, domingo, pouco ou nada se fez do ponto de vista de trabalho oficial. Iniciou-se no entanto a redacção do presente relatório e jantou-se com um membro do Comité Central do Partido Comunista Italiano e Director do Jornal UNITÁ de Milão. Depois de esclarecido sobre Angola, UPA, MPLA e suas perspectivas futuras, ofereceu-se para cooperar na campanha de auxí1io à CVAAR que o Movimento vai lançar através da Imprensa Italiana.
[...]
No dia 12 partimos para o Cairo.
No dia 13 contactámos os camaradas do UPC, Ruanda-Urundi, Afro-Asiático e Congo.
Almoçámos com os congoleses KANZA e MULELE, os quais disseram o seguinte:
– O MPLA devia instalar-se em Stanley e Léo.
– A operação deveria ser feita sem muito conhecimento por parte do exterior.
– Deixar-se-ia o Holden fazer toda a campanha que quisesse no exterior.
– Nós só lamentaríamos publicamente o facto de as forças angolanas serem frágeis, por si sós para vencerem os portugueses. Lamentaríamos os massacres da população civil e faríamos recair todas as culpas sobre o Holden.
À noite falámos ao FAYEK, Director do bureau para as questões africanas junto da Presidência da República da RAU. Exposta a situação actual em Angola e a posição do MPLA, foi pedida assistência no sentido de:
1 – Abertura dum Bureau do MPLA no Cairo
2 – Fundos
3 – Armas e munições
4 – CVAAR
5 – Estudantes.
FAYEK foi claro quanto ao problema do Bureau. Disse-nos que era impossível enquanto não fizéssemos a Frente Unida com a UPA. Esclareceu que qualquer ajuda unilateral naquele sentido pode constituir um entrave à unidade.
Sobre os outros pontos reservou-se para contacto posterior com o elemento que cá ficava – Viana.
Comunicou-nos também que o Manuel Lima – Angolano – actualmente ­prestando serviço militar em Lisboa e com ordem de partida para Goa, via Damasco, tinha contactado a embaixada da RAU em Lisboa solicitando asilo em Damasco na altura em que o avião em que seguisse fizesse esca­la naquela cidade. Dada a gravidade do problema, perguntou-nos se o Lima era indivíduo a quem se devesse fazer confiança. Tanto o Viana como o Mário fizeram fé no compatriota LIMA, ficando o FAYEK comprome­tido a conceder o asilo pedido, para o que expediu os telegramas necessários ainda na nossa presença.
Ficou também assente que a RAU pagaria ao LIMA passagens de avião para o Congo, via Conakry. O avião pousaria em Damasco no dia 16 de Setembro. Pedimos também que a RAU pagasse as nossas despesas de estadia no hotel GUEZIREH PALACE no Cairo. Foi aceite o pedido.
Tentou-se contactar o GPRA, mas foi impossível o contacto naquele dia.
Contactou-se o representante dos Camarões UPC – OSENDE – o qual depois de conhecer os resultados das nossas démarches sobre o bureau propôs a seguinte alternativa:
a) Ou envio para o Cairo de um militante que funcionasse aparentemente como empregado do Comité Afro-Asiático
b) Ou envio dum militante que no Comité representasse a juventude ango­lana.
c) O o envio duma militante que no Comité representasse a mulher angolana.
Segundo OSENDE, esse militante, em qualquer dos casos faria as ve[zes] de bureau que não podíamos abrir. Um dia, à força de presença, o bureau abria-se naturalmente. As despesas de alojamento e subsistência do militante seriam suportadas pelo Comité.
No dia 14 tentaram-se contactos no Afro-Asiático a fim de conseguirmos o p­agamento de uma dívida de cerca de 600 dollars que o Movimento ali possuía. Tentaram-se outros contactos de somenos eficácia.
No dia 15 contactou-se o Director da Secção para questões africanas e Asiáticas do Ministério dos Negócios Estrangeiros do GPRA (LAKHDA). Conversou-se sobre a luta em Angola e perspectivas do MPLA. Segundo ele, ficámos sabendo que a ajuda do FLN seria efectiva no caso de conseguirmos a unidade com a UPA ou pelo menos uma acção ver­dadeira no campo militar. A táctica seguida foi colocar-se na posição de um país hipotético e defender a UPA para justificar uma possível recusa de ajuda ao MPLA. Assim, dizia que a UPA estava já na fronteira de Angola e nós não; que a UPA tinha provado que comandava as operações militares pois tinha anunciado com antecedência tudo o que iria passar-se em Angola, o que mais tarde se veio a confirmar. Dizia ele que a UPA avisava sobre os combates. No entanto sempre foi dizendo que nós tínhamos sobre a UPA a vantagem da teorização da luta e apresentação dum programa progressista. [...]
Às 11 horas [do dia 18] telefonou-se ao FAYEK como fora previsto, a fim de ­pedir-se a marcação dum rendez-vous para se assentarem os últimos por­menores sobre os assuntos que já antes debatêramos.
Mesmo pelo telefone, foi dito pelo FAYEK que o rendez-vous era de todo em todo impossível, pois naquela altura e nos dias que se seguiriam, só tinha tempo para preparar os seus dossiers para a Assembleia-Geral da ONU. Disse mesmo que embarcaria dentro de um ou dois dias. Todavia não queria deixar de fornecer mais alguns esclarecimentos pelo que:
– Disse que o problema da abertura de um bureau no Cairo se lhe afigurava impossível pelo menos nos tempos mais próximos, dada a existência de dois movimentos (Nós e a UPA).
– Que o bureau seria aberto imediatamente desde que se conseguisse a união numa frente de movimentos citados. Mais, que nessa hipótese as autoridades da RAU estavam mesmo dispostas a abrir um bureau devidamente ­apetrechado para Angola.
– Que no entretanto, repisava, o problema do bureau estava posto e, ­naturalmente, dentro de certo tempo tudo seria resolvido. (Não disse mais nada sobre o assunto.).
– Que sobre o problema dos estudantes ele tinha conseguido a muito custo cinco bolsas para nós, não obstante os prazos para pedidos de bolsas já estarem caducos. Não fosse o esgotamento dos prazos, ele FAYEK teria conseguido muito mais e melhor.
– Que sobre as indicações de pormenor sobre as habilitações dos nossos ­estudantes (beneficiários das bolsas) tudo seria tratado por nós em Conakry, junto da embaixada da RAU na Guiné.
– Que sobre a questão dos medicamentos para a CVAAR, havia possibilidade de auxílio mas que ainda não podia fornecer dados concretos sobre isso. No entanto, eu que desse o nosso endereço ao BAGHAT a fim de que posteriormente nos fosse feita uma comunicação.
– Que sobre as outras modalidades de ajuda também não podia dar respos­tas concretas, muito embora tudo fosse possível. O BAGHAT depois me ­explicaria melhor.
– Que eu fosse falar ao BAGHAT às 13 horas.
– Que até aquela altura nenhuma informação além das que já nos dera, lhe tinha chegado quer de Lisboa, quer de Damasco, a respeito do nosso compatriota Lima.
– Terminou o contacto telefónico.
Depois disto foi-se ao Afro-Asiático a fim de receber-se o dinheiro que ali nos
deviam. ­
Ali o Osende que fez a apresentação ao CHARRAT fez a entrega das cartas e esperou-se pelo MURS. Como o MURS não estava, combinámos que às 14 horas voltaríamos lá ao Afro-Asiático.
Voltou-se depois ao Afro-asiático e o CHARRAT esclareceu que toda a questão de dívida tinha sido já regulada com o Mário e que as coisas estavam no seguinte pé:
– Que no momento as 185 libras não existiam nos cofres do Afro-Asiático.
– Que logo que as tivessem, enviariam todo esse dinheiro para Conakry.
– Que estava surpreendido pois o MURS já explicara tudo ao Mário.
Em resposta eu esclareci que ao Movimento não importava que essa quantia fosse enviada para Conakry, mas sim que ficasse depositada no Cairo para ser levantada dentro de algum tempo por um camarada nosso que iria fazer escala no Cairo. Ficou tudo assim combinado.
Mas antes deste contacto no Afro-Asiático, encontrou-se por sorte o BAGHAT que não fez mais do que repetir todas as explicações que o FAYEK já dera pelo telefone.
Entregou-se no entanto o endereço de Brazzaville a fim de que nos fossem feitas para ali as comunicações respeitantes à CVAAR.
Perguntou-se pelo pagamento da despesa do hotel e ele respondeu que tudo seria resolvido ainda naquele mesmo dia.
À tarde e à noite contactaram-se os representantes dos Movimentos em Zamaleck e os camaradas do Congo.
Conseguiu-se uma marcação de lugar de avião para Accra no dia 19.
Trocaram-se 13 libras egípcias por 30 dollars junto do KANZA.
Entretanto no hotel nada sabiam sobre o pagamento da nossa despesa. Assim, tentei telefonar ao BAGHAT mas já não o encontrei. Para evitar complicações, marquei rendez-vous com o “amigo” soviético para as 9,30 horas. Ele compareceu e disse-me que esperasse até às 10 horas do dia seguinte a ver se a Presidência da RAU resolvia a questão.
No dia 19, às 9 horas, a Presidência pagou a despesa (por carta) e eu saí do hotel para o aeroporto.
ass.) GENTIL VIANA

NOTA À ATENÇÃO DO MPLA – CONAKRY2
As autoridades francesas estão evidentemente ao corrente do desaparecimento de 45 estudantes de Angola, elas até sabem por cartas enviadas de Accra por alguns estudantes de Angola a amigos que ficaram em França, que eles estão actualmente no GHANA, depois de terem transitado pela Alemanha Ocidental.
Mas elas ignoram como se pôde realizar esta partida massiva clandestinamente.
De qualquer forma, o caso provocou agitação nas mais altas esferas. O próprio General De Gaulle teria ficado chocado por ver a sua polícia tão ridicularizada e que uma manobra de longo alcance, de que ele teria aprovado o princípio, foi reduzida a nada em Paris, sem que ninguém pudesse saber como.
Uma grande confusão reina actualmente na Cimade, e as instruções de maior ­vigilância vindas do Quai d’Orsay parecem ficar letra morta por enquanto.
A atitude da Cimade em relação ao Maître Vergès, encarregado de se ocupar da pequena Ângela Maria Viana e das bagagens, foi aliás perfeitamente cortês.

Relatório de viagem (Casablanca - Le Caire - Belgrade - Le Caire, de 25 de Agosto a 19 de Setembro 1961, assinado por Gentil Viana. Contém uma Nota para o MPLA e uma Declaração

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