Carta de Viriato da Cruz a «Caros Amigos L. e Abel»

Cota
0011.000.074
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Viriato da Cruz
Destinatário
Lúcio Lara e Amílcar Cabral
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
1
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta de Viriato da Cruz
[dactilografada]

Conakry, 14 de Março de 1960
[Acrescentado à mão por L. Lara: R 18.3]
Caros Amigos L. [Lúcio Lara] e Abel [Amílcar Cabral],

Cá me têm outra vez com uma carta. Também é certo que gosto de escrever. E creio ter sido Marx quem disse que a velha sociedade não pode resistir longo tempo à aliança da humanidade sofrente que pensa e da humanidade pensante e oprimida. Em suma: a aliança entre trabalhadores e intelectuais pode ser útil.
2 – Os jornais «Le Monde» e «Paris-Dakar» (edições de 10 e 11) anunciaram «levantamentos nacionalistas» em Angola; uma conferência de presse, dada na USA por dois membros do American Committee for Africa, que estiveram há pouco em Angola; e indignação de toda a imprensa portuguesa em face dessa campanha de «calúnias».
3 – Há cerca de vinte dias que não sei nada do Lara. Estará ele em contacto com gente nossa conhecida? Se não, será que o seu silêncio não inquieta a ninguém? A mim inquieta-me, por muitos motivos.
4 – Há dias, a Emissora Nacional, na sua emissão para o Ultramar, exortou a todos os portugueses a unirem-se, sejam quais forem as suas divergências, «nesta hora crucial da História de Portugal». Penso que a FRAIN poderia e deveria criar ainda mais dificuldades à pedida união de todos os portugueses. Entre o muito que nesse aspecto a FRAIN poderia fazer, aponto uma possibilidade: Enviar-se um telegrama ao, por exemplo, general Delgado, mais ou menos nestes termos: FRAIN que luta pela liquidação do colonialismo português apoia luta povo português pela liquidação fascismo em Portugal e saúda todos Portugueses defensores progresso real de Portugal na base liberdade igualdade e coexistência pacífica todos povos1 – Talvez fosse possível enviar-se um telegrama desses dentro de dias. Mas se se procurar um propósito próximo, acho que a data da subida de Salazar ao poder* [Acrescentado, à mão, na margem: *Creio que em 26 de Abril] poderá pretextar o envio de um telegrama no espírito que sugiro.
5 – Estou contra o método com que vem trabalhando o Comité Director da FRAIN. Nada de trabalho de equipa e não vejo que o Comité venha dirigindo a actividade geral da organização. Ora, no passado opus-me ao facto de a direcção de Lisboa não fazer sentir a sua orientação nas organizações exteriores do MAC. Mas devo ser coerente: não posso aceitar, igualmente, o método de trabalho da direcção da FRAIN. A continuarem as coisas assim, a minha consciência obriga-me a pedir demissão do Comité Director da FRAIN.
6 – Recebi uns números do jornal ABC para o L. Para este amigo recebi ainda uma carta de Casablanca, do jornal marroquino «L'Avant-Garde», pedindo colaboração para o referido jornal, que está na disposição de acompanhar, nas suas colunas, o movimento político em África.
Logo que tenha possibilidades, enviarei ao L. os jornais e a carta.
7 – Tive aqui contactos com uma delegação oficial cubana. Os contactos foram frutuosos. Dada a natureza dos resultados, acho conveniente não vos comunicar nada por carta. Mas se quiserdes mesmo saber o que resultou desses contactos, dir-vo-lo-ei no próximo correio, a vosso pedido.
8 – Insisto na necessidade de uma conferência entre todas as organizações políticas (e sindicais também, ainda que clandestinas) de todas as colónias portuguesas da Ásia e da África. Como o Abel é o que está mais perto de uma organização asiática, a Goan League, acho que ele deveria encetar negociações nesse sentido com a Goan League.
9 – A UPC [Union des Populations du Cameroun] e o Comité de Libertação da Costa do Marfim enviaram telegramas ao Tribunal de Luanda. Junto cópias.
10 – Estou ainda por dar uma resposta oficial ao Miguéis, porque não sei o que pensais acerca do que ele me escreveu e eu vos comuniquei numa das minhas últimas cartas.
Quanto ao endereço do general Delgado, a Goan League deve sabê-lo.
ass.) V.

[Acrescentado à mão, na margem: P.S. – Já terias escrito ao Aquino Bragança, que deve estar em Rabat?]

Carta de Viriato da Cruz (Conakry) a Lúcio Lara e Amílcar Cabral

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