Declaração do pastor metodista Malcolm McVeigh

Cota
0023.000.003
Tipologia
Declaração
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Malcolm McVeigh - Methodist Church
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
8
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»


Leonard M. Perryman
George M. Daniels
Junta das Missões da Igreja Metodista
475 Riverside Drive, New York 27, N.Y.

A situação actual em Angola
(Declaração prestada pelo Rev. ­Malcom McVeigh de Stanhope, N.J., missionário da Igreja Metodista para Angola, África, 1958–1961, regressado aos Estados Unidos no dia 1 de Julho.)
Tenho de confessar logo de início que me sinto de certa maneira inadequado para a tarefa que tenho diante de mim. Eu não sou um repórter, nem um membro de um comité de investigação, nem polícia, nem advogado. Sou simplesmente um missionário da Igreja Metodista, que regressou recentemente de um período de serviço em Angola. Durante a minha estadia vi algumas coisas e ouvi outras, especialmente coisas que aconteceram recentemente, que penso que deveriam merecer a atenção do mundo. Não pretendo falar como representante oficial da Igreja Cristã em Angola ou da Junta das Missões em Nova Iorque. Eu falo como indivíduo e assumo toda a responsabilidade pelo que digo. Não estou a tentar arranjar argumentos a favor ou provar alguma coisa (ainda que assim possa parecer). O meu objectivo é tentar dar informação sobre o que se está a passar. Se pareço ser unilateral, não é por ignorar o facto de que há dois lados sobre a questão de Angola. Apenas sinto que só um dos lados, nomeadamente o ponto de vista dos Portugueses, tem sido transmitido ao mundo. O mundo não conhece o lado dos Africanos.

I. Os pressupostos dos Portugueses
Para se avaliar o que se está a passar em Angola hoje, é necessário entender alguns pressupostos básicos subjacentes ao domínio português onde quer que se encontre. Tais pressupostos não seriam certamente aceites como válidos em todo o mundo, talvez em nenhuma parte excepto em Portugal, mas eles determinam todas as políticas e ajudam-nos a entender a atitude e reacção dos Portugueses aos acontecimentos que recentemente tiveram lugar em Angola.
Os Portugueses acreditam que Angola é Portugal. Eles não reconhecem Angola como uma colónia mas como parte integrante de Portugal.
Os Portugueses acreditam que a grande maioria (eles costumam dizer todos) dos Africanos se consideram portugueses, que estão satisfeitos por estarem sob domínio português e são leais ao Governo. Do seu ponto de vista, os Africanos não querem a independência e toda a actividade política é considerada como uma expressão de influência externa, estrangeira, comunista.
Os Portugueses acreditam ser os únicos que sabem colonizar de forma apropriada. Isto tornou-se para eles uma espécie de cruzada religiosa. Acreditam que com uma lenta evolução (poderá levar alguns séculos), os Africanos se tornarão completamente “assimilados” pela cultura portuguesa.
Também acreditam que tendo um controle rígido sobre as notícias internas e externas, manifestações de força da sua parte poderão manter o presente sistema indefinidamente e garantir uma evolução “pacífica”. A força é considerada um mal ­necessário, usado para o bem da maioria.
II. Causas subjacentes à presente situação
Entendendo estes pressupostos, estamos mais capazes de apreciar a situação prática que evoluiu ao longo dos anos, causando a trágica situação presente.
Em primeiro lugar, há uma completa falta de participação política das pessoas, tanto brancos como negros. Os africanos assimilados (cerca de 30.000) têm permissão de votar somente uma vez em cada sete anos, e somente para [elegerem] um homem, o presidente da República (uma posição puramente honorífica, sem qualquer poder) numa eleição cujo resultado é bem conhecido antes que quem quer que seja vá votar. Nenhum funcionário do Governo em Angola é eleito. Eles são todos nomeados a partir de Lisboa, e a maioria deles vê Angola pela primeira vez após a sua nomeação. Portugal, para todos os efeitos práticos, é governado por um homem, António de Oliveira Salazar que apesar de nunca ter entrado numa eleição nacional, vem dirigindo Portugal há 33 anos. O seu poder pôde ver-se ainda recentemente, quando conseguiu substituir todo o seu governo, homens que tinham recomendado reformas urgentes, sendo ele o único que permaneceu. Como Angola é uma província de Portugal, também é governada por Salazar, mesmo que ele nunca lá tenha estado. Verdadeiros partidos políticos estão proibidos em Angola e qualquer pessoa que se envolva ou seja suspeita de estar envolvida numa actividade política é considerada inimiga do Estado e consequentemente um criminoso. Ao nacionalismo africano, cuja influência não é menos real em Angola do que em outras partes de África, não é dado qualquer canal para exprimir-se e portanto tornou-se um movimento clandestino.
Para controlar a actividade política, todas as publicações são rigidamente ­censuradas. A liberdade de imprensa só é permitida durante um mês em cada sete anos, antes das eleições nacionais. Desde os grandes diários de Luanda até aos simples folhetos ­religiosos, tudo tem de passar pela censura. A mais pequena crítica à ordem existente resultará numa proibição certa e possíveis represálias.
Sem nenhum canal para exprimir insatisfação sobre o estado das coisas, as práticas sociais e económicas abusivas são comuns no dia a dia. O trabalho forçado não só é comum como também é defendido pelos Portugueses como a única maneira de ensinar pessoas preguiçosas a trabalhar. Todo aquele que não tenha o Modelo J (um papel ­afirmando que é agricultor por conta própria – que, como muitas outras coisas, é muito difícil de obter) tem de procurar um patrão. Se não o fizer, é-lhe atribuído um. Apenas alguns altos funcionários negam a existência deste sistema. A corrupção local e o recurso ao suborno são apenas alguns dos resultados mais óbvios do sistema de trabalho forçado. O desejo de obter mão-de-obra barata para apoiar as plantações europeias tem sido também uma das causas do aumento dos padrões exigidos aos Africanos para se tornarem assimilados. Mulheres e crianças continuam a ser os relutantes instrumentos usados para reparar as estradas secundárias e foram sempre consideradas uma parte vital da colheita do café e do programa do algodão. O programa do algodão é um dos mais mal afamados programas de cultivo obrigatório adoptados pelo governo e tem sido sempre uma fonte de descontentamento entre as populações. Em muitas áreas, especial­mente nos últimos anos, tem sido cada vez mais difícil para os Africanos receberem dinheiro pelos seus produtos. Isto era visível na área do Libolo onde passei duas semanas no ano passado. Os comerciantes pagavam as colheitas locais apenas com produtos manufactu­rados, sendo quase impossível aos Africanos pagarem os seus impostos, muito menos mandarem os filhos para a escola, apoiarem as suas igrejas ou satisfazerem outros desejos que requeiram dinheiro. A única luz neste quadro sombrio é a ausência quase completa de uma barreira legal com base na cor da pele. Existe evidentemente uma discriminação cultural. Por exemplo, todas as mulheres com roupas nativas têm de viajar na terceira classe do comboio, mas os Africanos que se vestirem e agirem como portugueses podem viajar nos comboios e entrar nos hotéis e restaurantes. Os Africanos que mostrem os seus documentos de assimilação podem entrar nos cinemas.
O desenvolvimento educacional tem sido notoriamente lento. Há muito poucas escolas do Estado e mesmo essas não são gratuitas. O ensino é sobretudo privado, geralmente ligado às Missões Protestantes ou Católicas. As Missões Católicas são subsidiadas pelo Governo. Por menores que sejam as propinas exigidas, são um grande obstáculo para os Africanos afectados pela pobreza, e perpetua-se o círculo vicioso de analfabetismo, ignorância e superstição. O sistema educativo e os manuais escolares são exactamente os mesmos usados na metrópole portuguesa. O sistema não está ­adaptado à educação em massa nem às verdadeiras necessidades tanto dos brancos como dos negros de Angola. O seu objectivo é treinar uma pequena elite. A população de Portugal metropolitano ainda tem cerca de 50% de analfabetos.
Apesar da liberdade religiosa estar proclamada na constituição, são utilizados todo o tipo de meios para “favorecer” os Católicos. Frequentemente, o resultado é uma clara perseguição aos Protestantes.
III. Os acontecimentos em Angola a partir de Janeiro
Movimentos políticos para a independência de Angola têm estado a trabalhar dentro e fora de Angola desde a guerra da Coreia. Actualmente, os dois principais grupos são o MPLA liderado por Mário Andrade e a UPA liderada por Holden Roberto. É um erro considerá-los movimentos estrangeiros ou comunistas. Se hoje há sinais nos movimentos de libertação angolanos de tendências para o Leste, elas são provavelmente causadas pela falta de esperança de que o Ocidente esteja interessado na liberdade dos Africanos. Estes movimentos são expressões do mesmo fenómeno nacionalista que levou à criação de países independentes em toda a África nos últimos anos.
É interessante que o impulso para a primeira acção com projecção externa deste movimento tenha tido de usar como ponto de partida o desejo dos brancos ­portugueses de terem um governo mais liberal. Refiro-me, obviamente, ao incidente de Santa Maria que era um sinal para levantar a oposição portuguesa contra o regime de Salazar. Logo a seguir, os nacionalistas africanos atacaram as prisões de Luanda procurando libertar os suspeitos de agitação política, que tinham sido condenados a pesadas penas de prisão antes mesmo de terem sido julgados em tribunal. Sucederam-se represálias brutais nos bairros africanos de Luanda, onde inúmeros africanos inocentes foram mortos por tropas e funcionários portugueses furiosos. Este acto foi livremente relatado nas ­notícias internacionais porque vários correspondentes estrangeiros tinham sido autori­za­dos a entrar em Angola na expectativa da chegada do Santa Maria. Quando os correspon­dentes estrangeiros começaram a enviar relatórios não favoráveis a Portugal, foram mandados embora e confiscaram-lhes os rolos fotográficos. A partir dessa altura até agora tem havido uma censura total sobre notícias imparciais em relação ao que se tem passado em Angola. É interessante notar que os primeiros ataques feitos por Africanos em Luanda não eram especificamente anti-brancos. Eram essencialmente protestos contra a ordem existente que não reconhece ao povo quaisquer direitos políticos. É uma enorme tragédia que os primeiros ataques tenham desencadeado represálias tão violentas e irrespon­sáveis, em vez de haver um sincero reconhecimento do erro e da necessidade de reformas, como já muitos altos funcionários do governo, entretanto demitidos, ­defendiam. Digo que foi um desastre porque reforçou a visão, que os Africanos já há muito têm, de que era impossível uma reforma pacífica em Angola.
Um dos acontecimentos mais significativos na sequência directa do que sucedeu em Luanda nunca foi mencionado pelos jornais portugueses. Foi a revolta na Baixa de Cassange no início de Fevereiro. A revolta na Baixa de Cassange também não foi tanto um ataque contra os brancos como foi, sobretudo, um ataque dirigido contra as práticas abusivas do programa [de cultivo] do algodão, patrocinado pelo governo e dirigido pela companhia Cotonang. De facto, os Africanos quebraram janelas e escaqueiraram lojas de comerciantes brancos; atacaram uma Missão Católica e as casas de funcionários locais do governo; mas não saquearam as lojas e poucos ou nenhuns brancos foram mortos. Foi uma demonstração espontânea contra as práticas abusivas da companhia Cotonang, e a maior parte dos brancos que fugiram da região concordaram em que os Africanos tinham boas razões para reclamar. Um general foi encarregue de esmagar a rebelião. O que se sabe sobre o sucedido é sobretudo por fontes africanas, já que nenhuma notícia saiu em qualquer jornal português, e nós fomos proibidos de entrar na área. Até hoje, nenhum missionário foi autorizado a visitar aquela região. Os relatos sobre o número de Africanos mortos variam entre as muitas centenas e os dez mil. É impossível saber exactamente quantos foram mortos. Muitos Africanos fugiram para o Congo. Aldeias foram bombardeadas e os soldados “limparam” outras áreas não atingidas pelas bombas. Visto que Malange foi o ponto de partida, estamos em posição de confirmar que centenas de militares foram mandados para essa área, e que muitos aviões foram vistos a dirigirem-se para lá durante esse período. Um pastor que esteve preso disse que o cheiro dos cadáveres era tão forte que eles quase não conseguiam aguentar. Naquela altura era governador do distrito de Malange um caboverdiano, Joaquim Monteiro. Ele foi até lá investigar a ­situação, e concluiu que havia justas razões de queixa do lado africano. Enviou um ­relatório completo ao governador-geral sobre as práticas abusivas da ­companhia Cotonang, e panfletos escritos em Kimbundu foram lançados na Baixa de Cassange anunciando que os Africanos nunca mais seriam obrigados a cultivar algodão contra a sua vontade. Isto nunca antes tinha acontecido. A Cotonang, infelizmente, também mandou representantes seus a Luanda e em menos de duas semanas Monteiro foi chamado a Lisboa, supostamente para receber um cargo mais alto na delegação portuguesa na ONU. Tanto quanto sabemos, ele ainda continua em Lisboa. A brutal repressão da revolta na Baixa de Cassange fez cair um manto de tristeza e desânimo sobre a população Africana em todo o distrito de Malange, mas nem uma palavra foi publicada, em relação ao sucedido, nos jornais portugueses. Continuaram a dizer ao seu povo que tudo estava bem e que os Africanos estavam absoluta­mente satisfeitos. Desta forma, eles contribuíram directamente para a morte de quase mil dos seus compatriotas brancos em fazendas isoladas no norte de Angola, cerca de um mês depois.
Desde meados de Fevereiro até meados de Março, apesar de os Africanos ­­continuarem a ser presos como agitadores políticos em Luanda e noutras áreas, nomeada­mente no norte, a situação era relativamente calma. A 15 de Março desencadearam-se ataques africanos que levaram à morte violenta e brutal de centenas de portugueses brancos, incluindo mulheres e crianças. Os resultados desses ataques foram ­amplamente ­registados na imprensa portuguesa e mundial. A parte da história que não foi contada foi a reacção dos Portugueses a esses primeiros ataques. Foi uma reacção rápida e violenta, seguindo a filosofia de responder à brutalidade com a brutalidade. Eu estava a orientar reuniões evangélicas perto do Úcua quando os ataques começaram. Estive lá até ao dia 18 de Março e posso dizer honestamente que os Africanos dessa área não sabiam o que tinha acontecido. Sabiam tão pouco como eu. A 18 de Março o Chefe de Posto local apareceu e pediu-me para ir embora imediatamente porque, segundo ele, iam “bombardear aquelas aldeias”. Bombardearam aldeias por todo o lado nos distritos do Congo e dos Dembos. A maioria das pessoas que escaparam aos bombardea­mentos e que não fugiram foi presa ou morta. Estas represálias não ficaram ­confinadas apenas à área do ataque rebelde. Milícias brancas foram rapidamente formadas e armadas por toda a região e foi-
-lhes dada liberdade total para usarem as suas armas como quisessem. Por várias razões, os Protestantes pareciam atrair o maior impacto da ira dos brancos. Nas áreas de Golungo Alto, Ambaca, Dondo, Cacuso e Libolo, áreas que nunca tiveram qualquer actividade rebelde de facto, os nossos pastores e membros das igrejas foram levados e muitos foram mortos. Começou um reinado de terror. As milícias brancas, na sua tentativa de vingar os Portugueses mortos no norte de Angola, iam muito além da intenção do funcionário que as armava. Presumo isso a partir de declarações do Ministro do Ultramar, Senhor Adriano Moreira, que mais tarde alertou os brancos para não “fazerem os inocentes pagar pelos crimes dos culpados”. Apesar disso, o reinado de terror continua. Quando me vim embora, mais Africanos estavam a ser detidos, todos os dias. Nos últimos três meses, desapareceram milhares de pessoas, levadas pelas milícias locais, por ­funcionários do governo ou pelas tropas. Ouvimos falar de muito poucas novas prisões sendo construídas e ninguém ouviu falar de um campo de concentração. As prisões estão ­constantemente a ser cheias e esvaziadas, e muito poucas pessoas voltam para as suas famílias. Uma das grandes questões é: Para onde estão a ir? O que consta em Malange (ouvi-o dos brancos, mulatos e africanos) é que estão a ser mortos e enterrados em valas comuns, por bulldozers. Nunca o vi e não o posso provar mas, para afastar o boato, os Portugueses deveriam esclarecer onde estão essas pessoas e permitir que as suas famílias as vejam. De todos os nossos pastores que se acredita estarem nas cadeias, apenas um foi de facto visto por um familiar. Das prisões vêm tais relatos sobre as péssimas condições, sem camas, sem cobertores, a comida impossível de comer, a pancada, que somos levados a questionar se algum deles sobreviverá a tal tratamento. No dia em que deixei Angola, realizou-se o funeral de um prisioneiro, Joaquim Figueiredo, um dos primeiros a ser preso. Ficou mais de dois anos na prisão sem julgamento e foi um dos poucos que de facto foi condenado por um tribunal. Morreu a 27 de Junho, de trombose, e o seu corpo foi entregue à família. Este é o único caso que eu conheço em que o corpo foi entregue à viúva. É impossível saber quantos Africanos foram mortos. De certa forma, a pior parte da presente situação é a incerteza. Enquanto isso, os Portugueses estão a fazer chegar [a Angola] milhares de soldados e a rebelião continua.
IV. A posição da Igreja Metodista nos acontecimentos
A Igreja Metodista tem tido missões em Angola desde 1885. Implementou igrejas em três áreas afectadas pela recente revolta: a Baixa de Cassanje, Luanda e os Dembos. Em algumas outras áreas, nomeadamente Libolo, Ambaca, Golungo Alto, Dondo, Cacuso e outras, embora não houvesse actividade rebelde, pastores e membros da igreja foram levados e foram mortos ou presos. De acordo com os melhores cálculos que podemos fazer, dos 167 pastores e professores da região de Luanda, 26 supõe-se que ainda estejam na prisão, 21 foram mortos (um cálculo moderado), 34 ainda estão em liberdade, e de 76 ainda não se conhece o paradeiro. Dos 34 que ainda estão em ­liberdade, apenas 11 estão nos seus postos. Apenas dois destes são fora de Luanda. Se incluíssemos os leigos, o número seria evidentemente muito mais elevado. Visto superficial­mente, estes acontecimentos poderiam parecer surpreendentes. Os Metodistas, e os Protestantes em geral, foram pioneiros na educação, na assistência médica e nos serviços sociais. Foi dada ênfase à perspectiva de estabelecimento de um governo democrático na Igreja com o desenvolvimento de uma liderança africana. Ensinámos mais Portugueses e ­trouxemos mais Africanos para o estatuto de assimilação do que o governo. Na ­realidade, no entanto, esses resultados tornaram a Igreja suspeita. Quando nenhuma Missão protestante foi atacada nem nenhum missionário foi ferido no norte de Angola, muitos brancos concluíram que as Missões protestantes estavam a cooperar com a actividade rebelde. Até fomos acusados, pela imprensa ­portuguesa, de “estar a armar” terroristas. A nossa Missão em Luanda foi atacada por brancos ­portugueses, e partiram a maior parte das janelas da igreja, da área administrativa e das casas ­individuais. O nosso centro social na parte africana da cidade foi completamente destruído.
V. Observações relativas à situação actual
Existem várias coisas importantes a assinalar sobre a situação actual. Em primeiro lugar o governo está a encorajar e a estimular o tribalismo. Através da sua constante reafirmação que os Bailundos (e outros povos do sul de Angola) são leais, esperam dividir os Africanos em dois campos. Eles reconhecem que a arma mais valiosa dos Africanos é a unidade. Em segundo lugar, estão a tentar estimular o ódio religioso e esperam assim promover a divisão dos Africanos em Protestantes e Católicos. No entanto, é evidente que isto não é, de maneira nenhuma, um movimento religioso ou tribal, como tal. É um movimento nacionalista do povo que não está confinado a nenhuma religião ou grupo tribal em particular. Em terceiro lugar, a ira dos Portugueses foi especialmente dirigida contra aqueles de que mais se orgulhavam antes, nomeadamente os Africanos assimilados (Portugueses negros, se quiserem). As piores ­represálias foram levadas a cabo contra pastores, professores, enfermeiros e funcionários, as classes mais escolari­zadas e melhor formadas. Em quarto lugar, o presente governo não mostra nenhum sinal de reformas. Como prova, menciono os seguintes factos: 1) o novo Governador Geral Venâncio Deslandes, foi enviado para fazer “exactamente o contrário” do que foi pedido pela ONU (como citava o diário luandense O Comércio); 2) continuam a prender pessoas em Luanda e noutras regiões; houve mais pessoas capturadas em Luanda na última semana em que ali estive do que durante todo o mês anterior; 3) continuam a recusar dar informações aos Africanos sobre o paradeiro dos seus familiares que foram detidos; 4) não houve qualquer tentativa de levar os presos a tribunal; 5) o trabalho forçado continua; estão a juntar milhares de Africanos para a difícil colheita do café; 6) espalharam-se rumores de que os Portugueses destruirão completamente Angola se forem forçados a ir embora.
VI. Em relação ao futuro
É fácil ser pessimista e difícil ser optimista. Salazar, do ponto de vista da economia, de levantar o moral e do seu próprio prestígio, está decidido a acabar rapidamente com a rebelião. Está a enviar milhares de soldados. Por outro lado, os rebeldes parecem igualmente decididos a continuar a actividade de guerrilha. Têm a seu favor a natureza do território e há relatos indicando que milhares deles estão a ser treinados no Congo. Os Portugueses deixaram claro que é impossível renderem-se, e que isso nem seria aceitável mesmo que fosse possível. O resultado destas duas forças em confronto parece ser uma perpetuação da trágica situação existente, com cada vez mais derramamento de sangue. É impossível pensar que a África pode, seja onde for, permanecer por muito tempo sob total dominação branca. A única esperança real parece ser um repensar radical da situação por parte do governo de Lisboa, e um movimento de reformas que leve à garantia de direitos básicos para todos. Houve um tempo em que uma sociedade multirracial teria sido facilmente possível em Angola. Tenho esperança de que isso ainda seja possível. A verdadeira tragédia é que tantos brancos, no seu medo e raiva e desejo de vingança, tenham tentado queimar essa última ponte de esperança para o seu futuro em África.
Continuam por responder quatro grandes questões:
1) Porque é que os Portugueses não relataram os acontecimentos da Baixa de Cassange?
2) Para onde foram levados todos os Africanos que desapareceram?
3) Porque não darão informações sobre os que foram feitos prisioneiros?
4) Porque é que os Portugueses não autorizarão correspondentes estrangeiros a relatarem livremente os acontecimentos?
(7 de Julho de 1961)

«The present situation in Angola», declaração do pastor metodista Malcolm McVeigh, com referência à Baixa do Cassanje (Nova Iorque)

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