Carta de Jonas Savimbi ao MPLA

Cota
0016.000.012
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Jonas Savimbi
Destinatário
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Jonas Savimbi ao MPLA
[dactilografada]

12/12/60
Prezados irmãos e camaradas

Faço em primeiro lugar uma auto-apresentação, pois creio que poucos ouviram falar de mim.
Jonas Malheiro Savimbi, do Andulo-Bié, ANGOLA. Cheguei em Lisboa em Setembro de 1958 para terminar o 7º ano pois fiz o 6º em Sá da Bandeira. Matriculei-me no Liceu de Passos Manuel, onde em Março de 1959, por ocasião da semana do ultramar, fui pedido pelo Reitor a fazer um discurso sobre «a obra civilizadora de Portugal» tema escolhido pelo Governo. A princípio, pediram-me para fazer um discurso só para os meus colegas por iniciativa do meu professor de Filosofia Dr. Joel Serrão. Mas quando este se apercebeu que na sugestão tinha intervindo a mão escura do Governo, retirou o seu convite e passou para o meu lado apresentando uma recusa baseada na pouca experiência que eu tinha dos assuntos políticos. O Governo escolheu como lugar de apresentação do discurso, a Sociedade de Geografia. Conjurado o perigo com a ajuda sem limites do meu professor de Filosofia, passei a enfrentar sozinho a acção coerciva da polícia internacional (PIDE). Para os camaradas que estão na Guiné, podem ao menos falar com o Eng. Amílcar Cabral que nas horas mais difíceis me deu alento com as suas palavras simples mas sinceras. Passei por momentos difíceis, de dúvida e de desânimo. Perdi dois anos para completar o 7º ano que em circunstâncias normais faria em um ano sem pretensão de ser esperto. Os dois anos passaram com a luta umas vezes mais acentuada outras mais apagada mas o 7º ano não se conseguiu fazer até a data presente. O desfecho do exame oral de Fis. em Setembro deste ano, foi a mais nefasta manifestação de falta de carácter que assisti até hoje. Na prova prática deram-me 5 valores e na prova escrita 19. Fui à oral com 12. Chumbaram-me sem a menor desculpa que justificasse a derrota. Quem quisesse se debruçar sobre o problema diria por fim que tinha sido pouca sorte! Saí de Portugal em circunstâncias difíceis, mas amigos do (P.C. Português) deram-me a maior colaboração possível mas isso não evitou que me obrigassem a assinar uma declaração segundo a qual regressaria a Portugal depois de 90 dias e colaboraria finalmente com a PIDE. Receberam-me o Bilhete de Identidade que afinal não me faz falta alguma cá. O consulado Português em Lausanne tem tentado por todas as vias entrar em contacto comigo. Depois de 2 anos é certíssimo como vão se recusar a renovar-me o passaporte. Fiz um exame complementar de Físico-Químicas e Francês para poder entrar na Faculdade. Como em Lausanne ou Genève não há lugares, vim para cá onde sou obrigado a aprender o Alemão pois as aulas são em Alemão apesar de ser uma vila bi-langue. Farei o exame em francês o que não diminui de forma alguma o peso do trabalho. Mas estou decidido uma vez por todas a enfrentar os perigos e as dificuldades que isto tudo acarreta e não me falta o optimismo para prosseguir. Tenho uma Bolsa das Missões Evangélicas. Conheceis muito bem a política humilhante dos missionários sejam eles católicos ou protestantes. Mas até ao presente não me faltou nada. A bolsa é restrita e muito mais dada a carestia da vida cá na Suíça. Contudo enquanto se luta para um determinado fim não importam necessidades ou carências. Os missionários suíços já começaram com a língua de eu ser comunista. Os americanos têm um tal medo do termo comunista que um dia chegado aos seus ouvidos não sei se hesitarão em me cortar a bolsa. Mas isso ainda não aconteceu. Como sabeis, a Suíça é um dos países mais capitalistas deste podre Ocidente. E não permitem aos estrangeiros fazerem política dentro da Suíça. Teoricamente! Desde que se tomem as devidas precauções sem ofender directamente as autoridades locais levamos a cabo a nossa missão sem que se apercebam que militamos no seio suíço. O P.C. suíço apesar de ser muito diminuto tem uma força razoável. Proximamente enviar-vos-ei um boletim de informação anti-colonialista editado pelo M.D.E. (movimento democrático de estudantes).
Se a política para os povos oprimidos é uma necessidade e uma manifestação espontânea, ela não deixa de carecer de uma orientação sabida porque é uma arte. Se aprendemos muito mais com os nossos próprios erros, que com a dialéctica de um catedrático monótono e rotineiro, não deixa de ter importância capital a experiência. Estou confiante que com a vossa colaboração, prontos a indicar-me erros praticados por falta de experiência, poderei ser útil à nossa causa para a qual labutais há já bastantes anos. Venho por meio desta oferecer os meus fracos préstimos na edificação dum ideal e na reconquista do nosso Património que há 500 anos se encontra na mão do Usurpador. Gostaria de estar ao corrente do que se passa em Angola, dos Movimentos Militantes dos filhos da Pátria querida que nunca conheceu a alegria dos seus entes queridos. Se há um Fundo para o qual devemos contribuir cada um segundo as suas possibilidades, terei uma alegria louca de dar a minha quota-parte. Se há Boletins Informativos ou Revistas quer específicos de Angola ou Africanos em geral, estou pronto a pagar assinaturas.
Quando me puderem escrever, em carácter político utilizai este end[ereço]:
Jonas Malheiro Savimbi, Case Postal 395 FRIBURG 1 SUISSE
Se for de carácter puramente amigável:
27 Av. Weck-Reynold FRIBURG SUISSE
A todos desejo sinceramente um Natal Alegre e um Novo-Ano decisivo.
Abraço fraternal deste vosso servo,

ass.) Savimbi

Carta de Jonas Savimbi ao MPLA

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