Relatório das actividades de Luiz Azevedo Júnior em Léopoldville

Cota
0016.000.020
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Luiz Azevedo Júnior (Kassule)
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
6
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Relatório das actividades
de Luiz de Azevedo Júnior em Léopoldville
[dactilografado]

RELATÓRIO DAS ACTIVIDADES EM LÉOPOLDVILLE

Chegado em Léopoldville no dia 15 de Dezembro, contactei com os camaradas Jordão [Aguiar J.], Josias [António J.], Freitas [Jorge Manteia F.], Sebastião [Gaspar S.] e José Bernardo Domingos.
As actividades desenvolvidas pelos camaradas citados são bastante satisfatórias, tornando o M.P.L.A., em Léopoldville e em quase todo o Congo, conhecido.
O M.P.L.A., goza no Congo de inúmeras simpatias, tanto da parte do público, como das entidades oficiais.
A minha viagem que foi bem acolhida tanto da parte dos nossos militantes, assim como de algumas entidades ligadas a administração local, acentuou a simpatia do nosso Movimento, e dos contactos tidos, muitos benefícios podemos esperar.
Na ausência do Presidente Kasavubu, troquei impressões com os seus dois secretários particulares que me afirmaram que o problema da libertação de Angola, está inscrito nos problemas mais importantes do Congo, e, acrescentando diziam: – se ainda não nos foi dado qualquer auxílio, o facto só se justifica pela situação política actual do país.
O número dos nossos militantes em Léopoldville é já bastante considerável, entre os quais muitos deles, antigos militantes da U.P.A. que me manifestaram o seu descontentamento, reprovando a organização do aludido partido.
O camarada José Bernardo Domingos, membro do M.P.L.A. em Angola que logo após a sua chegada ignorava a existência de nossos representantes no Congo, contactou com o Bureau Político da U.P.A., onde trabalhou cerca de três semanas e discordando em absoluto com a política do partido afastou-se, transformando-se no mais eficiente propagandista do M.P.L.A., cujos resultados já alcançados são dignos de louvor.
Foi o mesmo camarada que teve a ideia de uma «Frente Comum», formada pela ALIAZO (Associação dos Filhos do Zombo), pela AREC (Associação dos Filhos do Enclave de Cabinda), anteriormente instituições de caridade e ultimamente transformadas em partidos nacionalistas.
Esta «Frente Comum» é por conseguinte formada pelo Movimento Popular de Libertação de Angola, Aliazo e a Arec, porquanto os nossos amigos Upistas nunca concordaram em se aderirem aos outros movimentos nacionalistas.
É de salientar que estas instituições sempre manifestaram o desejo de colaborarem com o M.P.L.A. – O seu afastamento foi motivado pelo atraso da chegada dos nossos estatutos.
A «Frente Comum», enviou em 13 de Dezembro um apelo ao Presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, cuja cópia junto.
Do contacto que tive com os representantes da Aliazo, nomeadamente com o vice-presidente, na ausência do presidente, manifestou este o desejo de uma estreita colaboração com o M.P.L.A., garantindo-nos a sua fidelidade.
Foi depositada a esta instituição uma cópia dos nossos estatutos.
É de absoluta necessidade que se estabeleça contacto directo com a Aliazo e que nas futuras viagens para o exterior, seja convidado um dos seus membros.
Quanto à Arec, aguardemos que os camaradas Jordão, etc., nos forneçam o relatório final das démarches por mim iniciadas, que, estou certo, será satisfatório.
Por iniciativa e espírito nacionalista do camarada José Bernardo Domingos, tem já o M.P.L.A. um escritório em formação, cujo prédio nos foi oferecido gentilmente por um dos nossos militantes.
O montante das cotizações até a data do meu embarque, oscilava já em cerca de 25 mil francos.
Com a chegada dos Estatutos, desenvolveram-se muito mais as nossas actividades e acresce que, dado a posição que os Upistas tomaram relativamente à prisão do ex-Ministro Lumumba, o Governo local que teve conhecimento que o Sr. Gilmore [Holden Roberto], anda a fazer apelos às Repúblicas de Ghana, Guiné, Rússia, etc etc, e aos Lumumbistas locais, mandou fechar todos os escritórios políticos do partido, tais como o de Matadi, Ponta Negra, etc., ficando aberto provisoriamente até 31 de Dezembro o de Léopoldville.
Esta situação desfavorável aos Upistas, tem contribuído imenso para a nossa introdução no meio congolês, porquanto a nossa posição na política interna tem sido neutra.
Durante o meu séjour em Léopoldville, contactei com um dos representantes Upistas que me manifestou o desejo de trabalhar para o M.P.L.A.
Reside o mesmo numa área onde vivem muitos angolanos a 80 kilómetros de Léopoldville.

DAS NECESSIDADES DO M.P.L.A.:
a) Subsídio de Mil Dollars (65 mil francos congoleses), destinados a subsidiar os refugiados e outras necessidades de carácter interno do Movimento.
b) Um copiador no valor de Duzentos Dollars.
c) Três mil cartões e emblemas.

DOS REFUGIADOS:
Encontram-se em Matadi cerca de 35 soldados refugiados de Angola, militantes do MPLA.
É desesperadora a situação destes camaradas por falta de apoio. Muitos deles viram-se obrigados a regressar para Angola sendo seis dos quais entregues às autoridades locais pelos nossos amigos Upistas por manifestarem a sua fidelidade ao MPLA e depois de serem submetidos a castigos corporais foram expulsos do país e entregues às autoridades portuguesas.
Ordenei ao camarada Jordão que enviasse para lá algum dinheiro a fim de remediar esta situação.
Em Léopoldville encontram-se cerca de nove refugiados na sua totalidade ex-estudantes liceais actualmente subsidiados pelo MPLA em algumas das suas necessidades.
Logo após a chegada destes e porque as condições económicas do camarada Jordão não permitiam subsidiá-los integralmente, foram amparados pela UPA que lhes estabeleceu um subsídio semanal de 1.500 francos e o pagamento da renda de casa no valor de 500 frs. mensais.
O camarada Jordão foi de opinião que esta situação se mantivesse embora nós contribuamos com um subsídio de reforço, em virtude das nossas economias serem fracas e porque também não se tem verificado da parte dos subsidiados qualquer prejuízo para o nosso movimento, considerando que estes militantes continuam a ser fiéis e é de acentuar que são os que estão indicados para serem enviados para o exterior depois de obtidos os passaportes, assunto que está sendo tratado em Léopoldville com o Chefe da Sûreté com quem já tive contacto.

DOS SUBSÍDIOS:
Foram estabelecidos os seguintes subsídios:
a) José Bernardo Domingos, 3.300 francos mensais enquanto a sua situação económica permitir.
b) Subsídio aos nove ex-estudantes liceais, conforme as suas necessidades.
c) Subsídio aos refugiados em Matadi e Ponta Negra conforme necessidades.
d) Subsídio único de 4.000 francos, importância que constitui 50% da nossa participação nas despesas funerárias do camarada José Nascimento (irmão do Padre Nascimento), nosso antigo militante falecido por acidente numa das piscinas de Léo. Os restantes 50% das despesas foram subsidiadas pela UPA, que numa atitude mais vaidosa do que patriótica quis monopolizar o acto. Só depois da minha intervenção, dos camaradas Jordão e Freitas, conseguimos convencer o Sr. Rosário Neto, Director Político do Partido, que a nossa contribuição tornava-se indispensável não somente pelo sentimento patriótico, mas também porque o falecido era militante do nosso movimento.

DOS PASSAPORTES:
Os camaradas Jordão, Freitas e Josias, foram de opinião que este assunto fosse tratado em Léopoldville e embora com algum dispêndio de dinheiro estavam certos [que] não encontrariam dificuldades. O Comissário Geral da Sûreté é amigo pessoal deles. Sobre este assunto temos ainda que contar com o precioso apoio dos nossos amigos da Abako, dispostos a darem-nos a mais eficiente colaboração. Para tanto o nosso camarada José Bernardo Domingos, já está reconhecido oficialmente como refugiado político, pelo que lhe foi concedido já um séjour definitivo no Congo e o respectivo passaporte para possíveis deslocações.

DOS CONTACTOS:
Aproveitando a conferência dos Chefes de Estado de expressão francesa em Brazzaville, acompanhado do camarada Freitas, no dia 17 de Dezembro estivemos até lá onde permanecemos algumas horas. Apesar das démarches feitas no sentido de contactar com alguns elementos angolanos, os resultados não foram satisfatórios, vista a maneira dispersa em que vivem os angolanos em Brazzaville, independentemente do espírito tribal. Estivemos em casa dum angolano do Zombo onde havia uma reunião que só tratava de assuntos da independência do Zombo e de Cabinda. Foi o camarada Freitas de opinião que não me identificasse.

DO REPRESENTANTE DA NIGÉRIA:
Testemunhada a nossa gratidão pela posição tomada na ONU pela delegação da Nigéria, no que se refere aos nossos problemas, levámos ao conhecimento do Representante da Nigéria as nossas necessidades quer financeiras, asilo político, passaportes, etc., salientando que a nossa presença na República da Guiné justificava-se por ser o Presidente Sékou Touré o único entre todos os presidentes dos países afro-asiáticos que nos reconheceu o direito de asilo político. Fizemos-lhe uma exposição detalhada dos nossos problemas. Prometeu-nos não só transmitir o nosso pedido ao Governo Central como também estava certo que o governo do seu país, compreendendo a hora actual da nossa luta estaria disposto a ajudar-nos. Quanto aos passaportes e o reconhecimento de asilo político está ele certo ser-nos-á acordado imediatamente. Quanto ao auxílio económico, como nessa ocasião encontrava-se em Léo o Representante Permanente da Nigéria na ONU presidindo a delegação de conciliação junto do Governo congolês, foi o Representante da Nigéria de opinião que o entrevistássemos. Dado os múltiplos afazeres do mesmo, apesar de nos ter marcado uma entrevista no dia 22 de Dezembro, não lhe foi possível receber-nos. Na véspera da minha partida informou-me o Rep. da Nigéria em Léo ser seu desejo convidar o camarada Freitas a um jantar na sua residência, a fim de aproveitar a oportunidade de falar ao Rep. Permanente na ONU.

EMBAIXADA DA TUNÍSIA:
Por insistência dos mesmos camaradas fizemos uma visita de cortesia ao Embaixador da Tunísia, a quem manifestamos a nossa gratidão pela posição tomada pela delegação do seu governo na ONU, relativamente ao problema da independência das colónias portuguesas. Focadas as nossas necessidades, disse-nos o Embaixador da Tunísia que o Presidente Bourguiba está disposto a subsidiar todos os Movimentos Nacionalistas quer financeiramente, quer em material de guerra, asilo político, etc. Relativamente ao MPLA, disse-nos o Embaixador não compreender a razão da nossa oposição para com a UPA que há longos anos vem-nos pedindo insistentemente para trabalharmos em colaboração, formando uma Frente Comum. Salientando as qualidades intelectuais e honestas do seu informador, Sr. Gilmore [Holden Roberto], informou-nos que o Presidente Bourguiba não nos recusaria auxílio desde que estivéssemos dispostos a colaborar com o Sr. Gilmore.
Uma larga explicação foi dada ao Embaixador e revelada a falsidade do Sr. Gilmore que sempre se opôs a colaborar connosco apregoando aos quatro ventos de que somos comunistas. Não podendo esclarecer totalmente o assunto numa breve entrevista concedida de 15 minutos e tomando em consideração as informações detalhadas que lhe apresentámos, historiando a origem da UPA, designação do nosso antigo partido que depois passou a chamar-se MINA e ultimamente por força de circunstâncias e para melhor compreensão MPLA, pediu o Embaixador que os camaradas Jordão e José Domingos que me acompanhavam, o procurassem novamente no dia 27 de Dezembro, pois gostaria [de] ficar melhor esclarecido a respeito do Sr. Gilmore.

EMBAIXADA AMERICANA
Por opinião dos camaradas fiz uma visita de cortesia a esta Embaixada, manifestando ao Embaixador o nosso descontentamento, relativamente à atitude que a América vem tomando quer na ONU quer com o nosso movimento. Salientei ser do nosso conhecimento que a América subsidia a UPA, enquanto que o MPLA não recebe deste país qualquer ajuda. O Embaixador tomou nota sobre o assunto e prometeu entrar em contacto connosco brevemente.

DO RECONHECIMENTO OFICIAL DO MPLA
Em virtude da reacção do Governo do Congo concernente à atitude da UPA que pretende sustentar a posição do ex-primeiro ministro e tendo ainda em consideração de que o Governo mandou fechar já alguns escritórios deste partido, funcionando, ao que me parece, o de Léo até 31 de Dezembro, fomos de opinião que o pedido de reconhecimento oficial do nosso movimento, embora apoiado pelos secretários particulares do Presidente Kasavubu, deveria ser formulado depois desta data.
Durante o meu séjour, não pude contactar com os Comissários Gerais dos Negócios Estrangeiros e o da Sûreté, em virtude de nesta altura encontrarem-se ausentes em visita oficial. Fiz, entretanto, uma visita de cortesia ao Conselheiro do Comissário Geral dos Negócios Estrangeiros, Sr. Cordy Colory, em companhia de José Domingos. Focámos-lhe o problema da necessidade que nos assiste na hora presente de nos instalarmos no Congo. Como sempre conhecidos como comunistas, situação que devemos ao Sr. Gilmore, começou por nos falar da nossa oposição para com a UPA. Depois de esclarecida a nossa posição, das démarches feitas junto da UPA no desejo de uma formação de Frente Comum, sempre repudiados pelos Upistas e relatando a recente história da oposição do mesmo partido em relação à ALIAZO e à AREC que manifestaram desejo de uma Frente Comum, explicando como nasceu a UPA, a atitude deste partido em relação aos restantes movimentos nacionalistas, ficou o Sr. Colory suficientemente esclarecido da desonestidade do nosso amigo Gilmore.
Prometeu-nos o Sr. Colory todas as facilidades junto do seu Ministério e será intérprete da nossa mensagem ao Comissário Geral.
O mesmo Sr. Colory é actualmente representante particular da Bélgica em Léopoldville. Manifestamos-lhe o nosso descontentamento ante a atitude do seu país para com os nossos nacionalistas, salientando o recente caso do Dr. Ivo [I. Loio].

CONSIDERAÇÕES GERAIS

1 – Sou da opinião que para melhor firmarmos a nossa posição no Congo devemos escrever uma carta à UPA, manifestando o desejo de uma Frente Comum.
2 – Cópia desta carta deve ser enviada ao Governo do Congo e a todas as Embaixadas.
3 – Publicação da carta em todos os jornais congoleses.
4 – Dado o ambiente favorável para o MPLA, devemos pedir ao Governo do Congo não somente o reconhecimento oficial do nosso movimento, mas também o direito de asilo político.
5 – É de necessidade absoluta que os Drs. Américo Boavida e Eduardo [dos] Santos entrem imediatamente no Congo a fim de nos preparar melhor o ambiente.
6 – O Dr. Eduardo [dos] Santos já tem a sua entrada autorizada.

Dakar, 31 de Dezembro de 1960

ass.) Kassule [Luiz de Azevedo Júnior]

Relatório das actividades de Luiz Azevedo Júnior em Léopoldville

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