Carta de Mário de Andrade a Lúcio Lara

Cota
0011.000.077
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Mário Pinto de Andrade
Destinatário
Lúcio Lara
local doc
Rep. Federal da Alemanha
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Mário de Andrade
[manuscrita]

Düren, le 16.III.60
Meu caro Lúcio,

Acabo de receber a tua carta de 12.
Tenho várias coisas em mente que passo a relatar duma maneira desordenada. O meu estado de saúde continua mais ou menos precário, com altos e baixos. Tudo depende do clima. Vivo em casa dos sogros do L.A. [Luiz de Almeida] que são duma extrema gentileza. Não posso abusar, porém, da hospitalidade.
Tenciono passar em Liège novamente (a partir de 21, próxima segunda-feira) a fim de pôr em ordem os textos para a brochura. Trata-se, como te disse, não só de condensar os relatórios da conferência de Túnis mas também de escrever alguns comentários (acentuando a sua importância) ao processo de Angola. Os camaradas de Liège não estão habilitados a redigir correctamente algo de concreto sobre o essencial do julgamento em curso.
Mandei-te o nº da «Gauche»? Já não me lembro. Saiu também uma notícia no «Drapeau Rouge», baseada na informação vinda de Londres (conf. de imprensa do Abel). Escrevi-lhe, admirado por ele não me ter pedido a minha colaboração, ao menos para a redacção formal desse documento que considero desordenado e sobretudo mal escrito. Acho que não podemos negligenciar a questão da forma.
Os autos estão comigo. Não seguem ainda, por enquanto; necessito de extrair todos os elementos úteis para o «papier» que tenho entre mãos, destinado à brochura. Aguardo a 2ª parte. Quanto às photos, espero poder mandar uma película na próxima semana. Fui expressamente a Frankfurt para isso. O Bouvier está a reunir os positivos num cliché único. Que fizeram vocês à Irmgard [I. Bouvier]? Está assanhada – o que é óptimo para a defesa da nossa causa. Acaba de criar, dentro do «ARBEITSKREIS DER FREUNDE GHANAS», um «ANGOLA-AUSSCHUSS» e a esse título enviou um protesto ao Governador da Colónia, exigindo a «liberdade imediata» (sic) dos prisioneiros políticos. Traduziu e publicou no último número da Geopolitik esse papel vindo directamente de Luanda (tenho comigo o original). Dispõe-se enfim a editar na Alemanha a brochura que preparamos em Liège. Uma actividade louvável! [Acrescentado na margem: falou ao Embaixador do Ghana em Bonn no nosso caso. Às autoridades alemãs, etc.]
O Secretário da Associação dos Juristas, em Paris, prometeu-me publicar um documento sobre o processo. Entretanto, falei longamente com o Dr. Henrique Fialho, Vice-Presidente do mesmo organismo e pessoa muito influente nos meios brasileiros. Levou para o Rio uma série de elementos que lhe forneci. É ele (de acordo com o Secret. Geral da Assoc. Juristas) que ficou encarregado de desencadear uma campanha internacional.
A propósito: Leste as duas pequenas notícias que apareceram no «Monde» sobre a nossa terra? Estive com o Frank MONTERO uma noite, em Paris. Deu-me notícias do meu irmão padre1 que a polícia procura agarrar, pois é considerado nesses meios como um dos mais perigosos agitadores (ele é muito citado nos autos).
Interessa bombardear com documentos nossos as seguintes pessoas:
FRANK C. MONTERO. 411 Madison Avenue, N.Y. 22, New York
Dr. HENRIQUE FIALHO – Rua Ramon Franco, 91 (Urca). RIO DE JANEIRO
Patrick Duncan – Edit. of «Contact» (direcção já enviada)
Pediu-me coisas, novamente. Vai publicar artigo/processo.
SUZANNE DE LUZIGNAN (Madame) – B.P. 20.19 Brazzaville. Rép. du Congo
Estou cada vez mais convencido que há hoje possibilidades imensas de agitar as nossas questões no plano mundial. Pensei que seria útil constituir um Comité internacional de amigos de Angola para começar. É uma ideia que me levará certamente a Londres onde penso concretizá-la com o Basil D. [B. Davidson]. Ele insiste comigo que me instale uns dias em sua casa. Prometi-lhe uma visita há já um ano. E os meios do Vaticano também necessitam de estar ao corrente das pressões policiais de que o Cónego Neves (Vigário Geral da Arquidiocese, angolano) e o m/ irmão Padre estão a ser vítimas neste momento, em Luanda.
Passarei certamente por Roma antes de regressar a Paris, pois organizei uma antologia geral de poesia negra para os «Editori Riuniti». E tenho dinheiro a receber desses amigos romanos.
Estes últimos tempos tenho sido assaltado com pedidos de informações e artigos sobre Angola. Até o «Portugal Democrático» (por intermédio de João A. das Neves, jornalista que conheci em Lisboa) acordou e talvez já acredite na nossa capacidade de pensar o problema nacional.
Voltando à brochura: pedi ao V. [Viriato da Cruz] duas páginas sobre o significado político da participação de representantes dos movimentos angolanos na conf. de Túnis.* [Acrescentado na margem: * urgente. Se puderes, escreve-lhe com urgência a lembrar o meu pedido. Aguardo até 24, dernier délai.] Um parêntesis: esse tal Gilmore [Holden Roberto] é um admirável «habilleur» de artigos que nunca escreveu.
O repouso absoluto é impossível, meu Caro.
Quanto às démarches feitas pelo V. na R.G. [República da Guiné] considero-as de grande importância. Um grande passo em frente. Entretanto, ponho reservas no que respeita a nossa utilização como «funcionários» da República. Ajudar, sim; mas nunca ficar absorvidos. Visto que eles entendem que eu posso ser útil ao país, que me mandem o bilhete/viagem. Urge conseguir os meios materiais para a nossa autosubsistência.
Aguardo mais notícias sobre o assunto.
Diz-me: que fez o Aquino para arrancar os 20.000 frs. que a direcção da «Avant Garde» me deve? Fala-lhe nisso, por favor. Esse dinheiro é para ti.
Envia, pois, os 100 M. (na volta do correio, se possível) para a morada do H. [José Carlos Horta], em Liège. Abandono Düren no fim da semana.
Acabo aqui a carta, porque o correio vai fechar.
Saudações à Ruth e beijinhos ao Paulo.
Responde com urgência.
Um abraço do teu,
Mário

Carta de Mário de Andrade (Düzen) a Lúcio Lara

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