Carta de Lúcio Lara a Hugo de Menezes

Cota
0011.000.096
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Hugo de Menezes
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Acesso
Público

Casablanca, 27 março 1960

Meu caro Hugo

    Respondo à tua carta de 17, aqui chegada a 24. O facto de tu e a tua esposa estarem dispostos a aguentar por uns tempos com o problema da m/ instalação e da família é-nos particularmente grato, uma vez que é espontâneo e camarada.
    Preferia não ter de vos causar esse embaraço, sobretudo por saber a tua esposa à espera de bébé, o que impõe que não se lhe criem problemas de qualquer ordem. Falei aqui com o camarada D.S. e ele próprio me disse que não deveria haver dificuldade quanto a instalações. Também ele falou na hipótese de ir pª tua casa, mas eu disse-lhe que essa hipótese seria de considerar com o vosso acordo prévio, se outra possibilidade não surgisse. Ele diz que não haverá problema de trabalho e em princípio ofereceu-nos a partir de Junho, emprego na Universidade como économe. Não faço ideia o que seja, pois falei com ele muito à pressa (é difícil ter uma conversa com princípio, meio e fim com esta malta), mas em princípio, dado que outras condições de vida se nos não oferece estou disposto a aceitar. Claro, que uma vez aí chegado, procurarei ver o que se nos oferece.
    Em face pois da situação actual, e se outra  hipótese não for possível, nós aceitamos a vossa hospitalidade, esperando que haja da vossa parte a maior franqueza em nos dizerem até onde é que ela vai, isto é, a vossa habitual não deve de modo algum ser sacrificada à nossa presença, Nós procuraremos por nosso lado pesar o menos possível e tentar arranjar uma situação em que não tenhamos de vos sacrificar. Tudo isso, como tu próprio sabes, está condicionado pelas autoridades do País.
    As facilidades concedidas até hoje são já consideráveis e permitem-nos começar a estruturar a nossa luta em bases mais assentes.
    Ciente da tua actual posição face ao movimento daí. Esperamos com efeito que em breve a situação se esclareça.
    Eu espero partir daqui a 4 de abril, pª chegar aí a 9. Não sei ainda as horas. Seria no paquete FOCH. Ainda nada sei porém de concreto. Telegrafar-vos-ei, assim como à UGTAN.
    Quanto aos caixotes e mala que aí estão, deve ser necessário pagar um monte de massa que é o transporte de Marseille até aí. Vamos a ver se os amigos daí auxiliam a coisa, dado que nós estamos…
    Vamos a ver se muito em breve poderemos começar a trabalhar com os pés fincados na terra. Temos desperdiçado muitos esforços e muita massa em vão. Merecemos enfim começar a ter outras condições de trabalho.
    O trabalho aqui não me rende nada. As pessoas com quem eu posso lidar são óptimos camaradas, sindicalistas, mas cheios de trabalho até aos ossos. Mal temos tempo de trocar uma ou outra impressão. De resto situação política cá está bastante tremida e isso impede uma acção no sentido das nossas coisas, pois as pessoas sentem necessidade de falar sobretudo nos seus próprios problemas. Estou firmemente convencido que dentro de uns meses começaremos a laborar mais ligados às nossas realidades, deixando as dos outros para o plano em que elas devem estar. Por enquanto temos de nos sujeitar a ver trabalhar dentro do quadro que nos é imposto e que de modo algum está de acordo com as necessidades da nossa luta. O certo é que ainda que lentos, temos dado muitos passos em frente.
    Desculpa lá esse fraseado todo. Espero podermos em breve falar concretamente da imensidão de coisas que nos assolam.
    Cumprimentos da Ruth para vós. Saudades minhas pª a tua esposa.
    Um bom abraço do
        Lara

Carta de Lúcio Lara (Casablanca) a Hugo de Menezes.

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