Discurso de abertura da Conferência por Mário de Andrade

Cota
0020.000.018
Tipologia
Discurso
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Mário Pinto de Andrade
Data
Abr 1961
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
6
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público



1ª CONFERÊNCIA DA CONCP – CASABLANCA
18–20 DE ABRIL DE 1961

DISCURSO DE ABERTURA

Por Sr. MÁRIO DE ANDRADE, Presidente do Movimento Popular de Libertação de Angola
Senhor Presidente do Conselho Municipal de Casablanca,
Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Caros Irmãos de Luta,
Este dia do aniversário da Conferência de Bandung vai se inscrever para sempre nos anais da História dos nossos povos em luta contra o colonialismo português.
Reunidos em Casablanca, lugar cimeiro de uma nova fase do combate anti-imperialista, nesta cidade que acolheu a Conferência Histórica dos Chefes de Estado Africanos, que nos seja permitido agradecer antes de mais a SUA MAJESTADE HASSAN II, ao seu Governo e a todo o Povo Marroquino os vibrantes testemunhos de solidariedade actuante com os patriotas e os povos das colónias portuguesas.
Inclinamo-nos respeitosamente perante a memória daquele que foi um dos primeiros Chefes de Estado a saudar a ideia da nossa Conferência, SUA MAJESTADE MOHAMED V, Símbolo Imortal do combate pela libertação africana.
Naturalmente outros encontros entre nacionalistas das colónias portuguesas já tiveram lugar, nomeadamente na Europa e deram origem a organizações tais como o Movimento Anti-Colonialista, e em seguida a Frente Revolucionária Africana pela Independência Nacional.
Mas esta assembleia reveste-se de uma importância muito diferente pelo carácter de representatividade indiscutível dos seus delegados e pelo contexto em que ela se situa.
É assim que líderes vindos das Ilhas de Cabo Verde, da Guiné, de São Tomé e Príncipe, de Angola, de Moçambique e de Goa, representando mais de 12 milhões de pessoas, se reúnem hoje para decidir o destino final do colonialismo português.
Os objectivos que nos animam a todos não poderiam ser mais claros: queremos aprofundar a especificidade da nossa situação de colonizados, consolidar a personali­dade dos nossos movimentos nacionalistas para ter mais sucesso na luta contra o inimigo comum.
Não se trata de nos isolarmos do conjunto do grupo Africano ou Afro-Asiático mas, pelo contrário, de enriquecer as suas experiências.
Mas será necessário justificar este encontro? Será necessário explicá-lo num momento em que o povo Angolano se engajou resolutamente, de armas na mão, na liquição do colonialismo português?
Aliás, a luta do povo de Angola não é um acto isolado no conjunto dos territórios dominados por Portugal.
Somos, uns e outros, vítimas de demasiadas injustiças, de demasiadas acções bárbaras que estão na própria natureza do colonialismo português desde há cinco séculos, para não tomarmos à nossa conta lutas heróicas de resistência contra o opressor. Não é necessário recordar aqui os episódios marcantes da resistência na História dos nossos povos.
Ao longo dos anos do último pós-guerra, fomos testemunhas de grandes mudanças em África e na Ásia. Sob a pressão da vontade irreversível dos povos, os governos imperialistas tiveram de se adaptar ao levantamento da consciência nacional dos povos colonizados. É evidente que isso significava, da parte do imperialismo, uma mudança da exploração colonial clássica para a elaboração de novas formas de opressão a que nós chamamos neocolonialismo. Mas a marcha do progresso universal permitiu felizmente a emergência de nações independentes em África e na Ásia, o aparecimento de dirigentes que estão decididos a conduzir os povos pelo caminho da libertação completa de todas as sequelas do imperialismo.
Parece que nada disto diz respeito ao governo colonialista de Portugal. Este governo, cego por uma pretensa missão histórica, amarrado a uma secular ideologia colonial, recusou sempre marchar no sentido da história.
O que o caracteriza é a manutenção de todas as formas de exploração colonial clássica desde o trabalho forçado, a submissão das populações a estatutos particulares, como o estatuto de indígena, o obscurantismo, a imposição de ciclos de fome e de todas as formas de miséria e de aniquilamento das populações.
E como se fosse pouco, a cada gesto reivindicativo, a cada manifestação pacífica esboçada pelas populações, o governo português só reage duma forma: a repressão sangrenta.
Em Goa, onde desde 1946 os nacionalistas dirigiram a luta por métodos não violentos inspirados nos princípios de GANDHI, os colonialistas portugueses deram livre curso aos seus métodos bárbaros através do emprego de torturas, da deportação dos nacionalistas para Angola e de prisões em massa.
Os massacres de São Tomé em Fevereiro de 1953, orquestrados por um vil Capitão do Exército Português e que fizeram mais de mil mortos numa população de 60.000 habitantes, os massacres de Pijiguiti na Guiné dita Portuguesa, desencadeados por uma simples reivindicação de salários, constituem outros tantos exemplos do carácter desumano do colonialismo português em pleno século vinte. São outras tantas expressões do anacronismo dos métodos empregues pelo Governo de Salazar para manter a exploração das riquezas dos nossos países. Os delegados aqui presentes intervirão em breve para detalhar o desenvolvimento da situação particular em cada país, e vós tereis a ocasião de compreender a justeza e a legitimidade da luta que empreendemos hoje contra o colonialismo português.
De uma maneira geral, os movimentos nacionalistas das colónias portuguesas nasceram no quadro do regime fascista instalado em Portugal há mais de trinta anos. Quer dizer que apenas a clandestinidade constituiu para nós o meio de afirmação política. Imaginem todas as provas que os patriotas das colónias portuguesas tiveram de suportar na clandestinidade para escapar à vigilância policial, na sua vontade de levar às massas a bandeira do despertar nacional. À opressão que caracteriza qualquer situação colonial associou-se, nos nossos países, o facto do isolamento de Portugal fascista. Foi assim que vivemos todos no contexto de uma dupla opressão e de um duplo isolamento.
No entanto, os movimentos nacionalistas das colónias portuguesas, mesmo sendo vítimas da violência desenfreada do colonialismo português, do terror policial, tiveram o bom senso de propor uma solução pacífica da questão colonial. Demos sempre prova de lucidez em relação a esse assunto, convencidos que na nossa época o caminho racional para a solução do conflito que opõe os nossos povos à administração colonial portuguesa reside num diálogo e na negociação.
Esforço inglório!
O governo de Salazar que obtém o seu equilíbrio financeiro da exploração das riquezas dos nossos países, esse governo cuja sobrevivência está absolutamente ligada à existência das colónias, foi categórico nesse ponto.
Durante a nossa Conferência realizada em Londres, na Câmara dos Comuns, a 6 de Dezembro de 1960, tínhamos reafirmado a nossa vontade de perspectivar, com o governo português, uma solução pacífica do problema colonial. Tínhamos previsto que a obstinação do governo português levava cada vez mais as massas populares a exigirem--nos meios eficazes para passar à acção directa.
Esta acção directa, da qual Angola é hoje o teatro, acaba de instalar, por um retorno dialéctico das coisas, uma crise no governo de Salazar. Assim fizemos entrar o governo colonialista de Portugal na sua agonia. Cabe-nos então o papel histórico de lhe infligir o golpe final. Naturalmente, o governo português empreende uma guerra colonial em Angola cuja responsabilidade é inteiramente sua e dispõe-se a extender a outros países o foco de guerra que se acendeu nesta colónia. Tal é o contexto, Senhoras e Senhores, no qual vai decorrer a primeira Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas.
Temos de analisar ao longo desta Conferência, a unidade de acção das nossas organizações respectivas assim como o estabelecimento dos meios para coordenar a acção de luta contra o colonialismo português.
Não nos faltam razões profundas para chegar a um total acordo sobre estes dois pontos precisos, já que pretendemos exprimir as aspirações dos nossos povos em se libertarem completamente do domínio colonial português e de qualquer outra forma de opressão estrangeira.
É com base nas nossas experiências comuns e na solidariedade que nos une, que pretendemos juntar os nossos esforços para liquidar sem mais demora esse colonialismo bárbaro e vergonhoso.
A história quis colocar sob a mesma divisa povos originários do Golfo da Guiné, das margens do Congo e do Oceano Índico. Tudo isso justifica largamente o nosso encontro em Casablanca e abre novas perspectivas para o desenvolvimento dos movimentos nacionalistas nas colónias portuguesas. Ao mesmo tempo que as nossas respectivas organizações se reúnem para coordenar esforços na luta sem tréguas contra o inimigo comum, pretendemos cerrar as fileiras da Frente Nacional em cada um dos nossos países. Assim, a Conferência de Casablanca terá como objectivo empreender o combate contra o colonialismo português quer no plano nacional quer nos planos africano e afro-asiático.
Enfim, o isolamento de Portugal no plano internacional não precisa de ser demonstrado aqui. A resolução de 14 de Dezembro de 1960 adoptada na Assembleia-Geral das Nações Unidas é a confirmação da vitória da causa anti-colonialista num mundo de coexistência pacífica onde todas os diferendos entre os povos e os governos encontram um terreno de entendimento ou pelo menos de discussão através do diálogo.
É de facto inconcebível que se possa tolerar ainda o anacronismo da posição portuguesa em matéria colonial numa época em que o mundo se vira para a solução dos problemas maiores do bem-estar e do desenvolvimento dos povos.
Sentimo-nos encorajados pelos testemunhos de solidariedade para com a causa defendida pelos nossos povos e pelas organizações que os representam. O mundo está comovido com os acontecimentos que se desenrolam neste momento em Angola onde um ditador moribundo faz avançar todos os dias tropas para afogar em sangue a insurreição popular.
É verdade que somos sensíveis às mensagens de solidariedade que nos chegam de todos os cantos do mundo e em particular da África e da Ásia, mas não nos devemos esquecer que o governo português conduz impunemente uma guerra colonial, uma guerra de extermínio físico das nossas populações.
O povo angolano e o Movimento Popular de Libertação de Angola assim como todas as outras organizações políticas pretendem intensificar e aumentar o nível da luta de resistência contra as forças repressivas de Portugal.
Fazemos portanto apelo à consciência universal, a todos os homens amantes da paz e da liberdade, para que se levantem contra a continuação desta guerra que põe em perigo a paz e a segurança internacionais.
Reclamamos vigilância perante as manobras do imperialismo, dos defensores do neocolonialismo que manifestam um interesse duvidoso pelas riquezas dos nossos países.
Pois seria um erro acreditar que o imperialismo depôs as armas, como bem o ­sublinhou o Presidente Gamal Abdel Nasser no discurso de abertura da terceira Conferência dos Povos Africanos, realizada recentemente no Cairo.
“A luta contra o imperialismo, diz ele, torna-se uma luta pela defesa das terras ­africanas, pela salvaguarda das minas africanas, porque a revolução nacional é o suporte da bandeira nacional e a independência africana não pode permitir que levantemos a bandeira e que deixemos as terras e as minas nas mãos dos imperialistas.”
É sob o estandarte da luta decisiva por todos os meios, com vista à liquidação imediata de todas as formas de opressão que pesam sobre os nossos países ou das ameaças de qualquer domínio estrangeiro que declaro solenemente aberta a Primeira Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas.
ABAIXO O COLONIALISMO PORTUGUÊS!
VIVA A SOLIDARIEDADE DA LUTA DOS POVOS AMANTES DA PAZ E DA LIBERDADE!
MÁRIO DE ANDRADE
PRESIDENTE DA CONFERÊNCIA

1ª Conferência da CONCP (Casablanca, 18 a 20 Abril 1961) - Discurso de abertura de Mário de Andrade

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