Carta de Lúcio Lara aos camaradas em Conakry

Cota
0014.000.017
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Camaradas de Conakry
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Excerto da carta aos camaradas em Conakry [dactilografada] Accra, 11 Julho 1960 Caros amigos Escrevo-vos à pressa na esperança de apanhar o avião de amanhã. Aqui com os correios nunca se sabe. O vosso telegrama chegou-me às mãos com dois dias de atraso e por acaso enviei-vos ontem um a dizer que regressava quarta-feira, pois face às imprecisões do amigo do Zito tinha resolvido regressar. [...] Entretanto seria bom que me enviassem algumas precisões, pois não sei quando é que o fulano aqui receberá a resposta, e devo dizer que este é muito diferente do Londoniano (mais chato…) [...] Enviem o mais rapidamente possível a maquete do postal para o senhor C.A. ADDISON, Administrative Secretary, A.-A.P.C. P.O.Box M 52 Accra. Este tipo é um Ganeano, com quem falei, na ausência do Secretário Geral, sobre a Jornada. Os tipos estavam a Leste de tudo. Limitaram-se a enviar o Memorando pª Addis-Abeba pedindo aos E.A.I. [Estados Africanos Independentes] que tomassem em consideração as decisões do Comité Director que vocês aí têm. Sugeri que fizessem algo de espectacular e em princípio ficou assente que quando o Sec. Geral regressasse faria uma conferência de imprensa sobre a questão e tentariam conseguir com o CPP [Convention People's Party] e TUC um meeting. Além disso o tipo prontificou-se a fazer imprimir aqui o postal e a enviar-vos depois os exemplares. Escrevam-lhe pois enviando o original e indicando o nº de exemplares que desejam, tendo em conta que eles pretendem ficar com alguns. Se ainda aí apanharem o Sec. Geral, que ao que parece deve regressar esta semana, abordem-no sobre a questão. O Makiwane, que chegou há três dias de Londres (vai montar aqui um bureau), prometeu interessar-se pelo assunto como Membro do Comité Director, já que o n/ patrício [Holden Roberto] não se interessou pelo caso. Este aliás disse a alguém aqui do Centro que partia esta semana pª Leo[poldville]. Não sei quando. A situação lá em baixo deve ser conhecida por vós. Segundo as notícias de ontem o Tshombé do Katanga proclamou-se independente da República do Congo. A Rádio em geral dá conta de uma situação extremamente grave, forçando a nota com apelos das famílias refugiadas. De facto, se há aspectos positivos em toda a questão, como a posição dos soldados face aos oficiais belgas e a dos funcionários face aos superiores belgas, há aspectos delicados que a meu ver podem dar lugar a uma situação indesejável. Nota-se em tudo isto a coalizão de todos os países colonialistas. Ao que parece prevê-se a actuação de tropas inglesas no Katanga, a pedido do referido Tshombé. Os paraquedistas belgas já se começaram a espalhar do Katanga pª o Cassai e creio que Matadi (onde incendiaram e saquearam a residência do Cônsul português). Franceses e Lusos «tomam as suas precauções». Esperemos que os governantes do Congo consigam fazer frente à situação que é realmente grave para toda a África. Estou em crer que os Estados Africanos Independentes devem tomar uma posição qualquer se tal vier a ser necessário, isto é, se as ameaças dos colonialistas se acentuarem. Não sei que vos diga mais. Não recebi a carta do V. [Viriato da Cruz] [...] O Pothiekine [sic] não veio na Delegação. Perguntei por ele e informaram-me que tinha ido para outro país. Fui visitar o substituto do Wolbeck, apresentando cumprimentos e lembrando o n/ «contencioso» com o Bureau. O tipo recebeu-me maravilhosamente e aproveitou a ocasião para me expor um plano seu que vai ser posto em execução, ao que parece, para libertar o que falta de África em três tempos. Tudo isso em frente de um grande mapa de África. Posso dar-vos a boa notícia que nós não temos mais nada a fazer nesse aspecto. Eles, os daqui, vão-se encarregar de tudo. «Nada mais simples». Apenas é de lamentar que nesse plano a libertação dos nossos países figure em último lugar... Quanto ao «contencioso»... bem, adiante... Já não deve ser preciso... O presidente Sékou [S. Touré], no discurso que fez aqui durante a coroação do Presidente Nkrumah falou expressamente em que não deviam esquecer «nos frères de l'Angola et de la dite Guinée Portugaise», o que me parece muito significativo. Os tipos daqui apenas falam na África do Sul; é mais rendoso. Há dias fui ouvir uma palestra do velhote DU BOIS. O senhor tem umas ideias muito simpáticas. Acabou a sua palestra dizendo que o Ghana não se devia fiar nos USA e parceiros, mas sim voltar-se para a URSS e China, se queria realmente caminhar para um progresso verdadeiro. Bem, até à próxima. Fico pois aguardando precisões, na certeza porém de que não esperarei aqui até Setembro, ou mesmo Agosto. Mandem-me pois dizer o que há de concreto. De resto economicamente isto vai pessimamente. ABRAÇOS PARA TODOS ass.) Lúcio P.S. Há aqui um tipo de expressão portuguesa que diz ser de São Tomé e chamar-se Joaquim Aragão. Quando eu cheguei começou por me dizer que era de Fernão Pó; depois, como eu notasse que ele falava correctamente o Port. e como ele descaiu que não falava espanhol, disse-me ser de Moçambique; mas por outro lado disse à malta aqui, inclusive Bureau, que era de São Tomé. Deixei de lhe ligar grande importância, por me ter aldrabado bastante. Dá-me a impressão que ele tem qualquer ligação com o «patrício», pois este mandou-lhe há tempos um recado. Chateia-me que ele aldrabe tanto, pois gostava de falar mais com ele. Ele está bem informado de algumas coisas de Angola e isso é que me fez estranhar que ele fosse de Moç. Mas não tem interesse escrever muito sobre isto. BYE.

Carta de Lúcio Lara (Accra) aos camaradas em Conakry

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