Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»
13/5/61 Prezado Irmão, Tua pandula kialua pelo material da reunião em Casablanca. Trabalho excelente! Bom princípio e estão todos de PARABÉNS. O panfleto sobre o Dr. NETO é óptimo e posso usá-lo nalgumas reuniões. Se for possível, envia-me mais dois exemplares. Desculpa-me por só agora me referir às tuas duas últimas cartas. O Holder trabalha num barco que faz carreira entre portos americanos e vai estar em casa em fins de Agosto. Em N.Y., encontrei-me com o outro elemento de “Le Procès...” Continua fixe, mas é espiado tanto pela pide lá como pelos próprios ianques. As cartas para ele são censuradas e extraviadas. Não fui à reunião do Mr. Tucker por ter estado lá na semana anterior para o encontro com o bispo e as informações serem quase as mesmas. A Associação de Estudantes resolveu destacar um dia só para Angola, em vez de fazer tudo em 14 de Abril. Vai ser uma palestra de responsabilidade para um auditório composto de estudantes africanos, americanos, estrangeiros (dentre os quais alguns portugueses salazaristas), professores universitários e público interessado. Por isso o M[ário]. faz muita falta aqui. O material de Casablanca chegou a propósito. Que dizes da cooperação com a UPA em N.Y. em vez de ir para Londres? Temos de estreitar as relações com ela principalmente, para reorganizar e fortificar o exército dela. O combate em Angola nos é um tanto favorável por causa do terreno, capim e matas, mas ultimamente os “rebeldes” não estão bem armados nem organizados o que ajuda os portugueses a liquidar tanto os militantes como as populações indefesas, como se vê por esta última carta de Léo: “Alguns dos nossos refugiados encontram-se no SOLO NACIONAL, onde foram para luta. Desde que saíram têm estado a treinar-se no sertão, mas não achei o plano seguro porque não levam automáticas; além disso o número é muito reduzido, agora que o português está armado até aos dentes. Os líderes do MPLA aqui também acham que os indivíduos devem regressar para que se organize uma coisa mais sólida. Porque uma vez que se faz uma batida a qualquer vila onde estejam os europeus, a força de ordem mal tenha conhecimento, tenta procurar os terroristas e não encontrando estes, massacra os inocentes que forem encontrados nas sanzalas. Geralmente, os terroristas não são mortos porque eles atacam e dispersam-se pelas matas. Há duas semanas chegaram a Matadi muitos refugiados e entre eles um dos propagandistas do MPLA que tem transportado o correio para Angola. Este voltou porque não conseguiu chegar a Luanda, em virtude dos acontecimentos que se têm verificado. O pai dele, João Manico, foi preso no Ambriz e exercia a profissão de cabo-de-mar naquela mesma localidade. Foram mesmo os patrícios que denunciaram o Velho, alegando também que o filho fazia ligação entre Congo e Luanda. Graças a Deus, o indivíduo conseguiu escapar, embora tenha perdido alguns jornais e cartas na travessia do rio Lucunga. Tudo aqueceu quando menos se esperava e agora mais do que nunca, está rigorosíssimo o trânsito de Ambrizete a Luanda, em virtude de ter parado a carreira. Cá alguns soldados e membros da sûreté deixam-se comprar pelo consulado português. Os missionários já começaram a dar o fora. Estive a falar com umas missionárias que fugiram do Bembe; ao passarem por Luanda, disseram elas, viram que os portugueses têm massacrado a nossa gente de verdade. Mas os patrícios quando atacam também não brincam.” Uma carta de L[Lisboa], a primeira em 16 meses, diz: “Continuamos a respirar ainda, mas a situação é terrível. Estamos vivos, mas é salve-se quem puder. Os soldados portugueses estão loucos: incendeiam as nossas sanzalas e massacram-nos; vão acabar connosco. A luta é óptima para a nossa Causa, mas é duro perdermos tantas vidas. Nos primeiros levantes em L. [Luanda] eles massacraram 900 Pretos. Os carros do lixo despejavam os cadáveres num buraco grande, regavam com gasolina e depois incendiavam-nos. A um repórter estrangeiro que fotografou o buraco receberam a máquina e expulsaram. Não posso contar-te tudo porque se a pide apanhar esta carta é morte para mim. Não podemos voltar para Angola nem sair para o estrangeiro. Por enquanto, estamos fora de prisão, mas em situação muito delicada. Quando o nosso Dr. partiu, fomos ao aeroporto e aplaudimos quando ele apareceu. A pide prendeu 17 dentre nós (o resto fugiu), fechou-nos no aeroporto e apontou os nossos nomes, sempre ofendendo-nos. Dois dias depois, fomos chamados à sede deles, um a um, e perguntaram-nos se queríamos ou não ser portugueses, sempre ofendendo-nos e prometendo-nos surra e prisão. Eles protestaram em frente à embaixada americana e, para isso, juntaram pretos bêbados e funcionários apenas interessados em gorgetas, puseram-nos em frente do grupo para fingirem que os Angolanos estão do lado deles. NÓS CONCORDAMOS COM ELES APENAS SE ESTIVERMOS MORTOS. Para passar nos exames tens de estar do lado deles e espiar os outros. Há perigo por todos os lados. Nunca escrevas porque todas as cartas são censuradas. A pide vem a nossa casa todos os meses com mentiras e desculpas para nos espiar. Até à vista.” Por favor, acusa logo a recepção desta carta para me assegurar de que não foi extraviada. (A morte do autor da segunda carta transcrita seria minha morte também). Devo sair daqui em 3 ou 4 de Junho e ainda não sei o novo endereço; entretanto, vou escrever sempre. Quero ouvir mais daí, logo que vos aparecer tempo. Muitas saudades para todos. Lalapo ciwa. [rubrica de Deolinda]
Comunicado de imprensa de Mário de Andrade (presidente do MPLA) desmentindo a criação de uma Frente (Conakry)